Sandra Kiefer
Prestes a completar 18 anos de casamento, o cineasta Gilberto Scarpa, de 44 anos, e a relações-públicas Solanda Steckelberg, de 40, presidente da Fundação Clóvis Salgado, de Belo Horizonte, atingiram a maioridade na relação
“Não foi nada estudado, nem foi fruto de consenso e muito menos de briga entre a genteSimplesmente, as coisas foram acontecendo dessa formaSe eu já estava dormindo, por exemplo, Gilberto pulava para a outra cama, onde iria fumar e ver tevê”, explica Solanda, que mora em um condomínio no Bairro Santo AgostinhoGilberto está na região da Savassi desde 2009Já a filha do casal, Beatriz, de 10, conta com um quarto em cada uma das casas, mas passa a maior parte do tempo com a mãe“Quando bate a saudade, chamo o Gilberto para sair… A gente estabeleceu essa distância de segurança para permitir que nosso casamento vá até o fim da vida”, define Solanda
A família compartilha entre si a secretária do lar, Lourdes, peça-chave desse relacionamento nos moldes contemporâneos
No cotidiano, Solanda está para o sol, enquanto Gilberto pertence à noiteEla acorda cedo, às 6h30“Já eu fico vendo filme até tarde, trabalhando ou fazendo a montagem das cenas e muitas vezes só vou dormir às 6h30, sabe?”, diz o cineasta premiado, que trabalha a maior parte do tempo no estúdio que montou dentro de casa“Meu apartamento parece mais uma oficina”, admite“Na minha casa, trabalho não entra”, afirma Solanda, que neste ponto é inflexível“Quer saber de uma coisa? Morar em duas casas é uma bobagem, porque os gastos são em dobro”, ironiza Gilberto
“No primeiro casamento, a maioria dos casais ainda gosta de viver sob o mesmo tetoNo segundo e terceiro relacionamento, muitos escolhem morar em casas diferentesA ressalva é que fica mais caro, mas pode ser o preço a se pagar pela felicidade”, compara o advogado Rodrigo da Cunha, presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Família (Ibdfam)Ele conta que, nos relatos cada vez mais frequentes no escritório, torna-se incompatível a convivência da mulher separada com filhos adolescentes e as filhas do primeiro casamento do marido, por exemplo“Muitos casais preferem viver durante a semana com os filhos e nos fins de semana apenas com o cônjuge”, diz o advogado
REFÚGIO Ninguém é de ninguémO ex-vereador petista Antônio Carlos Pereira, o Carlão, de 60, cervejeiro assumido, evoca o verso da música antiga para explicar os motivos de manter um segundo relacionamento em casas separadas, há 14 anos“Minha casa é mais familiar, onde recebemos os amigos e convivemos com minhas três filhasO apartamento dele é nosso refúgio, nosso ninho de amor, onde ele prepara comidinhas e o café da manhã para mim”, revela a arquiteta e urbanista Jussara Bellavinha, de 57Quase sempre ela dorme na casa dele, no Bairro Santo Antônio, levanta-se cedinho e vai a pé até a própria casa, no São Bento
“Comprei esse apartamento para ficar pertinho delaUma vez na semana ela tem aula de dança e de vez em quando eu estico com os amigos no botecoConosco tem acontecido assim, mas não acredito em receitasPara funcionar bem, é preciso que as pessoas tenham absoluta confiança nelas mesmas, além de autonomia profissional e de rendaNão dependemos um do outro para viver, mas sabe que dá saudade? Já estamos cogitando em rever essta fórmula”, diz CarlãoCom a palavra, a namorada-esposa: “Quando a gente começou, minhas filhas eram adolescentes e hoje estão adultasNossa relação é tão boa que dá medo de mudar, mas é claro que estando os dois mais velhinhos, vamos ficar mais juntosMas deixa a vida acontecer”, emenda Jussara, em perfeita sintonia com o parceiro.
Casos famosos
» Frida Kahlo e Diego Rivera
A pintora mexicana Frida Kahlo e o muralista Diego Rivera moravam em casas separadas, mas curiosamente interligadas por uma ponteA fidelidade, porém, não era o forte do casalAmbos viveram múltiplas aventuras amorosas fora do casamento
» Helena Bonham Carter e Tim Burton
A insônia e o ronco do diretor Tim Burton podem ser alguns dos motivos, mas não as causas, para que ele e sua esposa, Helena Bonham Carter, morem em casas separadasOs argumentos vão desde privacidade até decoração da casaOs dois vivem em uma mansão interconectada em LondresAlém disso, eles têm acesso a uma terceira residência, ocupada pelos dois filhos do casal, Billy Ray, Nell e mais uma babá.
» Rita Lee e Roberto de Carvalho
Quando morava na mesma casa com o marido, a cantora e o companheiro dormiam em quartos separadosSegundo ela, quando o casal divide tudo o tempo todo não sobra espaço para o romanceHoje, não dividem o mesmo quarto e nem o mesmo endereço, mas continuam juntos.
Espaços individuais
Para alguns, a rotina de ver TV juntos, dividir o cobertor e a pipoca fortalece o casamentoPara outros, é motivo de desunião, quando se lembra de detalhes menos românticos da vida a dois, como a toalha molhada em cima da cama, a organização do guarda-roupa e o inevitável revezamento do banheiroTanto é verdade que as construtoras de alto padrão já oferecem apartamentos com duas pias, vasos separados e um boxe duplo, com dois chuveiros
“É cada vez mais comum a exigência dos vasos em dobro nos apartamentos, como forma de atender a maior reclamação da clientela feminina de que o sujeito nunca levanta a tampa nem dá descarga”, comenta Teodomiro Diniz Camargos, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e presidente da Câmara da Indústria da Construção da FiemgEm prédios personalizados, reformados a gosto do cliente, já existem pedidos de suítes duplas para atender novos arranjos de famílias“Geralmente, um dorme mal à noite e o outro quer preservar o sono”, diz
Segundo o jornal britânico Daily Mail, a cada 20 casais um prefere morar em casas separadas, mesmo estando casadosEnquanto uma noite de sono é tão aguardada por alguns após um longo dia de trabalho, para outros é sinônimo de problemaPesquisa conduzida pela psicóloga inglesa Donna Dawson apontou que, de cada 100 casais, 25 dormem em camas separadas devido a problemas noturnosPara um terço dos casais, o ronco é a principal causa da ‘separação de corpos’Outras questões, como resmungar e gemer, incomodam quase a metade dos casais
“Na verdade, a toalha molhada deixada sobre a cama pode virar uma terrível armadilha para o relacionamento”, alerta Maurício de Souza Lima, presidente do Instituto Brasileiro de Programação Neurolinguística (IBPN)Convidado a dar palestra no curso de noivos da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, o especialista deu dicas sobre as armadilhas da comunicação entre os casais no dia a dia“É preciso ter cuidado com o tom do que você falaSe a mulher ralhar com o marido por causa da toalha molhada, ela corre o risco de ficar parecendo com a mãe deleSe ele já não ouvia a bronca da mãe, tampouco vai ouvir a delaTambém não adianta preparar o estado interno antes de falar e correr o risco de parecer falsa.”