Jornal Estado de Minas

BH em três tempos. Veja como a paz se transformou em guerra

Ao longo do dia, protesto no Centro de BH transcorre de forma pacífica. À noite, espaço é cercado pela polícia

Alfredo Durães, Eduardo Tristão Girão, Luciane Evans, Paula Sarapu, Paula Takahashi, Pedro Ferreira e Sandra Kiefer

- Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

O coração de Belo Horizonte, a Praça Sete, confluência das avenidas Afonso Pena e Amazonas, viveu fortes emoções ontemDo nascer do sol, às 6h, às 23h, uma equipe do Estado de Minas manteve vigília no localForam 17 horas de prontidão, observando as pessoas, sentindo o clima e a energia de quem circulou por aliSem a correria do vaivém de milhares de pessoas que trançam por ali diariamente, o espaço foi substituído por gente que vestia branco – em sinal e pedido de paz –, de verde-amarelo, com cartazes e bandeiras nas mãosOs pedidos eram variados: desde melhorias na saúde e educação, transporte de qualidade, não à PEC 37 e punição para a corrupção, até o fim da violência no paísOnde pulsa uma das maiores metrópoles brasileiras, a quarta-feira transcorreu em clima de paz durante o diaGente vinda de todos os lugares, famílias inteiras e muitas crianças pouco a pouco enchiam e coloriam a praça, numa demonstração de cidadaniaCom o fim do jogo Brasil x Uruguai, a paz tão solicitada pelos participantes deu lugar a cenas de horror, vandalismo, medo e muita correria, com mascarados invadindo o espaço no início da noite, com atos violentos, levando o Batalhão de Choque a cercar todas as saídas da Praça Sete.

VEJA FOTOS DO PROTESTO NESTA QUARTA

CENAS DE GUERRA: QUEBRADEIRA E VANDALISMO


São 6h e o Pirulito da Praça Sete, no Centro de BH, aponta para a Lua ainda cheia, já em sua fase minguante, com um movimento fraco, em comparação ao habitualAinda é escuro e há algumas poucas dezenas de pessoas dispersas pelos amplos quarteirõesRapidamente, o cenário vai se modificando, como num filme, e, às 8h, já são centenas de gritos, apitos e cidadãos empunhando cartazes e bandeirasNo feriado municipal decretado às pressas, eles fecharam o cruzamento, dando início a mais um dia de protestos na cidade.

Veja minuto a minuto das manifestações desta quarta-feira, dia do jogo do Brasil em BH

Quase todo o comércio da região havia baixado as portas na véspera, com exceção de lanchonetes e bancas de jornais e revistas

O tradicional Café Nice, ponto de encontro de belo-horizontinos desde 1939, não funcionouPoliciais militares só começaram a marcar presença em maior número no local às 8h, bem como a Guarda MunicipalA coronel Cláudia Romualdo, comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), informou que, dos cerca de 5,5 mil policiais responsáveis pela segurança durante as manifestações de ontem, 800 foram designados para ficar exclusivamente no Centro da cidade.

O estudante Diego Fernandes, de 32 anos, era um dos responsáveis pela organização do protesto e acreditava poder contribuir para tornar o movimento mais tranquilo com a câmera do seu celular“Desde segunda-feira, eu e outras 18 pessoas estamos fotografando vândalos e repassando as imagens para a Polícia Militar”, explicouPelo menos oito pessoas teriam sido presas durante as manifestações graças a essa estratégia, garante ele.

Por volta das 11h, a aglomeração em torno do Pirulito engrossou, com a união de grupos que até então estavam isolados nas esquinasMinutos depois, o trânsito foi fechado nos quatro sentidos do cruzamento pelos policiais e o protesto tomou ainda mais corpo com a chegada de manifestantes de diversas bandeiras, como trabalhadores rurais, taxistas e professores, que se juntaram ao público, essencialmente formado por jovensTudo transcorreu pacificamente.

Meia hora mais tarde, trabalhadores do Movimento dos Sem Terra (MST) desceram a Afonso Pena e passaram pelo protesto que já havia sido iniciado pelos médicos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), na porta da administração municipalSamuel dos Reis, um dos diretores do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, informou que, desde março, eles aguardam um posicionamento da PBH, que recebeu as reivindicações dos profissionais da saúde e não se manifestou até agora“Dos 24 itens que elegemos, 21 estão relacionados a melhores condições de trabalho.”

No meio da multidão, famílias inteiras, crianças, jovens, idososMuitos maquiados, com blusa do Brasil, cartazes, bandeiras do país
Entre os vários manifestantes, uma pessoa chamou a atençãoEra Wilfried Lemke, assessor especial da Organização das Nações Unidas, que estava lá para acompanhar o manifesto“Estamos acostumados com todo tipo de cobertura da mídia, mas como assessor da ONU prefiro ver os fatos com os meus próprios olhos e ouvir das pessoas os acontecimentosIsso porque amanhã (hoje) pode ser que apenas vejamos tristes imagens de violência e não é isso que acredito que seja o significado deste movimentoIsso é algo histórico para o paísEstou muito interessado nos motivos que trouxeram as pessoas para as ruasÉ importante que as Nações Unidas saibam o que ocorreu por mim também, como testemunha ocular deste dia.”

- Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press

ASSEMBLEIA Por volta das 13h, foi iniciada uma assembleia popular para definir se o grupo seguiria para o MineirãoA maioria foi a favor da marcha em direção ao estádio pela Avenida Antônio CarlosÀs 13h30, a marcha seguiu a programação com a proposta de não tentar acesso pela Avenida Abrahão Caram, onde, no sábado, foi iniciado o confronto com a políciaA intenção era chegar até o limite permitido e fazer uma manifestação pacífica para depois o grupo voltar à praça.

