Jornal Estado de Minas

Rua cheia de graça e balanço em BH leva nome de música ícone da Bossa Nova

Garota de Ipanema fica no Bairro Etelvina Carneiro

Tiago de Holanda

Cães sem dono passeiam ociosamente, olham em volta sem temor, baixam o focinho para examinar algum cheiro mais peculiar

Os pássaros voam de uma árvore a outra, trinam sem precisar competir com buzinas ou roncos de motorPoucos carros e motos passam por aliDuas crianças conversam e brincam, sentadas no meio-fioDependurados nos cabos da rede elétrica, há restos esfarrapados e coloridos de pipasÉ verdade que o mar fica a centenas de quilômetros da Rua Garota de Ipanema, no Bairro Etelvina Carneiro, Região Norte de Belo Horizonte Mas a tranquilidade da via tem algo do clima relaxado da música que lhe emprestou o nome, composta por Vinicius de Moraes e Tom Jobim.

No calçamento, com poucos trechos asfaltados, manchas verdes de mato brotam entre os paralelepípedosA rua tem três quarteirões, 600 metros e costuma dormir cedoQuase toda ladeada por casas, algumas com jardim, tem apenas dois estabelecimentos comerciais, bares-mercearias, que raramente passam das 23hUm deles pertence há 30 anos à viúva Zilma Vieira da Rocha, de 62Ela era presidente da associação de moradores quando o logradouro, que se chamava apenas “E”, foi rebatizado com o título da famosa canção, uma das mais gravadas da história
“No ano (1994) em que Tom Jobim morreu, quisemos homenageá-lo e procuramos a prefeituraEssa era a música de que eu mais gostavaComo era muito conhecida, seria fácil lembrar o nome da rua”, explica.

A homenagem se estendeu a outras viasEm seu trajeto, a Garota de Ipanema corta as ruas Samba do Avião e Teresa da Praia, terminando ao se encontrar com a Águas de MarçoAlém disso, é vizinha das Passarim e MeditaçãoTodos os nomes são títulos de músicas de Tom Jobim, que, em Teresa da Praia e Meditação, teve Billy Blanco e Newton Mendonça como parceiros, respectivamenteO maestro, como era respeitosamente chamado, foi o principal companheiro musical de Vinicius de Moraes, que completaria hoje 100 anosA prolífica dupla compôs seu mais cultuado clássico em 1962, inspirada pela visão da jovem Helô Pinheiro, que exibia beleza e charme ao caminhar rumo à praia.

BOSSA NOVA “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça./É ela menina, que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar”, louvam alguns versos da cançãoÉ óbvio que, na rua belo-horizontina, não dá para respirar a brisa marinha que sopra da costa carioca, mas será que existe ali alguma moça que faça o mundo inteirinho se encher de graça e ficar mais lindo? Quando a rua ganhou o nome célebre, o pessoal brincava dizendo que a garota de Ipanema era Wilsa Saccheto, que já se aposentou e tem 82 anos “Quando moça, eu era muito bonita
E muito namoradeira”, lembra ela, cujos cabelos, outrora loiros, ainda conservam um tom levemente amareladoAs pupilas castanhas são rodeadas por um fino anel azul-claroNa tarde de ontem, as unhas das mãos e pés estavam pintadas de rosa.

Com o tempo, Wilsa passou seu título para a neta, Natália Saccheto, de 17“Conheço a canção, é legalNão curto muito esse estilo de músicaGosto mais de rock clássico, tipo Scorpions, Queen”, diz a estudante do 2º ano do ensino médioA moça acredita que a rua tem um pouco da atmosfera sugerida pela composição da Bossa Nova “A rua mais bonita do bairro é a nossa, que tem mais árvores, mais naturezaAqui é muito tranquilo”, descreveCom um sorriso iluminado e longos cabelos cacheados, ela costuma atrair os olhares de outros jovens“Toda hora falam algum coisa, não aguento maisNo colégio, no curso de inglês, na academia”, contaEla reclama de algumas cantadas grosseiras: “Tinha que ter mais romantismoAcho que nasci na época errada”.

Na tarde de ontem, quando avó e neta andavam de braços dados, alguém gritou: “Agora a rua ficou bonita!”Era Francisco Santos, de 59 anos, dono há 14 do outro bar-mercearia na Garota de Ipanema “Conheço a músicaOs moradores daqui são maravilhososA rua sempre teve mulher bonita, mas a gente não olha muito issoCada uma tem sua qualidadeÀs vezes, é feia por fora, mas linda por dentroÉ como diz o ditado: beleza não põe mesa”, ressaltaApesar de louvar os atributos das vizinhas, ele acha que a via não honra o nome que tem“É muito sossegada, mas é muito feia para um nome tão bonitoEstá cheia de buracos, tinha que ser asfaltada”, queixa-se

Quando a rua foi batizada com o notável título, nem todos os moradores gostaramA mulher de Francisco, a auxiliar de serviços gerais Divina de Souza Oliveira, de 58 anos, foi uma dos que desaprovaramNa época, ela e outros vizinhos votaram para que a via se chamasse Alecrim do Campo“Teve uma disputaEu queria nome de flor”, recorda, e constata: “A música é linda, mas não combina com o lugarAqui está muito mais para área rural do que para mar”.

- Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press
“A rua mais bonita do bairro é a nossa, que tem mais árvores, mais naturezaAqui é muito tranquilo

Natália Saccheto, estudante, ao lado da avó Wilsa Saccheto



GAROTA DE IPANEMA

“…Moça do corpo dourado
Do sol de ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar…”