Jornal Estado de Minas

Mineiros de Ouro apresenta uma mineira revolucionária

Nilza Rolla é, aos 93 anos, a personificação da cidadania. Desenvolve, desde jovem, ações voltadas para a causa humana, que a transformam em orgulho de São Domingos do Prata

Arnaldo Viana
"Não vamos resolver os problemas do mundo, mas podemos amenizar o sofrimento de pessoas" "Devemos lutar pela paz, pelo desenvolvimento do ser humano, não apenas no plano material, mas também no cultural" - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

“Sou mesmo revolucionária.” A convicção é de Nilza Rolla Perdigão, nascida há 93 anos em São Domingos do Prata, na Região Central de Minas, às margens do modesto rio que, em parceria com o santo, deu origem ao nome do municípioSimples assim? NãoTrata-se de uma mulher que viveu e vive com a mente sempre à frente de seu tempoCiente de que esteve e está um passo adiante, não se negou e não se nega a se colocar a serviço da causa dos semelhantesFerramentas para isso trouxe da infância: trabalho e delicadeza, principalmente delicadeza.

Ajudou a construir e a reformar casas de conterrâneos necessitados, buliu na autoestima das mulheres pratenses, vestiu crianças maltrapilhas, amparou idosos e tem sempre os braços e o coração abertos para quem grita ou estende a mão por uma necessidade qualquerNão se deu ao casamento e é feliz, extremamente felizSaudável“Tirando uma dorzinha nos quadris, culpa da artrose…” E lá vai ela, a pé ou ao volante do Palio modelo 2012 pelas ruas apertadas e bem cuidadas de São Domingos do PrataTia Nilza, como todos a conhecem na cidade, dirige e bem, quebrando preconceitos e ultrapassando o tempo.

- Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press  “Nasci aqui nesta casa”, diz, diante das visitas na ampla sala da confortável moradia ao fim da rua que homenageia o pai: Astolfo Perdigão“Foi com ele que aprendi duas das principais virtudes que carrego comigo: trabalho e delicadezaEra um artesão da terra

Cultivava-a com carinhoLembro-me do cuidado dele coma alimentação dos colonos que trabalhavam para eleIa todos os dias à cozinha ver a comidaAbria as panelas, o que deixava intrigada a minha mãe, Thereza RollaSó para ver o que seria servidoIsso, para mim, era delicadeza.”

Tia Nilza nem precisa de endereçoNão há ninguém no município de cerca de 18 mil habitantes que não a conheçaÉ uma referência em solidariedade comunitáriaTanto que foi homenageada pela prefeitura na semana passada, ao lado de outras duas personalidades pratenses, como exemplo de cidadania e retidãoA medalha ela exibe com orgulho, mas sem o mínimo de vaidade
“Não faço nada por mimO importante é estar presente na comunidade.”

Indubitavelmente, cidadania Tia Nilza cultiva desde o berçoConviveu com as pessoas indiferente à cor da pele, ao credo ou condição socialMas não indiferente à carência, material ou imaterialNão deixa de agradecer ao pai pelo zelo com a educação dos 11 filhos (seis mulheres e cinco homens“Ele trabalhou muito para issoFiz o curso normal – correspondente ao científico ou ao ensino médio de hoje – em Ponte Nova e as escolas particulares já eram carasNão havia, na época, oferta em todas as regiões de ensino público além do curso primário (equivalente ao fundamental).”

“Quando saí da escola, senti um vazio.” É que manifestava nela a necessidade de quebrar paradigmasReuniu um grupo de mulheres em São Domingos do Prata e fundou o Clube Dedo Verde, uma ideia que partiu da consciência ambiental de Tia Nilza, algo raro na época, para mostrar que a perspectiva feminina podia estar além do forno e do fogãoFormou-se um grupo de 30 companheirasPercorreram reservas e hortos florestais, universidades, visitaram o cultivo de rosas em BarbacenaAbriu-se para elas uma ampla janela social e culturalIsso pode ser chamado de cidadania.

Nas andanças, o coração de Tia Nilza balançava diante de casebres, de convivência promíscua de famílias em ambientes exíguosAliou-se à irmã Mônica, freira dominicana, e criou um projeto para tirar aquele gente da aflição“Corremos atrás de apoio.” Um tio, que trabalhava na Vale, conseguiu a doação de uma quantia em dinheiroEra poucoPrecisava de maisE Tia Nilza não se avexouPediu e a ajuda veio de outro tio, João Rolla, fundador da Casa Rolla, em BH, e de todos os ladosReuniu o suficiente para dar início à construção de casas simples, mas arejadas e confortáveis.

"Fizemos 104 casas.” E ainda hoje não nega a mão a quem pede para tirar a família de ambientes insalubresJoão Rolla colaborou muitoAté enviou para Nilza uma fardo de pano que ela distribuiu às costureiras do município para que fizessem roupas e vestissem crianças carentesA tradicional Casa Rolla, em lamentável processo de fechamento, é um dos exemplos do empreendedorismo da famíliaJoaquim Rolla (1889-1972), mineiro de Dom Silvério e irmão de João, passou de tropeiro a vencedor em negócios ligados ao turismo e ao jogoFoi dono do extinto cassino da Urca (Rio) e comandou outros em Icaraí (Niterói), Pampulha (BH) e em estâncias hidrominerais do estado, como Araxá, Lambari e Poços de Caldas

A inquietação, como se vê, está no DNA de Nilza Rolla Perdigão, que um dia arregaçou as mangas também para recompor todo o vestuário do Hospital das Dores, de São Domingos do PrataA conversa com ela pode durar dias, mas agora essa revolucionária, que deixaria o papa Francisco orgulhoso, pede licença para escrever cartas com letrinhas miúdas e bem bordadas, sem óculos, por sinal, para sobrinhos e sobrinhasIsso por pouco tempoDaqui a pouco alguém bate à porta: “Tia Nilza…”