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Estado de Minas

Desapropriações e arranha-céu deixam moradores de Santa Tereza apreensivos

Desapropriações para alargamento de rua e construção de arranha-céu deixam moradores do bairro temerosos em relação ao clima de tranquilidade que sempre existiu no local


postado em 30/09/2013 06:00 / atualizado em 30/09/2013 07:19

Gustavo Werneck e Juliana Ferreira

População teme que, com as mudanças, Santa Tereza perca o sossego característico e sofra um processo de verticalização, com explosão imobiliária e trânsito caótico(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
População teme que, com as mudanças, Santa Tereza perca o sossego característico e sofra um processo de verticalização, com explosão imobiliária e trânsito caótico (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Um dos bairros mais tradicionais e charmosos de Belo Horizonte está sob pressão. E moradores temem que ele perca as suas características urbanas e sofra um processo de verticalização – com explosão imobiliária, trânsito congestionado e outros problemas que infernizam a vida de quem mora em bairros verticalizados da capital. “Santa Tereza é a bola da vez”, diz o consultor de projetos sociais Lincoln Barros, nascido e criado no bairro da Região Leste e certo de que a área deve ter um tratamento diferenciado, por ser residencial e pela vocação natural para a cultura. Nos últimos meses, foram várias as “ameaças”, mas poucas as informações para a comunidade, diz Lincoln, o que cria confusão, entre elas a construção de uma escola profissionalizante no Mercado Distrital, contrariando as normas da Área de Diretrizes Especiais (ADE), desapropriação do Bar do Orlando para alargamento da Rua Conselheiro Rocha e construção de uma torre de 85 andares, com 350 metros de altura, a exemplo das existentes em Dubai, Tóquio, Hong Kong e Nova York. A mudança de endereço do bar e restaurante Bolão é outra nota dissonante, já que traduz o espírito de arte e boemia da região. “O Santa Tereza é um bairro protegido e não pode virar um lugar de passagem”, defende Lincoln.

Na manhã de ontem, na Praça Duque de Caxias, ponto de efervescência do bairro, havia poucos moradores circulando. Mas quem passou por lá até por volta das 11h30 viu o resultado da noite anterior, quando ocorreu a edição do Jazz Festival Brasil, dedicada à guitarra e com público de cerca de 3 mil pessoas. “Nada contra o evento, muito pelo contrário. Mas, até esse horário, a prefeitura já deveria ter limpado o espaço público, que fica inviabilizado”, disse Lincoln, que integra o movimento Salve Santa Tereza. A imundície era completa, com garrafas de vidro nos passeios, bueiros cobertos de garrafas PET, papéis e outros resíduos.

O presidente da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza, Ibiraci José do Carmo, afirma que a pressão imobiliária se tornou realidade. “Santa Tereza sempre resistiu e ficou protegido, pois é amparado por lei municipal aprovada em 1993. A cidade cresce, o desenvolvimento aparece. Aí vem a pressão. O Bolão está aberto há tantos anos e hoje a proposta é a modernização, os grandes empreendimentos. Isso é inevitável e uma hora vai ocorrer. Mas, se a comunidade defender a preservação do bairro, não vamos perder. Há outros bairros que se tornaram locais de estresse, com falta de qualidade de vida. A segurança vai embora”, observa.

O dirigente da associação crê que a construção da torre de 85 andares, que, mesmo não estando dentro da ADE, poderá levar reflexos negativos ao bairro. Outro motivo de preocupação diz respeito à Rua Conselheiro Rocha, “que liga o nada a lugar algum”. Ibiraci diz que a prefeitura quer desapropriar a área, com prejuízo para o comércio e casas, “mas há outras opções mais viáveis. O bairro quer suas tradições preservadas e não deve ter essa passagem”. E mais: “Para esses projetos, deve haver consulta à comunidade. Muitas vezes, a visão da administração pública é uma, mas há soluções melhores. Com esse projeto, teria que haver intervenção na Vila Dias, que seria desapropriada, como também em residências e comércio, incluindo o Bar do Orlando e a Pizzaria Parada do Cardoso”.

A proprietária da pizzaria, Maria Geralda Carvalho, moradora há 41 anos do bairro e dona do empreendimento há 17, acredita que os projetos sejam para o futuro. “Acho que isso não vai ser por agora, e vai demorar mais uns 15, 20 anos. Mas já vimos técnicos medindo a rua. “Tudo isso só vai diminuir o clima do bairro, que é o mais tranquilo da cidade. Aqui, você encontra de tudo e ainda tem a boemia. Sempre paro para olhar o pessoal sentado na pracinha”, diz a comerciante. Irmão do dono do Bar do Orlando, José Agostinho Siqueira ressalta que “querem desapropriar tudo, acham que asfalto é melhor”. Satisfeito com a tranquilidade do bairro, critica o projeto de alargamento da via pública. “Não sei para quê, se já tem a Avenida dos Andradas. Que diferença vai fazer alargar a Conselheiro Rocha? O local guarda a história. E como vamos fazer para passá-la às futuras gerações?”, questiona.

