Jornal Estado de Minas

Chefs visitam cozinheiros e cozinheiras do Aglomerado Santa Lúcia

Renomados chefs de Belo Horizonte provam pratos preparados por audotidatas do aglomerado em projeto para firmar estado como polo de gastronomia

Márcia Maria Cruz
Com ingredientes como banana frita, chefs finalizam os pratos servidos aos convidados do projeto Gastronomia no Morro - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press


A poesia de Vinicius de Moraes inspirou o encontro de chefs estrelados de Belo Horizonte com autodidatas do Aglomerado Santa Lúcia, complexo de favelas da Região Centro-Sul da capitalNo sábado em que o poeta carioca completaria 100 anos, um dos versos de música em parceria com Tom Jobim – “Quando derem vez ao morro/toda a cidade vai cantar” – foi um prato cheio de sabores e criatividade durante o almoço degustação servido no salão da Paróquia de Nossa Senhora do Morro, localizada no coração do aglomerado

Os saberes do morro receberam todos os holofotes e, em um segundo momento, serão reinterpretados pelos chefs Ivo Faria, do Vecchio Sogno; Leandro Pimenta, do The Lab; Frederico Trindade e Felipe Rameh, do Trindade; Henrique Gilberto, da Belo Comidaria; e Paula Cardoso, do Haus MunchenO morro pediu passagem com pratos preparados pelos chefs Fred Gonçalves, Maria de Fátima da Silva Colares, Maria da Consolação de Souza, Vander Álvaro Cordeiro, o Deco, e Wanusa Aparecida da Silva

Eles participam do projeto Gastronomia no Morro, desenvolvido pela Secretaria de Estado do Turismo em parceria com o Museu de Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu)Em torno da mesa, o encontro foi o início de uma parceria, que é mais uma ação da política de governo para tornar Minas Gerais um polo de gastronomia internacionalNas próximas duas semanas, os chefs do morro terão estágios nos principais restaurantes da capital“Esses 14 dias serão um grande aprendizado para as duas partes: os chefs do morro e os chefs do asfalto”, afirmou o secretário de Turismo Agostinho Patrus Filho

Cinco estrelas, o almoço degustação contou com entrada, três pratos principais e sobremesaA surpresa ficou por conta da folha de assapeixe, que, empanada em fubá e frita, tem sabor bem semelhante ao de sardinhasCada prato foi apresentado pelo mestre de cerimônias Bruno Silva, que é professor de capoeira e morador da comunidade, e servido por garçons, com simplicidade e requinte
Além de falar dos pratos, Bruno fez a apresentação dos chefs do morro aos chefs dos restaurantes, que vão trabalhar juntos durante duas semanas.

HISTÓRIAS No fim do encontro foi servido o chá de, Jovelina Pires de Brito, de 79 anos, a dona Jovem, que, há cerca de 20, serve a bebida, preparada com erva-cidreira, manjericão, casca de maçã e canelaMadrinha do projeto, ela recebeu uma homenagem do secretário“Tem gente mais católica, que vai à igreja para rezarOutros vão para tomar o cháA história dela no morro e o chá que ela faz nos enchem de orgulhoA sua imagem, assim como a da dona Lucinha e da dona Nelza, é referência da gastronomia de Minas Gerais”, afirmou o secretário.

O projeto Gastronomia no Morro é uma das ações desenvolvidas pelo Muquifu para dar visibilidade a um dos primeiros museus de favelas da capital, inaugurado em 20 de novembro do ano passado“Queremos conquistar a cidade pelo estômagoAqui no morro se come muito bemQueremos mostrar o que temos de bom”, afirmou o curador, padre Mauro Luiz da SilvaNo momento, há quatro exposições no museu
Duas de fotografia, Janelas, memórias e histórias em extinção, do fotógrafo Marco Mendes, e Folia de Reis, da fotógrafa Bianca SáOutra, A vila que nunca existiu, é de objetos doados por moradores que deverão ser removidos de suas casas devido ao programa Vila VivaAo todo, 1,2 mil famílias deverão sair do aglomeradoA quarta exposição é Escravidão à extinção: uma ontologia de um quarto de empregada.

