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Estado de Minas

Ocupação no Centro de BH abriga pessoas que romperam laços sociais

"Aqui não fazemos acepção de pessoas. Entra quem quiser", ensina um dos moradores, abrindo caminho para a equipe de reportagem


postado em 27/10/2013 06:00 / atualizado em 27/10/2013 12:19

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Na "sala de estar do apartamento 302", Maurício, Robson, Zé Carlos, Amarildo, Mário e Luiz Almeida alimentam a esperança de encontrar emprego e resgatar a confiança das famílias (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Apartamento 302. Não se sabe quem escolheu o nome tampouco o motivo. A nomenclatura deve designar as três vigas do Viaduto da Floresta que servem de teto para os cerca de 12 moradores de rua de Belo Horizonte. Amanhã ou depois, pode ser que o apelido mude. A inspiração vai depender do nível de teor alcoólico da próxima rodada de birita com fritada de camarão e macarronada do nono. Ambos são preparados no fogão a lenha, não exatamente por questão de luxo, mas por precisão.

No lugar, onde não há gás nem geladeira, instalou-se uma das ocupações mais emblemáticas da capital, que há pelo menos sete anos resiste a diversas tentativas de desocupação pelo poder público. Primeiro, foram as pedras com as pontas viradas para cima. Agora, a batalha judicial com a liminar que ampara todos os moradores de rua da capital, impedindo o recolhimento de pertences dos sem-teto, que a prefeitura tenta derrubar. A liminar foi pedida pelos advogados da organização não governamental (ONG) Coletivo Margarida Alves, vizinha ao Viaduto da Floresta, que presta assessoria jurídica a moradores de rua.

“Aqui não fazemos acepção de pessoas. Entra quem quiser”, ensina um deles, abrindo caminho para a equipe de reportagem, que conviveu durante um dia e uma noite dentro da comunidade, na semana passada. “Faça o favor. Pode se sentar”, disse o outro, cedendo o lugar no sofá, já lotado. Na falta de assento, ele improvisa uma banqueta, em segundos, a partir de um galão de gasolina vazio, forrado com revistas velhas. Feito o arranjo, a conversa é retomada do ponto onde foi interrompida. “Porque (…) meu mundo é diferente/Minha alegria é triste”, canta o pedreiro Luiz de Almeida José, de 48 anos, em adaptação pessoal de uma canção de Roberto Carlos.

Na opinião de Luiz, o pedreiro, ninguém aqui pode ser qualificado como mendigo. “Quero dizer só uma coisa, sabe? Não somos mendigos. Somos pessoas que estão momentaneamente em situação de dificuldade. Todos nós temos um ofício”, diz ele, que está com a barba por fazer há vários dias, mas mantém a cabeça erguida. Por que você vive embaixo do viaduto, Luiz? “Problemas com droga”, afirma ele, em tom de voz inaudível, que se confunde com o barulho do trânsito ao cair da noite.

Luiz passa a vez ao padeiro, confeiteiro, pizzaiolo e pintor José Carlos Ferreira dos Santos, de 43. “Não é fácil viver aqui. Tenho de lutar contra a gravidade”, desabafa ele, voltando ao local para descansar, depois de um dia de trabalho.

Polícia

Policial militar procurou drogas e exigiu documentos de quem estava sob viaduto(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Policial militar procurou drogas e exigiu documentos de quem estava sob viaduto (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Antes de José explicar melhor seu ponto de vista, ouve-se o barulho ensurdecedor de sirenes de polícia. De repente, o local está cercado por cinco viaturas e uma moto da Polícia Militar. Com aparato ostensivo, os agentes alegam estar atrás de um único homem. O sistema acusou que M.Q.S. é fugitivo. Depois de dar ‘dura’ nos sem-teto, os policiais conferem documentos e fazem varredura em busca de drogas. Sem nada encontrar, levam o suposto foragido da Justiça. A namorada dele dá a própria versão: “Sou segurança de supermercado e conheci M.Q.S. em um barzinho. Venho visitá-lo sempre no viaduto, mas não moro aqui. Nunca imaginei esta vida para mim. Na verdade, o que aconteceu é que ele está usando a tornozeleira eletrônica e se esqueceu de recarregar o aparelho. É obrigatório carregar todos os dias, mas ele vacilou. Agora, vai ter de pagar por isso. Está certo”, diz A., de 40, que prefere o anonimato.

“Vocês viram o que aconteceu? A gente estava quieto, conversando, cozinhando o jantar, quando chegaram os homi (sic). Ainda bem que vocês estavam com a gente. Nem droga estava rolando e eles iam bater na gente. É sempre assim”, denunciou, em prantos, outro morador do local.

Personagem da notícia

Anderson Pereira dos Santos, desempregado

"Não aguentava ver famílias felizes"

Com três carteiras de trabalho nas mãos, o servente de pedreiro Anderson Pereira dos Santos, de 33 anos, explica que ficou contratado até três meses atrás, mas a empreitada acabou. Segundo ele, é difícil para os sem-teto conseguirem emprego sem ter como levar marmita para o serviço e comprovante de endereço. Até hoje não teve coragem de contar à ex-mulher e às duas filhas que ele mora na rua. Mente que está vivendo no abrigo. “Tenho ficha lá, mas já me roubaram os documentos e não posso correr risco. Preciso voltar a trabalhar”, afirma. Ele sonha em conseguir uma casa e receber as filhas nos fins de semana. “ Vou provar para elas que parei de fumar pedra e de traficar. Nunca tive passagem pela polícia. Deixei de dormir no Parque Municipal porque não aguentava mais ver famílias felizes”, desabafa.


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