Escola

Outro ponto polêmico está na transformação do mercado distrital, desativado há anos, em escola profissionalizante para o setor automotivo, tendo à frente o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Ibiraci explica que “alguns não querem a unidade educacional por afetar a ADE, que engloba o bairro inteiro”. A proposta da prefeitura, acrescenta, é pôr a Fiemg lá e usar o colégio estadual para aulas teóricas, enquanto no galpão do mercado haveria a parte prática do ensino. “Em toda a área externa seriam feitas pistas de cooper e de skate e espaço para educação física. As intervenções se dariam apenas no galpão do mercado. Jovens e adolescentes sairiam de lá empregados”, pondera.

O presidente da Fiemg, Olavo Machado, diz que a instituição vai respeitar a decisão da comunidade. “Se os moradores do bairro não quiserem a escola no Mercado Distrital, nós vamos fazê-la em outra localidade da capital. Já estamos estudando alternativas. Por enquanto, a comunidade de Santa Tereza está sendo consultada por meio de audiências públicas e não há previsão de quando a escola será implantada.”

Flexibilização da lei

O Conselho Municipal do Meio Ambiente de Belo Horizonte (Comam) já aprovou parecer para que seja avaliada a flexibilização da lei que transformou o bairro em Área de Diretrizes Especiais (ADE). A alteração é necessária para que o Mercado Distrital de Santa Tereza seja transformado em escola do Senai. Pela lei, esse tipo de empreendimento pode ocupar uma área de, no máximo, 400 metros quadrados, quando o mercado tem 6 mil metros quadrados, incluindo o estacionamento. A ADE de Santa Tereza foi regulamentada pela Lei 8.137/2000 e determina que, pelas características ambientais e da ocupação histórico-cultural do bairro, haja adoção de medidas especiais para proteger e manter o uso predominantemente residencial.


Lincoln Barros, consultor de projetos sociais, reclama da sujeira na praça, resultante do Jazz Festival Brasil(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Lincoln Barros, consultor de projetos sociais, reclama da sujeira na praça, resultante do Jazz Festival Brasil (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Lixo depois de festa incomoda

Quem saiu da missa, na manhã de ontem, na Igreja de Santa Tereza e Santa Terezinha, na Praça Duque de Caxias, deu de cara com a imundície: lixo por todo canto, inclusive encobrindo bocas de lobo nas esquinas. Ninguém reclamou da festa na noite anterior, mas muitos lamentaram a demora na limpeza do espaço público, que começou somente depois de meio-dia. “A população também deve se conscientizar e não sujar a praça. Este lugar é um ponto cultural por natureza”, diz o professor de filosofia e poeta Diógenes Miquelão Aquino, residente em Santa Tereza desde 2005. “Já morei em outros bairros de BH, mas este foi o melhor que encontrei. Só tenho medo da verticalização, de que aqui vire um Buritis.”

Nascida e criada em Santa Tereza, a balconista Regina Célia Honório, de 49 anos, também defende a integridade do bairro e sua preservação. “Estamos sob pressão e as tradições precisam ser mantidas”, observa. O comerciante Nivaldo Bicalho, do Mercadinho Bicalho, na Praça Duque de Caxias, diz que não se pode frear a evolução dos tempos. “Santa Tereza tem história parecida com os bairros Floresta e Santa Efigênia, merece um trato especial”, afirma Nivaldo, certo de que, quase ao meio-dia, a praça já poderia estar limpa e pronta para o lazer dos moradores.

HISTÓRIA O bairro recebeu o nome de Santa Tereza em 1928, em homenagem à igreja na Praça Duque de Caxias. Considerado reduto boêmio da cidade e lugar preferido de artistas, que encontravam na noite inspiração para compor, o local ficou conhecido graças às casas de serestas e bares. Tiveram passagem pelas mesas do Bar do Bolão, que serve o suculento mexido chamado Rochedão, os integrantes do Clube da Esquina e as bandas Skank e Sepultura. Além da seresta, o carnaval representa grande atrativo e, nos últimos três anos, os bloquinhos fazem a festa do reinado de Momo, sem falar, claro, na tradicional Banda Santa, que arrasta multidões uma semana antes da folia.

QUATRO PONTOS POLÊMICOS

» MERCADO DISTRITAL
Proposta de transformação do Mercado Distrital de Santa Tereza, desativado há anos, em escola profissionalizante para o setor automotivo, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg)

» RUA CONSELHEIRO ROCHA
O tradicional Bar do Orlando poderá mudar de endereço, depois de
33 anos no local. O motivo é a
possível desapropriação do estabelecimento para alargamento da Rua Conselheiro Rocha

» BOLÃO
O Bar do Bolão, um dos mais tradicionais pontos boêmios de BH, está perto de mudar de endereço. A disputa milionária pela compra do imóvel, que há quase meio século abriga o bar, na Praça Duque de Caxias, caminha para o desfecho. A negociação se arrasta desde junho de 2011. O prédio poderá virar um casarão cultural

» TORRE
Mesmo estando fora da Área de Diretrizes Especiais (ADE) de Santa Tereza, o projeto de construção de uma torre de 85 andares e 350 metros de altura, na Avenida dos Andradas, poderá ter efeitos negativos no bairro


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