Jornal Estado de Minas

Mineiros de Ouro apresenta: magia da transformação

Catadora de material reciclável desde os 7 anos, mulher cria cooperativa, que a ajuda a criar as filhas com dignidade e ainda gera renda e emprego a outras famílias que vivem do lixo

Simone Lima

Madalena repassa premiada experiência adquirida nos lixões a quem precisa de trabalho - Foto: Luiz Ribeiro/em/D.A Press

Itaúna – Todo mês, pelo menos 530 toneladas de lixo chegam à Usina de Reciclagem de Itaúna, no Centro-Oeste de MinasO material, antes jogado em lixões de forma inadequada, ganhou novo destino e se transforma em fonte de emprego e rendaA mudança começou em 1999, pelas mãos de Madalena Duarte RodriguesCom a ajuda de catadores e sindicalistas, ela fundou a Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Itaúna (Coopert), hoje responsável pela coleta seletiva na cidade

Filha de dona de casa e de trabalhador rural, Madalena, hoje com 52 anos, começou a trabalhar em meio aos resíduos ainda criançaAos 7 anos, decidiu, com as duas irmãs, de 8 e 10, que era hora de ajudar em casaO pai tinha que sustentar 15 filhos Para ter mais conforto, Madalena passou a distribuir o tempo entre a escola e o lixão“Ficava estudando até as 11hDas 12h as 19h, ficava no lixãoQuando recebia o dinheiro, comprávamos gás de cozinha, leite, pão e outras coisas de comer para a família.”

Conta que a mãe não gostava de ver as filhas pequenas no lixão e constantemente pedia que elas parassem de ir

“Mas a vida era muito apertada e precisávamos de dinheiro”A ideia de trabalhar em meio aos detritos surgiu quando ela e as irmãs passaram a observar duas catadoras e pensaram: por que não fazer o mesmo para ajudar nas despesas? “Víamos a dona Mariinha e dona Bárbara sair de manhã e voltar à tardeCarregavam material reciclável até na cabeça e vendiam para um atravessadorUm dia, decidimos fazer a mesma coisa.”

No lixão, Madalena amadureceu antes do tempoEla se lembra da convivência, na infância e adolescência, com usuários de droga e animais peçonhentosAté os 16 anos, o único emprego que teve foi de catadora, até que conseguiu trabalho como babáAinda assim, não abandonou o lixão e nas horas vagas – incluindo fins de semana e feriados – ganhava algum dinheiro com a venda de papelão, plástico e vidros“Mesmo casada, não deixei de trabalhar como catadoraA experiência mais traumática que tive foi na infância, quando um copo de vidro de liquidificador caiu no pé da minha irmã e fez um corte profundoSaiu muito sangue e percebemos que ali era um lugar perigoso.”

USINA Em meados da década de 1990, Madalena assistiu na TV a uma matéria sobre a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte (Asmare)
Ela, que sonhava “humanizar” o trabalho no lixão, percebeu que era preciso criar uma cooperativa para organizar o serviço e garantir os direitos dos catadoresEm 1999, quando Itaúna passou por uma crise financeira, que o projeto deslanchou“Houve desemprego na época e o Sindicato dos Metalúrgicos nos procurou para ajudar no projeto da cooperativa, que havia saído do papel mas ainda não estava estruturado Montamos a usina de reciclagem e muita gente que estava sem emprego conseguiu se restabelecer trabalhando conoscoQuando a crise passou, alguns voltaram para a indústriaOutros continuaram.”

Hoje, 86 pessoas trabalham na Coopert e o salário médio é de cerca de R$ 2,5 mil Madalena conta que das quase 530 toneladas recolhidas ao mês, 121 vão para o aterroO restante é comercializado e o lucro dividido entre os cooperados“Depois de pagarmos as contas, rateamos o restante entre os cooperados, levando em conta as horas trabalhadasAntes da cooperativa, trabalhávamos sem perspectivaHoje, todos têm condição de ter casa e garantir um bom estudo aos filhos.”

Madalena sente orgulho em contar que as duas filhas estudam e uma delas cursa pedagogiaNenhuma frequentou o lixão ou trabalhou com reciclagem“Consegui dar às minhas filhas um futuro melhor, graças ao lixoNunca precisaram trabalhar como euPuderam estudar e estão encaminhadas na vidaDe todas as minhas vitórias, essa é a mais importante.”

Além de fundadora da Coopert, ela é coordenadora do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), cofundadora e membro da Rede Cataunidos e representante do Brasil na Rede Latino-AmericanaJá foi premiada e homenageada em várias oportunidades, inclusive no Chile e na Colômbia Recentemente, foi indicada ao Prêmio Betinho – Atitude Cidadã 2013.

Emocionada, se diz realizada ao fazer a diferença na vida de pessoas que não tinham expectativa e que hoje estão empregadas“Nunca imaginei fazer tudo issoQueria melhorar a minha vida e a de todos que trabalhavam comigo Lembro que em 1999 quando, graças ao apoio da Asmare, conseguimos fazer um curso de capacitação na Faculdade Milton Campos, teve catador que chorou porque pela primeira vez entrava em uma universidadeHoje, geramos emprego, renda e ajudamos a preservar o meio ambiente.”