Jornal Estado de Minas

Literatura ajuda doentes a responderem melhor a tratamentos, diz pesquisa

Estudo aponta que pacientes que leem obras de ficção elevam autoestima e conhecimento sobre si mesmos

Vilhena Soares
A leitura proporciona muitos benefícios, como o acesso a novos conhecimentos e o estímulo à criatividade
Agora, além desses ganhos já conhecidos, outra vantagem do hábito acaba de ser constatada por um estudo realizado na Suécia: a literatura tem o poder de ajudar na recuperação de pessoas afastadas do trabalho por problemas físicosO grupo responsável pelo estudo acredita que o efeito tenha relação com a elevação da autoestima e da confiança em quem lê

Lena Martensson, terapeuta ocupacional da Universidade de Göteborg e uma das autoras da investigação, explica que o tema a interessava havia alguns anos“Pesquisas anteriores afirmam que os benefícios da leitura têm relação com o conteúdo dos livrosDo ponto de vista da ciência ocupacional, eu estava interessada nos possíveis ganhos de ler ficção como uma ocupação diária”, conta.


No estudo, Martensson e sua colega Cecilia Pettersson acompanharam oito mulheres que adoeceram e tiraram licença médica por períodos que variaram de quatro a 36 mesesEm entrevistas aprofundadas, todas as participantes apontaram os livros como grandes companheiros que as ajudaram no processo de recuperação e a retomar as atividades cotidianas

A leitura também contribuiu para uma autoimagem positiva e maior autoconhecimento por meio da experiência subjetiva, notaram as responsáveis pela investigação“A leitura de ficção é uma atividade significativa que as mulheres doentes iniciaram por conta própria, o que reforçou sua capacidade de participar em eventos diários”, diz Martensson.

Tema certo Algo que chamou a atenção das autoras foi a procura por histórias que refletiam a situação que as pacientes viviam naquele momento, o que permitia uma forte identificação com os textos“A maioria procurou livros que elas acreditavam previamente que lhes fariam bemElas selecionaram obras que as faziam lembrar-se da própria situação”, ressalta a cientista



As participantes também disseram buscar obras pelo simples prazer estético e como uma forma de esquecer a doença momentaneamenteMas elas evitavam textos muito densos“Era importante que a linguagem não fizesse grandes exigências quanto à capacidade de concentração.”

Todas as voluntárias sempre tiveram interesse pela leituraNo entanto, assim que adoeceram, o hábito foi deixado um pouco de ladoAos poucos, as letras voltaram a fazer parte da rotina e se tornaram cada vez mais presentes conforme as mulheres se recuperavam“Além disso, à medida que, gradualmente, se sentiam melhor, elas retornavam para o tipo de literatura que tinham lido no passado”, acrescenta Petterson.

Livros podem ser refúgio

Para pesquisadores brasileiros que não participaram do estudo sueco, o resultado do trabalho traz informações valiosas sobre o efeito da literatura na vida das pessoasDiva Maciel, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o estudo mostra como a literatura pode preencher a falta de um refúgio, algo necessário em um período de repouso“É uma forma muito interessante de ocupar o tempoCom o prazer da leitura, essas mulheres conseguem se identificar e preencher um espaço, algo que ajudará na recuperaçãoOs livros são um recurso que pode ser comparado a outros, como os filmes ou a música, por exemplo”, aponta.

“Para Roberval de Souza, coordenador e professor do curso de psicologia do Centro Universitário Iesb, seja qual for o tema do livro buscado pelos pacientes, ele pode auxiliar quem está em recuperação
“O estudo se assemelha ao que já ocorre com as crianças hospitalizadasNo momento em que elas têm a oportunidade de dar continuidade aos estudos, concomitantemente ao tratamento, elas desenvolvem melhores habilidades de resiliência à própria doençaJá é sabido que a leitura, seja ficção ou não, nos ajuda a construir um repertório simbólico e imaginário que será fundamental para nossa convivência social”, destaca“Nossa autoestima é moldada a partir de um somatório de vínculos afetivos que construímos desde o início da vidaSendo assim, a leitura funciona como uma ferramenta para nos ajudar a elaborar novas percepções de como podemos nos portar no mundo e na sociedade”, diz o psicólogo.