A técnica administrativa Ana Flávia Félix, de 31 anos, moradora de Montes Claros, Região Norte de Minas, sempre carregou um peso na sua vida por não ser reconhecida pelo pai“Na minha infância e na adolescência, toda reunião dos pais na escola era um constrangimento para mim, pois as pessoas ficavam perguntando cadê o meu pai”, recorda elaUm grande contingente sofre o mesmo dramaDe acordo com dados do Censo Escolar 2009, somente em Belo Horizonte, existem 43.627 estudantes de escolas públicas sem o nome do pai no registro civilE uma dos fatores que favorecem a prevalência dos “órfãos de pais vivos" é a dificuldade para o acesso a um exame de DNA.
Para amenizar a situação, a Defensoria Pública Estadual, com o apoio de outros órgãos, promove nesta sexta-feira o "Mutirão do direito a ter pai”, que acontecerá simultaneamente na Capital e em mais 18 comarcas do interior do estadoSerão realizados gratuitamente 1.416 exames de DNA, dos quais 220 estão previstos para BH.
Além da coleta de material por profissionais de saúde, está prevista o reconhecimento extrajudicial de paternidade, com lavratura de certidão de nascimento, acordos relacionados a pensão de alimentos, guardas, visitas e agendamento para proposição de ações de investigação de paternidadeO “mutirão” faz parte das comemorações “Dia da Criança”.
A defensora-geral do Estado, Andrea Neves Abritta, salienta quer, além de desafogar o Judiciário, a iniciativa vai representar um alívio para as pessoas que vêm lutando para conseguir o reconhecimento da paternidade, mas enfrentam barreiras por causa da dificuldade para se conseguir um exame de DNAEla lembra que uma ação de investigação de paternidade pode durar meses ou anosNo “mutirão”, se o pai reconhecer o filho, no mesmo dia será enviado o Termo de Reconhecimento de Paternidade ao Cartório de Registro Civil.
Ana Flávia é uma das pessoas inscritas para a realização do exame do DNA no “mutirão”, junto com o pai que ainda não a reconheceu“Não vejo a hora de chegar esse diaA partir de 18 de outubro, acho que serei outra pessoa”, afirma a técnica administrativa, que é divorciada e mãe de três filhos.
Ela disse que sempre tentou o reconhecimento pelo pai, que é um pequeno produtor, residente em um município do Norte de Minas
Ana Flávia garante que ter o nome do pai escrito em seus documentos, sem nenhum interesse material“Me considero como uma criança que espera pela realização de um sonho e que achava que esse sonho nunca seria concretizado, mas agora, tudo mudou”, diz ela
O mutirão ocorrerá hoje também nas comarcas de Araguari, Campanha, Cássia, Cataguases, Divinópolis, Governador Valadares, Ipatinga, Itajubá, Ituiutaba, Iturama, Janaúba, João Monlevade, Juiz de Fora, Leopoldina, Montes Claros, Muriaé, Pedro Leopoldo, Poços de Caldas, Ponte Nova, São Lourenço, Teófilo Otoni, Ubá, Uberaba, Uberlândia, Varginha e Viçosa
Luta por reconhecimento e pensão
O garoto Tales Heitor completou ano no último sábado, 12 de Outubro, Dia da CriançaMas, no seu aniversário, o garoto não teve a presença daquele que cumpre o papel determinante na vida de um filho: o paiEle ainda não tem o nome do pai na certidão de nascimentoMoradora de bairro de Montes Claros, cabeleireira Rejane Soares, mãe de Tales, está na expectativa de que, no próximo dia 18, no “Mutirão direito a ter pai”, vai conseguir o reconhecimento da paternidade, mediante realização do exame de DNA
Rejane conta que namorou o pai da criança durante cerca de seis mesesO relacionamento chegou ao fim, justamente quando ela anunciou a gravidez“Ele duvidou que o filho fosse deleAí, nos desentendemos”, relataEla também conta que desde que o filho nasceu vem lutando para realizar o exame de DNA, “para eliminar qualquer dúvida”, mas não conseguiu fazer o exame por falta de condições financeiras
Além de “tirar a dúvida” e receber a pensão alimentícia, a cabeleireira conta que luta pelo exame de DNA e pelo reconhecimento da criança pelo pai por entender que este é um direito legítimo do seu filho“Fico pensando: se não tiver o reconhecimento do pai, o que vou dizer para essa criança quando ela crescerTodo filho tem direito de saber quem é o pai dele”, comenta Rejane“Esse mutirão será muito importante para pessoas como eu, que não tem condições de pagar pelo exame de DNA”, considera a mulher, que tem outros dois filhos (devidamente reconhecidos) de outro relacionamento
Outra que aguarda pelo “Mutirão Direito de ter pai” é a estudante Julia Graciele Souza, de 20 anos, mãe de LucasA criança, de 2 anos, não foi reconhecida pelo pai, um ex-namorado de Julia, moradora de uma área de baixa renda de Montes ClarosNo caso dela, a ação ajuizada pela Defensoria Pública já está bastante encaminhada.
A estudante relata que a mãe dela, mesmo com dificuldades financeiras, pagou um exame de DNA“Só que o pai ainda não reconheceu a criança e espero que ele faça isso durante o mutirãoÉ preciso o reconhecimento para que eu possa receber a pensão alimentícia”, afirma Julia, ressaltando que precisa muito do auxílio para criar o filhoO pai da criança é empregado de uma empresa de alarme eletrônico