Jornal Estado de Minas

Pacientes relatam melhora com remédios e ajuda profissional

Médicos alertam que preconceito por parte de parentes e amigos dificulta o tratamento

Junia Oliveira
"Há um fator dificultador quando mesmo pessoas próximas começam a dizer ao paciente que é bobagem". Maurício Leão, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press
A perda repentina do irmão, amigo de todas as horas e referência familiar, deixou a professora C., de 57 anos, sem chão. Há dois anos, ela se viu em estado de desorientação total, sem o controle da própria vida, de horários, dos estudos. De uma hora para outra, ela entrara num túnel escuro e ele não tinha saída. Tentava ajuda das pessoas, mas não via solução. Estava sempre mergulhada numa tristeza profunda, sem esperança nem perspectivas. Pouco tempo depois, começou a sentir, fisicamente, a sensação de que “o coração estava enorme, havia triplicado de tamanho e não cabia mais no tórax”. “Essa é a sensação real da angústia, no mais alto grau. Quanto mais eu respirava, mais meu coração crescia e forçava meu corpo.
Entrei em pânico. Lutava diariamente contra essa sensação horrível e no fim do dia eu estava exausta por tentar combatê-la”, conta.

Hoje, C. se cobra por ter tentado durante muito tempo resolver o problema sozinha. Procurou ajuda médica influenciada pelo filho, um psicólogo de 32 anos, que notou as alterações na mulher antes sensata, organizada e de pés no chão. As aulas de inglês, marcadas pelas gargalhadas, brincadeiras e piadas, deram lugar à tristeza, à amargura e à seriedade. A professora começou terapia com uma psicóloga, que a indicou ao psiquiatra, dada a gravidade do caso e a necessidade de medicamentos. Foi preciso parar de trabalhar por alguns dias, até a retomada gradual das atividades. Há quase dois anos, ela toma os mesmos remédios, sem alteração de quantidade e dosagem. “Me tiraram do fundo do poço”, relata. “As pessoas têm respostas diferentes. Umas só ficam deitadas, outras só choram, e eu tive essa reação forte de não ter direção, não ter um referencial de vida”, relata.

“Às vezes, ouço alcóolatras e drogados falarem que estão na lama e sei o que é isso. Estive atolada até o nariz. Consegui colocá-lo para fora, mas ainda dói muito.
Paro, lembro, choro, mas não passa disso”, afirma. Por experiência própria, C. alerta que medicamento, sozinho, não faz milagre. “Ajuda 60%. O contato com o médico, que passa a ser seu amigo, é imprescindível. Ele vai te orientar no momento de confusão, de loucura, te dar a mão, te conduzir e mostrar as opções disponíveis.”

Incompreensão

O preconceito ela também sentiu na pele, daqueles que pensam ser a depressão própria dos ociosos – ela trabalha de manhã até o fim da noite, na escola de idiomas da qual é dona. Não foram raras as vezes em que ouviu “conselhos” de que para melhorar bastava fazer uma faxina ou lavar roupa. “O depressivo que passa por crise forte é como um alcoólatra: tenta viver um dia de cada vez. Hoje, vou tentar ter um dia legal, ser mais generosa comigo, gostar mais de mim. O que quero é, no fim do dia, ver que consegui segurar a barra sozinha, pois antes eu não conseguia.”

O psiquiatra Maurício Leão, presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, explica que, assim como ocorreu com a professora, um sintoma de depressão é quando o doente sente que não corresponde a exigências da sociedade, como autossuficiência, valorização do sucesso, determinação, pragmatismo e alegria.
“Num primeiro momento, o doente tenta lutar contra isso até por acreditar que força de vontade seja suficiente. Mas, aos poucos, constata que não. E percebe que é raro ter a liberdade de comentar sobre o problema com pessoas mais íntimas”, diz Leão.

“Há um fator dificultador quando mesmo pessoas próximas começam a dizer ao paciente que é bobagem, que é preciso sair de casa, trabalhar menos, praticar mais esporte. Como o depressivo está com a vontade comprometida, não tem ânimo de fazer essas atividades.” Sem estímulo dos mais próximos para buscar ajuda, o rompimento com o preconceito acaba ocorrendo, muitas vezes, pelo próprio doente, que chega no limite do insuportável.

Parede A mineira D., de 37 anos, também está em tratamento. Recentemente, ela conta ter começado a enxergar “problemas muito maiores do que realmente eram”, até perceber que nada estava normal. Depois de começar tratamento, mudou a visão em relação ao presente e ao futuro. “A depressão põe uma parede e a impressão é de não haver saída. E a verdade não é essa”, diz.

Antes de buscar tratamento, ela teve estresse, dissabores no trabalho e sensações ruins que vinham repentinamente. “É uma colisão de vários problemas ao mesmo tempo que desencadeia o processo. E se você está sozinha, não enxerga a depressão. Começa a cair num buraco e, se não tiver a família ou alguém que se importe com você para ajudar, é difícil sair desse quadro”, conta. “O melhor da depressão é perceber que você está nela. Estresse é normal e as coisas são difíceis. Se pôr a culpa na vida e uma carga pesada nisso, fica difícil. Conseguir enxergar além do muro à sua volta é fundamental.”.