Plantas cultivadas ao som de música clássica, com carinho e a dedicação de muitas horas do dia. São de cores, formas e beleza raras, que encantam seus donos e, em alguns casos, chegam a gerar ciúmes entre membros da família. Já foi motivo de divórcio no interior de Minas, e quem gosta, admite: as orquídeas são como filhas, como bebês, como um ser humano exigente. Outros vão além e dizem que cultivar a flor é algo viciante, um caminho sem retorno. Apaixonados por orquídeas revelam os mistérios da planta e dizem que, para entender tanto amor, é preciso cultivá-la. Em Belo Horizonte, um grupo de orquidófilos mantém espaços especiais em suas casas para cuidar não apenas de uma, mas de centenas, milhares de orquídeas de diferentes espécies.
Que o diga a enfermeira aposentada Olga Shirley Carneiro Ricardo, de 74 anos, amante da flor desde a juventude. Em 1959 ganhou a primeira planta, uma muda da espécie Cattleya walkeriana, – ela tinha 19 anos. São 54 anos que transformaram uma única flor em um orquidário com mais de 15 mil exemplares da planta. O estabelecimento, que leva o nome Warnerri, a espécie predileta de Olga, foi aberto em 1991, quando a enfermeira se aposentou. Fica no quintal da casa dela, no Bairro Sagrada Família (Leste da capital) e mistura plantas, fonte de água corrente e pássaros, como se fosse um oásis em meio ao concreto dos edifícios da Rua Vicentina de Souza. “No início eram poucas, mas fui comprando outras e ganhando algumas; comecei então a participar de exposições.
Precisei abrir uma empresa para ter autorização de transporte. O negócio foi crescendo e hoje recebo pessoas do Brasil inteiro em minha casa”, conta Olga, que, além de vender e comprar as flores, oferece o serviço de assessoria técnica e realiza cursos sobre o cultivo. O carinho com que ela fala das flores é de impressionar. Com as mãos em um movimento leve de vaivém sobre as folhas de um dos exemplares, ela revela: “Amo essas plantas e prefiro aquelas que são mais desafiadoras para receber nossos cuidados”. Manter o jardim florido exige tempo e Olga conta que se o dia tivesse 25 horas passaria todas em meio às plantas. Tanta dedicação também encantou a filha de Olga, a psicóloga Ângela Carneiro Ricardo, que ajuda no negócio há dois anos. Mas no início, foi motivo de ciúmes.
“Minha mãe ficava tanto tempo com as orquídeas que eu disputava a atenção dela com as flores”, lembra. O problema, no entanto, não se restringe à família de Olga. Ela conta que em uma cidade do interior do estado, a mulher enciumada aproveitou a viagem do marido para jogar todas as orquídeas dele no lixo. “Chamou um carroceiro para levar todas embora. O resultado não foi outro: terminou em divórcio”, conta a aposentada.
A orquídea também tocou o coração do coronel reformado da Polícia Militar Euro Magalhães, justo na época do seu casamento. Foi em março de 1970, um mês depois da união com a dançarina Zita Magalhães. Hoje, ele admite: “As orquídeas estão em primeiro lugar sempre”. Para não ficar mal com a mulher, ele conserta a frase, sorridente. “Mas minha mulher está acima de tudo”, conta. O militar, que teve carreira policial de 30 anos, não acredita que o cultivo tenha sido uma fuga para a violência cotidiana que ele enfrentou. No entanto, admite: “As flores me fizeram uma pessoa mais humanizada”, diz o colecionador, que atualmente preside a Sociedade de Orquidófilos de Belo Horizonte (SOBH). Euro já chegou a ter 400 plantas da espécie e hoje mantém uma coleção de 150 orquídeas no Bairro Colégio Batista, na Região Leste.
TERAPIA
O cultivo de orquídeas foi decisivo na vida da administradora de empresas Gleuza Dayrell, de 57, que diz ter se tornado uma pessoa mais calma e ponderada depois que se dedicou à planta. A mudança, ela descreve: “Vem do cuidado que você precisa ter com as orquídeas, que são delicadas e exigem carinho”. A mulher, que nasceu no interior e de lá guarda o amor pelo contato com a terra, mantém sua casa, no Bairro Mangabeiras, repleta de flores. Na sala, tem um jardim, com as orquídeas floridas; no fundo do imóvel, estão as 870 mudas, cultivadas em vasos suspensos.
“Não imagino mais minha vida sem as orquídeas. Elas são como pessoas da minha família”, diz Gleuza, que é a atual presidente da Associação Mineira de Orquidófilos. A entidade prepara para os dias 18, 19 e 20 de outubro a exposição nacional de orquídeas, no Minascentro. Para todos os orquidófilos, tratar das orquídeas é uma prática vista como muito mais que um hobby. O gerente de compras José Antônio dos Reis, de 61, define bem: “É qualidade de vida, terapia, bem-estar”. Desde 1994 cultivanhíbridos de orquídea (mistura de espécies), ele coleciona mais de 200 troféus conquistados em exposições. “Rego as orquídeas pela manhã e à noite, quando volto do trabalho; entro no orquidário e fico lá por horas. Se a lua estiver bonita, então, o prazer é ainda maior”, conta José Antônio, vice-presidente da SOBH. Para abertura da primavera, a entidade prepara uma exposição no Shopping Pátio Savassi, marcada para os dias 19, 20 e 21.