Jornal Estado de Minas

Barrados no táxi

Taxistas recusam corridas curtas em BH

Proibida pelo regulamento do setor, recusa de corridas curtas por taxistas é comum em BH. Estação ferroviária é um dos focos de abusos, que crescem à sombra da fiscalização ineficaz

Valquiria Lopes Landercy Hemerson
  O ponto do desrespeito: na baia para embarque de passageiros, um taxista fecha o acesso aos demais motoristas, enquanto outros da fila estacionam para escolher corridas mais interessantes - Foto: João Miranda/EM/D.A Press


Conseguir um táxi em Belo Horizonte já tem sido uma tarefa difícil e demorada, mas nem mesmo encontrar um carro livre é garantia de poder contar com o serviçoQuem tenta o transporte para curtas distâncias também está sujeito a ficar a pé, pois sofre com a recusa de taxistas aos deslocamentos para locais próximosGeneralizado na cidade, o problema é constatado com maior frequência em pontos com grande movimentação de pessoas, como saídas de festas, espetáculos ou terminais de passageirosApesar de comum, a prática é proibida e pode ser punida com advertência, multa e até cassação da licença do permissionárioPorém, diante de uma fiscalização ineficaz, as ameaças parecem insuficientesTanto que, até junho, 25% do total de 708 reclamações relativas ao setor denunciavam a negativa de corridas curtas, o que soma 177 queixasEm todo o ano passado foram 303 registros desta natureza, ou 22% de um total de 1.380 reclamaçõesAs punições não ocorrem na mesma proporção: de 2012 até junho foram registradas 33 multas específicas para esse tipo de irregularidade


EM registrou em vídeo recusas de taxistasConfira




No Centro da cidade, a prática, antes mais frequente na rodoviária, ganhou novo endereço: a estação do trem da Ferrovia Vitória a MinasA composição chega diariamente a partir das 20h10, mas minutos antes vários táxis formam fila sobre a calçada em frente ao terminal, na Rua Aarão Reis

Distantes da fiscalização e do policiamento, taxistas criam as próprias regras de atendimento e não se intimidam em dispensar quem chega e precisa de uma corrida que não ultrapasse em muito os R$ 4,10 da bandeirada.

O estudante Paulo César da Cunha já foi até ameaçado ao encerrar viagem na Savassi - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press Os motoristas começam a chegar ao local por volta das 20hLogo formam um grupo de pelo menos 15 carros e são diretos ao oferecer o serviço: “Táxi, táxiCorrida para longe”, gritamQuem insiste e aborda o motorista querendo um trecho curto é rejeitadoEquipes do Estado de Minas estiveram no terminal durante dois dias e em ambos comprovaram a prática abusivaUm dos passageiros rejeitados foi o estudante de odontologia Paulo César Rodrigues da Cunha, de 29 anos, que viaja de trem com frequência, de Governador Valadares, no Leste do estado, à capitalA corrida da estação até a casa dele, na Savassi, não chega a custar R$ 10Na noite da última segunda-feira, Paulo ouviu mais um “não” do grupo de taxistas logo que desembarcou, por volta das 20h40“O primeiro taxista me perguntou para onde ia e, quando dei o endereço, ele disse que estava esperando um passageiro com quem tinha combinado uma corrida previamente.”

Logo que as primeiras pessoas deixam a estação, vários motorista oferecem o serviçoNa segunda-feira entre eles estava um taxista que se identificou como Carlos
Ele também foi abordado pelo estudante, que simulou a intenção de seguir para o aeroportoRapidamente ele veio para pegar as bagagensMas, quando o passageiro revelou que iria para a Savassi, o motorista mudou de atitude e disse que estava esperando por outra pessoa.

“No mês passado, ao desembarcar, eu disse ao taxista que iria para o aeroporto, mas antes precisava passar em casa para pegar dinheiroQuando cheguei em frente ao meu prédio, o taxímetro marcava R$ 8,90Dei a ele uma nota de R$ 10, peguei minha mala, desci, o agradeci e deixei o troco para trásEle desceu do carro e me ameaçou”, contou PauloSegundo o estudante, já houve situação em que depois de entrar num táxi junto com a namorada, na área de desembarque dos trens, o casal foi obrigado a descer “Eles fazem o que querem, pois não há fiscalização da BHTrans nem policiais militares para garantir a segurança dos passageiros que chegam de viagem.”

Fora da fila

A cena de recusa é comum e muitos usuários não questionam os taxistas, que os mandam pegar os veículos que passam direto pela Rua Aarão Reis ou pela Avenida dos Andradas, fora da filaFoi o caso de uma jovem que também na noite da segunda-feira tentou embarcar em três veículos, sendo recusada pelos motoristasChegou a reclamar, mas, intimidada, saiu apressada, sem se identificar, em direção à Andradas

Na terça-feira, a situação não foi diferenteUma mulher com uma criança quase implorava para ser levada“Pago o dobro pela corrida”, chegou a dizerAinda assim, só foi atendida pelo taxista quando questionado pela equipe do EM sobre o motivo da recusaAo embarcar em um dos táxis, a reportagem teve a confirmação da práticaO taxista não fez objeções à corrida entre a estação e o cruzamento das avenidas Assis Chateaubriand e Francisco Sales, mas admitiu que recusa passageiros“Tem gente que pede o táxi para lugares muito pertoAí não dáFalo na lata que não vou levarNão sou obrigado a levar ninguém”, disseO motorista assumiu também que a prática é disseminada entre a categoria“Tem colega que não só recusa a corrida, mas fica bravo com o passageiro e até xinga quem pega para ir logo aliIsso é prejuízo para a gente”, dizO motorista também explica por que o problema ocorre: “Raramente tem fiscalização”.

Prejudicados

A prática abusiva, que envolve no local um grupo de pelo menos 10 motoristas, prejudica também condutores que trabalham de forma corretaÉ o caso de uma taxista, que pediu para não ser identificadaParada no ponto da Rua Aarão Reis, ela e outros motoristas ficam “agarrados” na fila, enquanto os outros condutores fecham a área de desembarque de passageiros dos trens, muitos sobre a calçada, à espera de corridas lucrativas.

“Aqui é complicadoA fiscalização da BHTrans vem um dia sim e outro nãoOs colegas abusam quando não tem fiscaisSe saio do ponto, corro o risco de passar pela rua sem pegar passageirosSe eles não ficassem escolhendo corridas, a fila iria seguir normalmente e cada um pegava seu passageiro sem problemasAs pessoas acabam saindo daqui e vão pegar táxi em outros lugares, pensando que todos aqui trabalham de forma errada”, reclamou.