Na semana passada, obras de trânsito na Praça Tiradentes, no coração de Ouro Preto, na Região Central, chamaram a atenção para o impasse entre conservação e desenvolvimento em uma cidade que viu sua frota de automóveis duplicar em uma década, passando de 13,3 mil veículos para 27,1 milSob a justificativa de eliminar o estacionamento de veículos da praça, a prefeitura retirou pedras do calçamento destinado à passagem de pedestres e à orientação do trânsitoO Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) não foi informado da intervenção e notificou a administração municipal para que reinstale as estruturas, parte de acordo firmado em 2008 para humanizar o ponto turístico.
Inquéritos para apurar intervenções em áreas de proteção se acumulam e, em Ouro Preto, as soluções pretendidas para resolver o problema do trânsito geram controvérsia e estão no alvo de processosO MP acaba de abrir investigação sobre o projeto de construção pela prefeitura de um túnel de 270 metros no Centro HistóricoA proposta foi lançada na quinta-feira, com a assinatura do contrato da empresa que fará o projeto executivo, sondagens e estudos geotécnicosOrçado em 12 milhões, o túnel deve passar atrás da Praça Tiradentes, servindo de rota para quem vai de Mariana a Ouro Preto.
A meta é que a transposição faça a ligação entre a Rua Padre Rolim, próximo ao prédio tombado da antiga Santa Casa de Misericórdia, até a Rua Conselheiro Quintiliano, nas imediações do Corpo de Bombeiros
BAGUNÇA TOTAL
Mas os impasses na antiga Vila Rica estão longe de se restringir ao tráfego de veículos, que se amontoam nas ruas estreitas da cidade patrimônio da humanidade, onde as ladeiras estão tomadas por ocupações irregulares em áreas de riscoRelíquia do século 18, a Igreja Padre Faria, no bairro de mesmo nome, tem sua beleza ofuscada pelos postes de iluminação instalados em frente ao templo, cujos sinos dobraram no dia da morte de Tiradentes, em 21 de abril de 1792
Construída bem rente ao paredão de pedras do monumento, a cozinha e a área de serviço da casa da empregada doméstica Lucimar Bastos, de 57 anos, foi erguida praticamente em cima da estruturaOs canos ficam à mostra ao lado do chafariz, sem falar nas madeiras que sustentam os cômodos, além das telhas sem padrão, contrastando com a estrutura históricaLucimar, que sonha em um dia ter a escritura da casa, conta que a construção foi feita pelo marido“Quando chovia, minha sala molhava todaA gente fez isso na gambiarraO Patrimônio falou com a gente que tem que ter um arquiteto, mas a gente já custa a ter dinheiro para o material”, diz.
A diretora de promoção do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), Marília Palhares Machado, aponta a raiz do problema: “O planejamento urbano no país não se consolidou como prática cultural nem incorporou a questão do patrimônioEle acaba vindo atrás, na tentativa de reparar os prejuízos”O coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Marcos Paulo de Souza Miranda, vê como possível a harmonia entre crescimento e preservação“Não se trata de impedir o desenvolvimentoAs necessidades urbanas têm que se adequar à realidade dessas cidades, e não o contrárioNa Europa, por exemplo, não há carros trafegando pelos centros históricosEm São João del-Rei houve a despoluição visual do Centro e todos perceberam como a cidade ficou bonita”, exemplifica
Palavra de especialista
Luciana Feres
Diretora de Patrimônio do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG)
Conciliação necessária
É impossível congelar o tempo e o desenvolvimento urbano, mas esse processo tem que vir ancorado na preservaçãoA especulação imobiliária pode levar à descaracterizaçãoO trânsito gera poluição, trepidação e pode causar abalos estruturais nos imóveisOuro Preto e Diamantina sofrem com grandes eventos, com consequências negativas, como a urina dos frequentadores nas ruasAlém de políticas de restauração, as cidades coloniais têm que prezar pelo planejamento, com pavimentação adequada – calçamento em vez de asfalto –, áreas de estacionamento fora do Centro Histórico, transporte público de qualidade e alternativas para os passageiros, como carruagens, ciclovias e ônibus dimensionados às suas estruturas
Luciana Feres
Diretora de Patrimônio do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG)
Conciliação necessária
É impossível congelar o tempo e o desenvolvimento urbano, mas esse processo tem que vir ancorado na preservaçãoA especulação imobiliária pode levar à descaracterizaçãoO trânsito gera poluição, trepidação e pode causar abalos estruturais nos imóveisOuro Preto e Diamantina sofrem com grandes eventos, com consequências negativas, como a urina dos frequentadores nas ruasAlém de políticas de restauração, as cidades coloniais têm que prezar pelo planejamento, com pavimentação adequada – calçamento em vez de asfalto –, áreas de estacionamento fora do Centro Histórico, transporte público de qualidade e alternativas para os passageiros, como carruagens, ciclovias e ônibus dimensionados às suas estruturas