Jornal Estado de Minas

Clube de futebol Pitangui comemora 77 anos de história

Clube mais tradicional de Belo Horizonte conta com uma extensa sala de troféus e esbanja um maravilhoso gramado sintético, único na capital mineira

Antônio Melane

Campo, que em 2003 ainda não era gramado, já sediou grandes partidas do terrão belo-horizontino. - Foto: Marcos Vieira/EM-4/5/03



Começo da década de 30Belo Horizonte era uma cidade com pouco mais de 200 mil habitantes, dando os primeiros passos como capitalEm franca expansão, abria espaço para o concreto armado e, consequentemente, o crescimento desordenadoVieram os primeiros prédios na Avenida Afonso Pena e na Rua dos Caetés, como o Edifício Chagas Dória, em 1934, a Feira de Amostras e prefeitura, em 35, além dos Correios e Telégrafos, em 36, e muitos outros, obrigando a prefeitura a criar a regulamentação do uso do concreto armado, no Decreto nº 165, publicado em 1933Era uma cidade sem atrativosNeste período foi construído também o Cine Brasil, na Avenida Afonso Pena.

Na Lagoinha, já existia a principal Pedreira Prado Lopes, de onde os empreiteiros buscavam as pedras para as construções, tiradas com os braços truculentos dos trabalhadores, sem maquinárioNa hora do almoço, aproveitando o espaço, a bola corria soltaA pedreira está lá ainda, com as pedras encobertas pelo tempo e o verdeFoi desativada em 1962, mas o sonho dos meninos Abraão Jorge e Lafaiete dos Santos, este pai de Gerson dos Santos, ex-jogador do Botafogo e técnico do CruzeiroEles decidiram criar um time de futebol e imediatamente conseguiram a liberação do terreno de 12.600 metros, transformado em documento oficial pelo cartório Jero Oliva.

As páginas estão amarelas, nos documentos guardados por Geraldino Marques, que anos depois estava à frente das decisões, ao lado de Esmeraldo Botelho (foi presidente depois da criação da Federação Mineira de Futebol)Aos 96 anos, único ainda vivo, Geraldino conta com detalhes como tudo começou: “Foi algo fantástico para aquela época
Os meninos, alguns trabalhadores da pedreira, criaram o Pitangui que passou a ser um ponto de encontro aos domingos para toda esta região da cidadeEram os pobres que tinham seu local de lazerAqui chegavam caravanas de muitos locais da cidade para ver o futebol dos meninos e depois senhores correndo atrás da bola”.

Atualmente, com grama sintética, campo é motivo de inveja de muitos outros clubes da capital - Foto: Renato Weil/EM/D.A Press

Geraldino lembra que graças ao apoio de Rui da Costa Val e depois do vereador João de Paulo Pires foi possível conseguir oficialmente o terreno: “O Amintas de Barros, que era o prefeito, não queria, dizendo que seria construído aqui um túnel ligando a Rua Itabira, um barranco, com a SapucaíMas pressionamos, com o apoio da imprensa, especialmente do Januário Carneiro, e conseguimos oficialmente o terreno”.

O Pitangui ganhou corpoTornou-se o mais tradicional clube do futebol amador de BHEra a referênciaMuitos clubes profissionais enviavam seus dirigentes para ver os jogos e suas revelaçõesSeus espetáculos eram vistos por multidões, por vezes, superiores aos dos jogos do futebol profissionalO Barro Preto, Estádio JK, o do Atlético, em Lourdes, ou a Alameda, campo do América (na época não existia ainda o Independência, inaugurado em 1950), não recebiam tantos torcedoresBom para os jogadores amadores, que eram vistos como ídolos em seus times, como Galena, bem próximo, com sede no Alto Colégio Batista, Concórdia, Ferroviário, Pompéia, Cachoeirinha, Parque Riachuelo, Terrestre, Bangu, Inconfidência, Melo Viana e outros
Estes eram os que mais conheciam a força do time, porque eram de bairros próximos.

