Jornal Estado de Minas

Prefeitura de Tiradentes vai reassentar o calçamento do centro histórico

Para da administração municipal é melhorar a acessibilidade. Medida causa discussão, pois há quem tema a descaracterização

Paula Sarapu

Aos 80 anos e usando bengala, Giva Álvares é contra o nivelamento das ruas. "A gente é quem tem de se adequar", diz - Foto: Túlio Santos/EM/DA.Press



Tiradentes – Juntas, as três irmãs da família Álvares, de Belo Horizonte, somam 234 anos e têm tantas histórias para contar que descem sorridentes as ladeiras de pedras da mineira TiradentesDe roupas confortáveis, tênis e óculos escuros, elas aproveitaram a tarde de quarta-feira para visitar a Igreja Matriz de Santo Antônio, enquanto a cidade se prepara para receber o festival gastronômico, um dos eventos que movimentam aquele centro históricoAdvogada, assistente social e pedagoga, Magda, de 70 anos, Julieta, de 84, e Giva, de 80, driblam a idade e fazem piada da bengala que esta última usa por conta da recuperação de uma cirurgia no joelhoReparam não só nos casarões e na vista da Serra de São José, mas também nas pedras diferentes no chão e no desalinho daquela rua cheia de passadoElas são contra o projeto da prefeitura, aprovado semana passada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de nivelar o calçamento

Orçada em R$ 4,7 milhões, a obra visa retirar as pedras e assentar todo piso, recolocando-as em seguida de forma que as ruas do centro histórico não sejam mais irregularesO projeto é voltado para o pedestre e também prevê questões de acessibilidade, com a construção de rampas de acesso e ajustes da via ao passeioA ideia é facilitar as caminhadas e garantir a segurança dos visitantes, que vez ou outra torcem o pé ou escorregamCom recursos do BNDES, a regularização do calçamento faz parte de um investimento de R$ 40 milhões na cidade, que também contempla a reforma de quatro igrejas, de elementos artísticos da Matriz de Santo Antônio, a iluminação de sete becos e de monumentos religiosos e civisPara visitantes e moradores, a obra deve vir aliada à interdição do trânsito do Largo das Forras até a matriz nos fins de semana, feriados e períodos de eventosO edital deve ser publicado em dois meses e a expectativa é de que as obras, com previsão de um ano e meio, comecem em dezembro


“A visita é para issoO que torna Tiradentes atraente é justamente essas ruas irregularesMudar isso vai afastar os turistasQuem não andar aqui, fica pela cidade grande mesmo,  que tem asfalto!”, diz Julieta Álvares Moisés, que segue apressada para visitar um museu“Nivelar as pedras pode interferir na caracterização da cidadeEstamos de tênis, andando com cuidado, mas essa é a cara de Tiradentes”, afirma a advogada Magda, ao lado da irmã Giva“Acho que é a gente quem tem que se adequar e se virarEstou andando muito bem aqui com a bengalaNão precisa regularizar o piso para os turistas circularem por aqui.”

Cariocas, o engenheiro Carlos Renato Ribak, de 55, e a psicóloga Ana Fernanda Ribak, de 39, lembram da histórica Paraty, na Costa Verde fluminense, para resssaltar o encanto das ruas de pedras de Tiradentes“Acho que a cidade perde mesmo que só haja o nivelamento, o que você busca é esse padrão diferente
Essa é nossa terceira visita e o que todo mundo gosta é justamente esse estilo, muito parecido com ParatySó que lá não tem trânsito no centro históricoAs pessoas só podem andar a pé e isso eu aprovo para aqui também”, diz Ana Fernanda, que passeava pela Rua da DireitaPerto dali, as primas Maria Ângela Leal e Maria do Carmo Santiago Vidal, de Barbacena, tentavam se desviar das pedras soltas e de um carro que subia a rua“Isso foi feito para passar charrete! Acho que os carros devem sair, mas as pedras não!”, diz Maria do Carmo“É difícil descer e subir, mas isso é que dá charme à cidade”, comenta a prima

O casal Carlos Alberto e Maria Fernanda Cantarutti é mineiro de Barbacena, mas mora em BrasíliaSempre que visita a família, não deixa de esticar o passeio a TiradentesAcompanhados de dona Raquel Cordeiro Laguardia, de 73, mãe de Maria Fernanda, eles perceberam que a senhora teve mais dificuldade de caminhar pelo centro históricoPor isso, concordam com o nivelamento, desde que o projeto esteja aprovado pelos órgãos culturais e de patrimônio competentes“Nossa charrete escorregou na subida da igreja e já vi criança caindo de bicicletaMesmo que não sejam pedras do século 18, esse tipo de calçamento faz parte da cidade e deve ser mantido, mas acho possível conciliá-lo com um terreno mais plano”, acredita Carlos Alberto“Se não descaracterizar, eu aprovo”, diz dona Raquel

COMÉRCIO APROVA


Se entre os turistas o assunto é polêmico, os comerciantes parecem concordar com a obra, apesar dos transtornosGerente de um bar ao ar livre no Largo das Forras há 12 anos, Dina Dutra, de 56, é favorável ao calçamento nivelado, mas se houver, além disso, proibição do trânsito no centro“Não tem sentido revitalizar para os carros”, afirmou“Haverá transtorno, sim, mas vai melhorar muito e evitar acidentesAndar aqui é difícil até para quem mora.” Segundo ela, o ideal é que seja criado um espaço na entrada da cidade para os caminhões com mercadorias e transporte pesado“Com o período de obras e o trânsito terá que ser desviado, os turistas vão se acostumando ao saber que não poderão mais andar de carro aquiNo final, a ideia será absorvida e todo mundo estará mais educado.”

Para Norma Fonseca, dona de uma padaria na Rua Padre Toledo, as obras deveriam ser feitas no período de baixa temporada, a partir de agosto“Dezembro a cidade está cheia e imagino o fuzuê no Centro, com quebra-quebra e ruas fechadasSou a favor porque os carros passam e jogam as pedras longe e tem gente com mais dificuldade de se locomoverEu e meus meninos arrumamos várias vezes as pedras aqui da frente e tem algumas que ficam soltas porque não cabem mais nos buracos”, conta a moradoraEla também considera fundamental um projeto para o trânsito“Talvez os carros possam circular, mas não pararE a prefeitura precisa criar condições para o acesso das mercadorias, já que os caminhões também não podem entrar e nem todo mundo tem caminhonete para buscar farinha e gás.”