Apartamento 302Não se sabe quem escolheu o nome tampouco o motivoA nomenclatura deve designar as três vigas do Viaduto da Floresta que servem de teto para os cerca de 12 moradores de rua de Belo HorizonteAmanhã ou depois, pode ser que o apelido mudeA inspiração vai depender do nível de teor alcoólico da próxima rodada de birita com fritada de camarão e macarronada do nonoAmbos são preparados no fogão a lenha, não exatamente por questão de luxo, mas por precisão
No lugar, onde não há gás nem geladeira, instalou-se uma das ocupações mais emblemáticas da capital, que há pelo menos sete anos resiste a diversas tentativas de desocupação pelo poder públicoPrimeiro, foram as pedras com as pontas viradas para cimaAgora, a batalha judicial com a liminar que ampara todos os moradores de rua da capital, impedindo o recolhimento de pertences dos sem-teto, que a prefeitura tenta derrubarA liminar foi pedida pelos advogados da organização não governamental (ONG) Coletivo Margarida Alves, vizinha ao Viaduto da Floresta, que presta assessoria jurídica a moradores de rua
“Aqui não fazemos acepção de pessoas
Na opinião de Luiz, o pedreiro, ninguém aqui pode ser qualificado como mendigo“Quero dizer só uma coisa, sabe? Não somos mendigosSomos pessoas que estão momentaneamente em situação de dificuldadeTodos nós temos um ofício”, diz ele, que está com a barba por fazer há vários dias, mas mantém a cabeça erguida
Luiz passa a vez ao padeiro, confeiteiro, pizzaiolo e pintor José Carlos Ferreira dos Santos, de 43“Não é fácil viver aquiTenho de lutar contra a gravidade”, desabafa ele, voltando ao local para descansar, depois de um dia de trabalho
Polícia
“Vocês viram o que aconteceu? A gente estava quieto, conversando, cozinhando o jantar, quando chegaram os homi (sic)Ainda bem que vocês estavam com a genteNem droga estava rolando e eles iam bater na genteÉ sempre assim”, denunciou, em prantos, outro morador do local.
Personagem da notícia
Anderson Pereira dos Santos, desempregado
"Não aguentava ver famílias felizes"
Com três carteiras de trabalho nas mãos, o servente de pedreiro Anderson Pereira dos Santos, de 33 anos, explica que ficou contratado até três meses atrás, mas a empreitada acabouSegundo ele, é difícil para os sem-teto conseguirem emprego sem ter como levar marmita para o serviço e comprovante de endereçoAté hoje não teve coragem de contar à ex-mulher e às duas filhas que ele mora na ruaMente que está vivendo no abrigo“Tenho ficha lá, mas já me roubaram os documentos e não posso correr riscoPreciso voltar a trabalhar”, afirmaEle sonha em conseguir uma casa e receber as filhas nos fins de semana“ Vou provar para elas que parei de fumar pedra e de traficarNunca tive passagem pela políciaDeixei de dormir no Parque Municipal porque não aguentava mais ver famílias felizes”, desabafa.