Por décadas, o Pitangui, graças aos seus abnegados, como o também ex-presidente, o radialista Dirceu Pereira de Araújo, foi superando os desafios sem ajuda oficial nem patrocínios, mas sempre com equipes fortesAfinal, quem não queria vestir sua tradicional camisa vermelha e branca? Era o passaporte para chegar a um grande clube do futebol profissional ou até do exteriorBom jogador do Pitangui naturalmente poderia jogar num clube do interiorMas o desejo maior foi a permanênciaPoucos partiram para vôos mais altos e se deram muito bemHoje, sua galeria é composta por mais de 300 troféusO último é o de vice-campeão juvenil, conquista de novembro, ao perder a final do Campeonato Juvenil da Cidade para o Santa Catarina por 2 a 0.

Para provar que nada é capaz de impedir a continuidade de sua história, enquanto muitos clubes não conseguem sobreviver por uma década, o Pitangui dá mais um avanço ao ter hoje gramado sintético em seu campoÉ o único clube de futebol amador de Minas Gerais com tal privilégio“Dá inveja, mas ao mesmo tempo orgulha a gente, que está há muitos anos no futebol amador”, afirma Alex Veiga, presidente do InconfidênciaEle faz questão de dizer que não é rival, mas parceiro do Pitangui.


Só foi possível ter uma estrutura que muitos clubes, mesmo entre os profissionais, ainda não têm, graças à parceria que o presidente Carlos Antônio dos Santos fez com a Recanto Sport Center, que explora as dependências, que têm campo de futebol oficial e um barNo campo, há quatro marcações, também para o futebol soçaite, o que faz o local ser um dos mais procurados da cidade para quem gosta de bater uma peladaO único funcionário do clube é Carlos Roberto Pimenta, o Fumê, de 57 anos, que cuida do materialEle conhece toda a história, a partir de 1962, quando chegou ao clube para ser jogadorE dizem que dos bons: “Sinto orgulho pelo que o Pitangui representa para a cidadeTodos os craques que passaram por aqui e muitas histórias de pessoas que se realizaramNós, pobres, gostamos de alegria e foi o que vivemos aqui”.

Para Fumê, Izain foi o maior jogador da história do clube, mas lembra um fato que o emociona: “O Totonho jogava pelo PompeiaVeio aqui no domingo, jogou contra a gente e na segunda-feira estava em Santos, para assinar contratoDeu showPouco depois, jogava ao lado do Negão (Pelé)Quem precisava de mais? É o futebol amador”Outro lembrado pelos torcedores é Mazinho, que também jogava suas peladas no Pitangui e depois no Santos de Pelé“Mas a gente tem de ser justo também com o TinteiroEra craqueNão ganhou as manchetesSó do futebol amador, graças ao espaço que era dado pelo Diário da TardeMas não deve nada a ninguémNem mesmo para este Neymar, que vocês ficam todo dia dizendo que é o máximo”.


LINHA DO TEMPO


– 1936: Em 27 de maio, Lafaiete dos Santos e Abraão Jorge fundaram o PitanguiJá em 1944, passaram a direção para Esmeraldo Botelho e Geraldino Marques
– 1966: O Cruzeiro goleou o Renascença por 11 a 0, pelo Campeonato Mineiro e Dalmar fez nove gols, um recorde para o futebol profissionalMas um feito de Euller, atacante do Pitangui, também teve repercussão nacional, especialmente em Minas.
– 1967: No jogo contra o Santos, do Alto Vera Cruz, Euller fez 11 gols na goleada do Pitangui por 16 a 0No outro dia, os jornais registraram o fato com destaque: “Euller quebra o recorde de Dalmar”Era tão bom que foi convidado para jogar no Cruzeiro.
– 1967: O gol do Atlético no Festival de 1967 foi marcado por uma atleticana, mãe de Carlinhos, do Buraco QuenteEla estava ao lado da trave e, incontinente, ao ver que a bola ia para fora, tocou de canela e fezSó o árbitro não viu a irregularidade ou fez se bobo.
– 1967: A equipe de aspirantes do Atlético enfrentou o Pitangui, na prova de honra do festival comemorativo dos 31 anos do clubeEmpate: 1 a 1.
– 1971: Foram muitos os jogadores que fizeram história no Pitangui e depois no futebol profissionalO atacante Lola, campeão brasileiro pelo Atlético em 1971, o atacante Fernando, pelo Bangu, do Rio e que também jogou na Europa, e o volante Altair, que atuou nos Estados Unidos.
– 2013: Amanhã, às 9h, a equipe infantil dá sequência à bela história do Pitangui enfrentando o Universo, no campo do Racing, pelas semifinais do Campeonato da Capital.