Jornal Estado de Minas

Servidora Ângela Chaves luta para livrar o marido do vício

Dono de bancas de jornal, Wagner Patrocínio abandonou negócios, casa e filhos. A mulher não desiste: quer o marido de volta

Sandra Kiefer

Waguinho na Pampulha com o cachimbo de crack à mão, pouco antes de ser encontrado pela mulher - Foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS
Ângela Chaves sabia da difícil relação do namorado com álcool e drogas quando decidiu viver com ele em Santa Luzia, na Grande BHWagner Patrocínio, o Waguinho, começou cedoProvou maconha aos 14 anos e usou todo tipo de substância até chegar ao último estágio: em 2000, experimentou crackO que Ângela não imaginava era que o marido pudesse descer tão perto do infernoUm ano atrás, ele praticamente se mudou para uma boca de fumo na Região da Pampulha“Não sabia mais se Waguinho estava ou não em casa”, lembraA vida dela virou do avessoO marido passou a torrar com pedras de crack boa parte da renda mensal de R$ 8 mil obtida com as vendas nas quatro bancas que mantém no Centro de Belo  HorizonteE Ângela, que detesta drogas, começou a ir à cracolândia para poder ver o marido, para procurá-lo quando ficava dias demais longe de casa, para tentar compreender o que se passava com ele

 

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“Gente, ontem fiz um programa diferenteFui a uma cracolândia”, dizia mensagem publicada em uma rede social, em  fevereiro, na primeira vez em que ela criou coragem e virou a noite com o marido e outros usuários na boca de fumo da Pampulha

“Passei umas 10 horas com elesResolvi viver este problema bem de perto”, prosseguia a mensagemFoi a maneira que Ângela encontrou de tentar entender as atitudes do maridoSem saber exatamente o que enfrentaria, levou a alma livre e uma panelada de comidaPreparou macarrão, uma dúzia de ovos e uma farta salada de batatas“Para poder apoiar meu marido, entendi que a dependência química é uma doença, não uma fraqueza de caráterSó assim parei de  acusá-lo de noiado”, diz

O casal em um momento em casa - Foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS Ângela foi atrás do marido muitas vezes este anoNuma dessas ocasiões, em março, encontrou Waguinho no passeio, sobre um tapete persa surradoImediatamente, deitou-se ao lado dele
Um usuário de crack que estava ao lado ofereceu um  travesseiro velho à mulherNesse dia, depois de muita conversa, ela conseguiu levar Waguinho para casa“Fui na boca de fumo buscar o meu bonitinhoEle não merece não, mas fui assim mesmo”, disse ela, já em casa, enquanto abraçava o  maridoÀ essa altura, ela sabia que era preciso uma medida mais drásticaNo mês anterior, quando Waguinho chegou em casa com a pele cheia de caroços, tremendo de febre e com a boca cheia de marcas de tanto fumar, ela decidiu que era  preciso internar o maridoSem contar para o companheiro, passou a discutir com o irmão dele, que é advogado, a  possibilidade de entrar com uma ação judicial para conseguir a internação compulsória do marido.

Antes de apelar para a internação compulsória, e alertada sobre a demora do processo até que a Justiça autorize o  tratamento forçado, Ângela voltou a tentar convencer o marido a se tratarEm uma das conversas, ele topou se submeter a desintoxicaçãoPoucos dias depois, porém, descumpriu a promessa e voltou para as ruasÂngela foi buscá-lo, mas o  reencontro daquela vez foi traumáticoA mensagem seguinte na internet foi um desabafo“Não quero mais saber de ir lá, nem de nada que diga respeito dependentes químicosMeu marido para mim morreu e este assunto também! Vou levar  minha vida só, eu e meus filhosChega de fazer papel de trouxa”, dizia o texto, apagado pouco depoisA explicação veio  numa foto publicada em seguida: a imagem mostrava Ângela depois de ter sido agredida a chutes e socos pelo companheiro na cracolândia

O episódio reforçou a ideia de internação à forçaMas, como ainda tinha resistência à medida, Ângela preferiu tentar uma  solução alternativaO convênio garantia atendimento no Hospital do Ipsemg, no Centro de Belo Horizonte, e ela decidiu levar o marido para láA servidora pública conseguiu que ele fosse atendido, mas percebeu que as coisas não iam bem na  primeira visita que fez a WaguinhoEm crise de abstinência – segundo Ângela, o marido consome 15 gramas de crack por dia – ele ficou agressivo e começou a quebrar coisas no hospital numa tentativa de fuga

Ângela se deu conta de que não seguraria Waguinho ali por muito tempoDecidiu tentar uma internação involuntária, que não depende da vontade do paciente, mas da recomendação médica e do consentimento da famíliaDiferentemente da  internação compulsória, a involuntária não exige decisão judicialNo sufoco, ele consegue a assinatura de um dos médicos do hospital da Previdência autorizando a medida“Quando ele concordou em alterar o papel da internação do Waguinho de voluntária para involuntária, quase dei um beijo na boca dele”, ela postou em seguida na internetOs amigos “curtiram”

Com a autorização, a mulher pesquisou clínicas, métodos de acolhidaSe pudesse, levaria o marido para uma badalada  clínica de São Paulo, tida como a melhor do paísO preço, R$ 6 mil por mês, está fora da realidade do casalCom a ajuda dos amigos da área da assistência social, Ângela seleciona uma clínica mais modesta em Ribeirão das Neves, na Grande BHPor mês, as despesas são de R$ 1,6 milComo programas governamentais de combate ao crack não cobrem internação em clínicas, a servidora fala em processar o Estado no futuro


O desfecho da história é uma incógnitaWaguinho tentou fugir três vezes da clínica de Ribeirão das Neves, para onde foi levado no fim de maioEm uma delas, foi flagrado tentando arrancar as grades da janela, chumbadas na paredeEm outra, pulou o muro e andou por seis horas dentro do mato, em busca de uma única pedra de crackÂngela transferiu o marido para uma clínica, em Patos de Minas, no Alto ParanaíbaO tratamento voltou à estaca zero“São 30 anos de dependência das drogas, maconha, cocaína, álcool e crackÉ uma doença difícil mesmo de curar”, resigna-seOs amigos esperam boas notícias na rede social