Jornal Estado de Minas

Tradicional restaurante de Belo Horizonte, Bolão prepara mudança

Um dos marcos do bairro boêmio da capital deve dar lugar a outro estabelecimento, com venda do imóvel

Juliana Ferreira Landercy Hemerson
Referência na Praça Duque de Caxias, bar pode ir para imóvel do entorno - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A.Press

O Bar do Bolão, um dos mais tradicionais pontos boêmios da capital mineira, está próximo de mudar de endereçoA disputa milionária pela compra do imóvel, que há quase meio século abriga o bar, na Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, Leste de Belo Horizonte, caminha para um desfechoA negociação se arrasta desde junho de 2011Há duas propostas de R$ 2,5 milhões, e uma delas pode ser aceita nos próximos dias.

O produtor cultural e ator Mauro Maya é um dos interessados no imóvel e já investiu em um projeto arquitetônico para a criação de um casarão cultural, aos moldes da Lapa, no RioPara isso, segundo a arquiteta Edwiges Leal, será preciso restaurar o edifício para a instalação de um espaço de espetáculos e cervejarias“Haverá uma programação com shows de samba de raiz, MPB e música mineira”, dizA ideia é reaproveitar os 70 funcionários que hoje trabalham para o Bolão como garçons, além de fazer uma homenagem à boemia da capital, com um memorial sobre o bar.

O projeto, que custará cerca de R$ 5 milhões, prevê a demolição de paredes internas e a recuperação de elementos originais das fachadasEle foi aprovado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural, em agosto, quando apareceu a segunda proposta de compra“Estava negociando e alguém quis comprar na minha frenteEssa pessoa até se ofereceu para revender para mimMas já gastei muito dinheiro com isso, quero valorizar o patrimônio afetivo que é o Bolão”, conta Maya.

O empresário Alexandre Pampolini é apontado como o outro interessado no imóvel
Ele é dono da casa de shows sertanejos Wood'sAo ser questionado sobre a intenção de compra, se mostrou surpreso: “Essa informação já vazou?”Em seguida, desconversou: “Não posso confirmar nadaVocê deve estar me confundindo com outro Alexandre”.

Ainda não se sabe qual o projeto dele, caso ganhe a disputa pelo imóvelTrês dos 15 herdeiros do edifício, tombado em abril de 2011, confirmaram que estudam as duas propostas, mas segundo um deles, Flávio Freitas, “nada foi formalizado ainda”.

Com a concretização da venda, o Bar do Bolão deve mudar para um prédio na mesma praçaSílvio Eustáquio Rocha, um dos sócios, conta que só ouviu especulações sobre compradores, mas que não foi comunicado oficialmenteUm imóvel de sua família, no mesmo quarteirão, está à venda por R$ 1,4 milhão há seis mesesRocha ainda tem esperança de conseguir vendê-lo para comprar o edifício onde hoje fica o barSe isso não ocorrer, o estabelecimento deve ser transferido para lá“Ainda há expectativa, porque a tradição do Bolão é aqui
Mas o financiamento é difícil”, diz.

José Maria Rocha, cujo apelido dá nome ao bar, foi trabalhar com seu pai, José Rocha Andrade, um ano depois que o estabelecimento foi aberto na Praça Duque de Caxias, em 1961No atual imóvel, o bar funciona há 44 anos“É toda uma vida aquiNão gosto de falar sobre a venda, pois dá vontade de chorarEspero que isso se resolva logo, pois tem sido uma torturaNão temos o dinheiro suficiente para comprar”, afirmou Bolão, criador do prato “Rochedão”, que ganhou fama até fora do país.

A corretora de seguros Maria Santiago, de 61, a “Kryolla”, como se intitula, diz que frequenta o bar desde que era adolescente, quando ia com seus pais e irmãos almoçar“Nasci no Santa Tereza e o Bolão é parte do bairroÉ um ponto de referência que se tornou conhecido dentro e fora do paísMudar o Bolão de endereço é o mesmo que tirar o Pirulito da Praça SeteAté que já fizeram isso, mas não deu certo.”

O músico Wagner Junio Ribeiro, de 28, que mora no Bairro São Pedro, Centro-Sul de BH, afirma que pelo menos uma vez por semana vai ao bar“Se o Bolão for para o outro lado da praça, já não é a mesma coisaO bar aqui é uma referência cultural, histórica e turísticaO interesse econômico não pode estar acima da população”, criticou.



Outros tempos

Cozinha de talentos

Pedro Ferreira
Por décadas o Bolão foi caminho certo para boêmios que iam ver o sol nascer do segundo andar do barÀ mesa estavam sempre a cerveja gelada e um suculento prato para repor as energiasBandas como Sepultura e Skank, músicos como Milton Nascimento, Fernando Brant, Márcio e Lô Borges têm suas histórias ligadas ao Bolão, para onde iam atraídos pelas comidas simples e saborosas, como o famoso Rochedão (arroz, feijão, ovo, carne e acompanhamentos à escolha)Nas paredes ficam expostos mais de 160 relógios e discos doados pelos “filhos” famosos