Jornal Estado de Minas

Risco em alta para quem pedala

Média de atendimento de ciclistas no HPS chega a quase um por dia em Belo Horizonte

Ciclistas adotam medidas preventivas, mas cobram mais respeito de outros condutores

Valquiria Lopes Juliana Ferreira

  Rotina de invasão às faixas destinadas a bicicletas, seja por motociclistas, seja por motoristas, eleva os riscos e infla as estatísticas de acidentes. Fãs do pedal como Marcelo Duarte optam por ruas mais tranquilas - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press

 

A difícil disputa por um lugar nas vias públicas de Belo Horizonte ainda é desfavorável ao ciclista, personagem mais frágil no trânsito em relação a outros veículosProva disso são os números de atendimentos a vítimas de acidentes de trânsito no Hospital de Pronto-Socorro (HPS) João XXIII, em Belo HorizonteNa unidade referência em politraumatismo, a média mensal de acidentados passou de 25 em 2011 para 28 neste anoEnquanto há dois anos 307 pessoas que se envolveram em acidentes com bikes deram entrada no hospital, até outubro de 2013 foram 280Se a média se mantiver, o ano vai terminar com pelo menos 336 vítimas, somando novembro e dezembro

Médicos alertam para a importância em manter a atenção no trânsito para prevenção de traumas, o que pode diminuir a gravidade das lesões em casos de acidenteCirurgião do HPS, o médico Paulo Roberto Carreiro diz que as batidas envolvendo outros veículos são as mais perigosas devido à alta velocidade e ao forte impacto do choque“Muitos ciclistas chegam com traumatismo craniano, politraumatismo ou múltiplas fraturas”, diz Segundo ele, quando há lesões neurológicas e a vítima fica em coma, a chance de sequelas se torna maiorEntre as estatísticas, há a constatação de que as crianças são as que mais se machucam, mas a maioria em acidente que geram ferimentos leves“A prevenção primária é muito importante

O tráfego em ciclovia, a educação dos motoristas e a obediência às regras de trânsito podem inibir o impacto se a lesão acontece”, aconselha Carreiro.

- Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press Para evitar os resultados desastrosos de contatos com os veículos motorizados, o administrador Marcelo Silva Duarte, de 38 anos, opta por ruas menos movimentadasNos 2,5 quilômetros que percorre de casa, no Sion, Centro-Sul de BH, para o trabalho, na Savassi, na mesma região, optou por não passar pela Avenida Nossa Senhora do Carmo“Como lá tem muitos ônibus e carros, busco alternativas, como a Rua Major Lopes, que é mais tranquilaEnquanto não existem pistas exclusivas em todo o trajeto, pego as vias menores”, explica ele, que considera esses detalhes importantes para maior segurança no trajeto.

Em um dos seus deslocamentos com a bicicleta, o estudante Gabriel Junqueira Lima, de 24 anos, quase sofreu um acidente ao ser “fechado” por um carro“Já briguei com dois motoristas por desrespeito ao meu direito de andar na ruaNesse caso específico, o condutor me ameaçou com uma ultrapassagem forçada e depois freou bruscamente”, lembraO estudante usa a bicicleta diariamente para ir de casa, no Bairro Anchieta, à universidade, no Cruzeiro, ambos endereços na Região Centro-Sul, e diz que faz questão de usar equipamentos de segurança para se proteger

- Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press Atualmente, a capital conta com 50 quilômetros de ciclovias e até o final do ano deve atingir 75 quilômetrosA meta de todo o programa, chamado Pedala BH, é atingir 380 quilômetros até 2020Ao lado desses números, o lançamento do edital para o programa de aluguel de bicicletas animou quem usa o transporte público, como a estudante Maria Pinheiro, que considera a bike uma boa opção para os problemas do trânsito: “As pessoas praticam esporte e se locomovem ao mesmo tempo
Mas BH precisa de mais ciclovias”O estudante Pedro Vieira também acha que a medida pode estimular quem não pedala por não ter uma “magrela”Já os motoristas esperam que a implantação das estações não leve mais ciclistas para as vias sem regulamentação dos espaços“Falta lugar para eles, que também precisam fazer sua parteMuitos só querem os direitos e se esquecem dos deveres”, aponta o desenhista atacadista Sandro César

Clique na imagem abaixo para ver a lista completa das ciclovias planejadas até 2016

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PONTO CRÍTICO


O uso da bicicleta é viável em Belo Horizonte?


Carlos Cateb
que participou da elaboração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)

Sim

“O uso da bicicleta é legal e necessário e qualquer cidade do mundo precisa delaEm Belo Horizonte, onde o trânsito está um caos, o transporte por bicicleta iria, sem dúvida, melhorar muito os deslocamentosTambém traria uma melhoria significativa para o transporte coletivo, que é precárioAlém disso, a bicicleta é prática e boa para a saúdeMas para ganhar adesão precisa superar limitaçõesEm BH falta educação por parte dos motoristasA cultura do condutor é de não respeitar ninguémMotorista de táxi, então, nem se falaPor outro lado não há nenhuma fiscalização e orientação de trânsitoBH é nota zero em termos de orientação de tráfegoAlém disso, há as questões do relevo, com muitas subidas e descidasSem dúvida nenhuma é uma limitação objetiva, porque o grande número de ladeiras realmente desanima às vezesMas existem trechos planos, que podem ser aproveitados.”

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José Aparecido Ribeiro
especialista em trânsito, transportes e assuntos urbanos

Não

“O plano de mobilidade de BH foi adaptado do planejamento de Bogotá, na Colômbia, mas diferentemente de lá, que é uma cidade plana e com temperatura média de 17 graus, as condições climáticas e a topografia aqui inviabilizam o uso da bicicletaNão é porque o cidadão não queira usá-la como meio de transporte, mas sim porque não encontra condições para aderirOutro problema é o espaço da cidade, onde são emplacados 250 carros diariamenteA disputa é ruim para todos, mas principalmente para o ciclista, que corre mais riscosEles ainda são uma minoria e não vejo perspectiva de aumentaremO projeto não emplacouAcho que esse número pode crescer, mas para uso com finalidade de lazer e não para os deslocamentos do dia a diaA solução para os problemas da cidade é investir no transporte público de massa e fazer obras para ampliar as vias que ligam regiões, criando novas rotas de trânsito para eliminar gargalos.”

- Foto: Arte/EM