Jornal Estado de Minas

Moradores de Santo Antônio do Monte relatam angústia de trabalhar na indústria de fogos

"É a única coisa que tem", diz funcionária de empresa em que explosão matou 4

Jorge Macedo - especial para o EM
Guilherme Paranaiba

Reféns da indústria de fogos de artifício, praticamente a única possibilidade de trabalho no município, responsável pela geração de cerca de 15 mil empregos na cidade, os moradores de Santo Antônio do Monte, no Centro-Oeste de Minas, não escondem o temor que os acompanha quando saem de casa e se dirigem para o trabalho diário nas fábricas de bombas, rojões e foguetes.

Ontem, um dia depois da explosão da Fogos Globo, que causou a morte de quatro operários, a preocupação com a ocorrência de mais acidentes era o principal assunto.

Há 15 anos trabalhando na empresa onde ocorreram as mortes, Benvinda Maria da Costa Silva, de 33 anos, reconhece que a empresa se preocupa em seguir padrões de segurança, mas lamenta que quatro companheiras de trabalho tenham sido vítimas da tragédia. Ela afirma que a população de Santo Antônio do Monte não tem outra alternativa a não ser trabalhar na indústria de fogos. "A gente precisa trabalhar e é a única coisa que tem. Os produtos químicos usados na confecção de fogos e bombas reagem até mesmo com a mudança brusca de clima, o que cria o risco mesmo se todas as normas forem seguidas", diz ela, relembrando casos em que houve explosões mesmo à noite na fábrica, sem nenhum funcionário manipulando produtos.

Benvinda conta que há dois anos perdeu um cunhado, quando houve explosão semelhante na Fogos Estrela. "Completou dois anos em 8 de maio. Lembro na época que os mais antigos diziam que esse não era o primeiro e muito menos seria o último acidente a matar trabalhadores do ramo em Santo Antônio do Monte", completa.

SEPULTAMENTO
Além do medo, a tristeza marcou a manhã de ontem no enterro de duas das quatro funcionárias que morreram na explosão de um pavilhão da Fogos Globo.
Maria das Graças Gonçalves Siqueira, de 42, e Marli Lucia da Conceição, de 39, foram sepultadas no Cemitério Municipal de Santo Antônio do Monte. Inconsoláveis, os parentes ainda tentavam compreender o que havia acontecido. A primeira a ser enterrada foi Marli, às 10h. O cortejo deu a volta na praça em frente ao cemitério, antes de seguir para o túmulo.

Da mesma forma fizeram os familiares de Maria das Graças, antes do sepultamento. "A gente procura entender, mas está difícil. Não dá para imaginar que uma coisa dessas aconteça na família da gente. Uma fatalidade que levou minha irmã", diz o frentista e pedreiro Edson Gonçalves, de 39, irmão de Maria das Graças. "Infelizmente, é esse tipo de serviço que mais dá emprego para nossos moradores e as pessoas precisam do trabalho", afirma Edson.

Diante do clamor causado pela explosão, o coordenador do Sindicato das Indústrias de Explosivos no Estado de Minas Gerais, Américo Libério, disse que já está marcada uma reunião entre os empresários na semana que vem para discutir o fato. Ele nega que haja um temor entre os funcionários. "O trabalhador sabe que se ele fizer tudo corretamente, não tem perigo", afirma.

Libério informou que as 79 fábricas da região de Santo Antônio do Monte têm profissionais capacitados em segurança nos locais de manuseio de explosivos e que os funcionários também são treinados para atuar de forma segura. "Seguimos à risca uma regulamentação que é regida pelo Exército Brasileiro e, inclusive, temos um posto do órgão apenas para isso aqui em Santo Antônio do Monte", afirma. Ele considera que houve uma fatalidade.
"Nossa indústria é centenária e emprega e três a quatro mil pessoas diretamente as fábricas. São 15 mil empregos indiretos", completa.

INVESTIGAÇÕES Ontem, o operário Eleniton Gonçalves, de 19, que sobreviveu à explosão, foi ouvido pela Polícia Civil. O delegado Lucélio Silva, encarregado das investigações, disse que conseguiu informações suficientes para a apuração. "O fogo começou no local de trabalho do Elenilton. Ele citou outras pessoas que ainda serão ouvidas e podem fornecer mais detalhes", disse o policial. A previsão é que daqui a 30 dias ele tenha em mãos laudos da perícia e do Exército Brasileiro, imprescindíveis para o caso. O jovem ficou mais de três horas na sala do delegado, mas não quis falar com a imprensa após deixar a delegacia. Segundo a namorada, Patrícia Alves, de 24, ele descarregava bombas prontas quando percebeu que o contato entre duas unidades causou um incêndio seguido de explosão.

A reportagem entrou em contato com a empresa, mas ninguém foi localizado. Ontem, nenhum funcionário da empresa trabalhou.

Memória

Tradição e muitos acidentes


Santo Antônio do Monte tem tradição na produção de fogos e concentra alto número de acidentes em fábricas do produto.

Em setembro de 2013, uma pessoa morreu e duas ficaram feridas em explosão na empresa Polvo. Em maio de 2012, duas pessoas morreram em acidente parecido na empresa Fogos Estrela. Em janeiro de 2011, foram duas mortes em uma fábrica na MG-429, no limite entre Lagoa da Prata e Santo Antônio do Monte. Segundo a Associação Brasileira de Pirotecnia, no ano 1800 já havia fabricantes de fogos de artifício no município. Em 1859, os irmãos Joaquim Antônio da Silva e Luiz Mezêncio da Silva (Luiz Macota) começaram a fabricar rojões. Ganharam muito dinheiro com a fabricação e venda do produto, atraindo o interesse de outras pessoas e dando origem ao polo pirotécnico que hoje reúne 79 fábricas.

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