Chefs com o secretário estadual de Turismo, Agostinho Patrus FIlho (C): profissionais do morro farão estágio em restaurantes famosos - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press

Intercâmbio gastronômico

O Secretário de Turismo Agostinho Patrus Filho antecipou as ações do governo de Minas e parceiros para apoiar a gastronomia nos aglomerados e favelas de Belo HorizonteO anúncio oficial deverá ser feito em 2 de novembro, na segunda parte do encontro dos chefs renomados e chefs do morro, durante almoço no restaurante Vecchio Sogno, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul da capital.

Entre as ações que serão apresentadas estão cursos de qualificação, linhas de financiamento e cursos para gestão de negócios por meio de parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)“A gastronomia não pode ser só aquela imagem de restaurante chique, uma mesa cheia de talheres e muitos copos, que a gente não sabe qual usar, em que ordem e comoA gastronomia tem um aspecto social fundamental de gerar oportunidade, emprego e fazer com que as pessoas possam ter uma vida melhor.”

O secretário informou que a proposta é ampliar o projeto para possibilitar outros momentos de intercâmbioPara Felipe Rameh, um dos chefs que participaram do Madrid Fusión, uma espécie de Oscar da culinária, a gastronomia é um instrumento de transformação social“Temos uma responsabilidade social e ecológicaÉ um privilégio poder contribuir com projeto tão bonito.” Felipe e Frederico vão receber Maria da Consolação de SouzaPara o almoço, ela preparou língua recheada ao molho, com banana frita“Esse intercâmbio é importante para a gente trabalhar a gastronomia de origem e também uma forma de aproximar a alta gastronomia das pessoas”, disse Frederico.

O chef Ivo Faria acredita que o projeto vá despertar o interesse de outros jovens para a gastronomia, o que é importante para a qualificação de pessoas para trabalhar no setor, que é uma das bases da economia de Minas“É uma experiência novaÉ como acordar um giganteDaqui a quatro, cinco anos veremos o impacto desse projetoVários chefs podem surgir daqui e se tornar famosos”, disseVindo do Bairro Primeiro de Maio, ele se tornou o principal chef da gastronomia mineira e referência para a nova geração.

RELEITURA Ivo vai receber Frederico Gonçalves, que preparou moranga com carne seca, acompanhada de arroz brancoAutodidata, Frederico começou como auxiliar de cozinha e atualmente é subchef de restaurante em Lagoa Santa“Sempre gostei de cozinhaCozinhava em casa, até que descobri profissionalmente a gastronomia”, dizLeandro Pimenta vai receber Deco, que preparou galopé, ensopado de pé de porco e galo“É um projeto rico e muito inovador, não só pela troca de experiência, mas para o mercado da gastronomia”, pontuou Leandro.

Paula Cardoso fará a releitura do prato preparado por Wanusa: salada de umbigo de banana e folha de assapeixe empanada em fubá“Todos me perguntavam se ia usar mesmo essas folhasRespondia que gosto da coisas misturada e exóticas”, diz WanusaHenrique Gilberto fará a releitura da sobremesa apresentada por Maria de Fátima da Silva Colares.

O cardápio


» Entradas
• Salada de umbigo de banana, composta por folhas verdes e frescas de serralha e ora-pró-nobis servidas com umbigo de banana, acompanhadas de molho à base de azeite

• Peixe que não é peixe, é a folha de assapeixe: folha de assapeixe empanada em fubá (Vanusa Aparecida da Silva)

» Pratos principais
• Primeiro prato: galopé – ensopado de pé de porco e galo ( Vander Alvaro Cordeiro, o Deco)

• Segundo prato: moranga com carne seca – abóbora-moranga recheada com carne secaAcompanha arroz branco (Frederico Gonçalves)

• Terceiro prato: língua recheada ao molho, com banana frita – língua ensopada em molho de vinho Acompanha arroz do campo e banana verde frita (Maria da Consolação de Souza, a Lia)

» Sobremesa
Creme chinês: mescla de gelatina com doce de abacaxi cobertos com chantilly caseiro (Maria de Fátima da Silva Colares)

» Bebidas
Suco de laranja, suco de abacaxi com couve e água mineral

» Café e chá
Chá de ervas e caféAcompanha rosquinha de baroa