Jornal Estado de Minas

Ex-dirigente do CRM-MG diz que falta de estrutura compromete programa federal

'Esse programa não mudar nada. Vocês vão ver o tanto de denúncias que vão ocorrer em relação a esses médicos'

Tiago de Holanda
Médico, 67 anos, Ex-presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) - Foto: João Miranda/esp EM/D.A PRESS
“Foi muito difícil renunciarNos dias anteriores, minha pressão subiu, tive diarreia, não dormi direito, perdi o apetite, mas vi que não teria alternativa”, diz o pediatra e anestesista João Batista Gomes Soares, de 67 anosNa segunda-feira, no último dia do mandato, ele abandonou o cargo de presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas (CRM-MG)Cerca de uma hora e meia depois, a entidade recebeu intimação judicial para conceder os registros provisórios aos profissionais com diploma estrangeiro do programa Mais Médicos“Fomos o conselho que mais resistiu”, avaliaEm entrevista ao EM, ele diz que não adianta médicos irem para o interior porque não terão como trabalhar sem estruturaE arrisca um prognóstico: “Esse programa não mudar nadaVocês vão ver o tanto de denúncias que vão ocorrer em relação a esses médicos”.


O senhor estava ocupando a Presidência do CRM-MG pela terceira vezFoi o primeiro a abandonar o cargo desde a criação da entidadeFoi difícil tomar essa decisão?
Foi muito difícil renunciarMinha pressão subiu, tive diarreia, não dormi direito, perdi o apetite

Mas vi que não teria alternativaDecidi renunciar na sexta-feira, quando soube que o oficial de Justiça havia ido ao conselho entregar a intimaçãoEu não estava lá e, quando me disseram que ele havia ido, pensei: “Bom, correr dele não vouAssinar a intimação também nãoMas, se eu não assinar, o conselho vai levar multa diária de R$ 10 mil” (penalidade está prevista na decisão que concedeu antecipação de tutela à Advocacia Geral da União).

O senhor recebeu críticas por ter renunciado?
Só recebi mensagens de apoio, mas eu mesmo me criticoVocê é eleito para um cargo, renunciar pode ser uma atitude covardeAgora, a questão é a situação: eu estava espremido no canto do muro, tinha que pular para algum ladoO Judiciário foi muito tendenciosoOs dois processos caíram na mão do mesmo juiz (em agosto, o juiz João Batista Ribeiro havia negado pedido de antecipação de tutela de ação interposta pelo CRM-MG, que pedia o direito de não emitir os registros provisórios)Ele já tinha decidido um caso semelhante, já estava com o ponto de vista formado
E ele não se ateve a analisar a leiFalou que era corporativismo, elogiou o programa (em sua decisão, o magistrado classificou o Mais Médicos como “política pública de saúde da maior relevância social” e acusou o conselho de “instaurar uma verdadeira batalha” para conseguir “reserva de mercado”)Ele tinha que ter se limitado ao que é legal ou nãoNão tem que dizer se é a favor ou contra o programaExtrapolou a função dele.

Por que o senhor é contrário ao programa?

Conheço o interior de Minas como a palma da minha mãoNa cidade onde não há médico as condições de trabalho são muito precáriasO médico não tem como pedir exames, tem dificuldade para conseguir medicamento, para encaminhar paciente para consulta especializada ou internaçãoSe não resolver o problema dessa estrutura, não adianta ter médicoEle vai atender dor de cabeça, diarreia, verminose, só vai atender bobagemHá pouco dinheiro federal destinado à saúdeMunicípios que vivem de pires na mão não dão conta de bancarO programa deveria estudar a condição de cada cidade e buscar construir uma estrutura de saúde.

Na decisão de agosto, o juiz Ribeiro afirmou que “ser atendido pelo médico intercambista, cuja revalidação do diploma foi dispensada” é melhor do que “continuar sem assistência alguma”O senhor concorda?
É claro que é melhorSe não tem ninguém, ter um é bomMas o médico poderia fazer muito mais com uma estrutura adequadaEle vai gerar despesa e não vai render tudo o que podeComo um carpinteiro vai trabalhar sem uma oficina? É um programa que não muda quase nadaIsso o tempo vai mostrar, os indicadores não vão melhorarO governo está fazendo uma coisa irresponsávelEsse programa é puramente eleitoreiro, para conseguir votos da populaçãoNão dura três anosVocês vão ver o tanto de denúncias que vão ocorrer em relação a esses médicos.