Muitos cidadãos permaneceram na praçaPor volta das 14h30, a PM recebeu denúncia anônima de que haveria uma bomba em uma lixeira na esquina entre as ruas Tamoios e Rio de Janeiro, em frente ao prédio do Banco Mercantil do BrasilO Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) foi chamado para verificar a denúnciaO quarteirão foi isolado e a suspeita foi confirmadaDa lixeira foram retirados cinco fogos de artifício e um aparato utilizado para fazer fumaçaSegundo o tenente Matos, que comandou a operação, o material teria sido abandonado na lixeira“A suspeita é de que a pessoa viu a chegada da polícia e se desfez dos itens”, afirmouOs fogos de artifício podem criar uma arma se direcionados para a multidão e foram muitos usados, no sábado contra a polícia.

Tensão O momento de maior tensão na Praça Sete foi por volta das 19h, quando manifestantes que estavam na Antônio Carlos começaram a voltar para o CentroHouve uma briga entre as pessoas que estavam no local e um rapaz foi espancadoSegundo um dos agressores, ele era dono de um carro de som que estava mais cedo no protesto convocando a multidãoA PM reagiu soltando bombas de gás.

Houve explosão de bombas e correria por volta das 20h40A fumaça branca se espalhou e por alguns instantes a praça ficou praticamente vazia, mas não demorou muito e foi reocupadaPMs do Batalhão de Choque, com escudos e porretes de madeira, ficaram posicionados nos quarteirões fechados do entorno.

Às 21h, mais explosões de bomba e os manifestantes foram praticamente “varridos” da praçaVândalos desceram pela Rua Rio de Janeiro e jogaram pedras e tijolos nas janelas dos prédios.

Policiais fizeram barreiras na Afonso Pena, Amazonas e ruas de acesso à praça e impediram quem havia saído de voltarUm carro de som da PM anunciava que estava retirando os marginais e devolvendo a cidade à populaçãoAlém disso, orientava aos “cidadãos de bem” a voltar para casaA praça ficou praticamente vazia, mas um grande aparato policial foi mantidoÀs 21h45, carros da Força Nacional de Segurança e da PM começaram a deixar a praça e o trânsito foi liberado para veículos e pessoasUma grande preocupação da PM era com as obras do BRT na Avenida Santos DumontMais de 150 policiais do Batalhão de Choque fizeram um corredor polonês na altura da Praça Rio Branco para impedir o acesso dos vândalos ao canteiro de obras, onde eles poderiam se armar com paus e pedras.

- Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press.

Eu fui..à praça sete

“Como já tinha participado do movimento pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, aos 12 anos, fiz questão de trazer hoje (ontem) meus filhos, Mateus, de 11, e Júlia, de 8, para a manifestação na praçaVoltamos a ser caras-pintadas.” Geruza Cde Castro Madeira, advogada, de 33, e a família

Do clima de paz às bombas

No auge da manifestação pacífica na Praça Sete, por volta das 13h, o Pirulito tornou-se um verdadeiro monumento à exibição de cartazes, faixas, palavras de ordem e até um caixão, enterrando o Congresso NacionalO protesto mais inusitado deles durou menos de 10 minutos, o suficiente para calar a multidãoDuas mulheres nuas, apenas com o rosto coberto, exibiram o corpo em cima do PirulitoAs jovens P., de 31, e L., de 22, traziam sobre a pele somente a inscrição “Abater alvo”Sem revelar nomes, nem a origem, disseram ter sido alvo de violência policial na manifestação estudantil do sábado“Não somos de movimento algum”, declararam“Nossa, vocês são fortes pra carambaVocês são o meu país”, exclamou admirado um morador de rua.

“A nudez sempre choca porque é uma forma de manifestação totalmente pacífica, em que a pessoa está entregue, sem armas”, explicou Inês Peixoto, atriz do Grupo GalpãoEla esteve na Praça Sete para apoiar a manifestação com o marido, o fundador do grupo, Eduardo Moreira“Venderam uma imagem do Brasil lá fora que não corresponde à realidadeEssas manifestações não são contra o governo, mas sim contra o sistema”, afirmou Moreira.

Mais tarde, por volta das 17h, deu-se o esvaziamento completo da Praça SeteÉ tanto que o morador de rua Thales Muller, de 21 anos, tirou um cochilo deitado no meio da Avenida Afonso Pena, esquina de Avenida AmazonasPara se cobrir, usou uma bandeira do BrasilHoras antes, o mesmo jovem ajudava os manifestantes a pregar cartazes, subindo na base do PirulitoMeia hora depois, começaram a retornar os ambulantes com máscaras do Anonymous, vendidas a R$ 10“Só hoje foram 2 mil máscaras”, jurou o ambulanteJá o vigilante Marco Aurélio Pereira, de 46 anos, atuava como espécie de garçom servindo uísque e energéticoCada dose custava R$ 5.

Foi a noite cair que a Praça Sete foi tomada novamente por manifestantesAgora, num outro clima: álcool e maconha dividiram espaço com roda de capoeira e street dancePor volta das 20h, a mudança de público foi mais significativa e mascarados tomaram conta do localO movimento de ocupação da Praça Sete foi intenso, com pessoas chegando a pé da Praça da Rodoviária, possivelmente vindo da PampulhaPor volta das 20h30, uma briga entre dois homens deu início a um revide da Polícia Militar, que soltou várias bombas de gás lacrimogêneo, gerando uma correriaA fumaça branca se espalhou e por instantes a praça esvaziou-seNão levou muito tempo para ser reocupadaHomens do Batalhão de Choque com escudos e porretes de madeira se posicionaram nos quarteirões do entorno do Pirulito e blindaram o espaço, pedindo que todos deixassem o local

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