Jornal Estado de Minas

Falta remédio para xistose nas farmácias

Pacientes não conseguem em farmácias medicamento contra esquistossomose e laboratório alega que a produção foi encerrada. Única saída para doentes é entrar na fila da rede pública

Patrícia Giudice
Pacientes diagnosticados com esquistossomose, doença também conhecida como xistose, enfrentam dificuldades para encontrar medicamento nas farmácias
O remédio, de princípio ativo praziquantel, está em falta nas grandes redes de lojas e a Associação das Farmácias e Drogarias de Belo Horizonte reclama que pedidos feitos ao laboratório estão sem retorno há mais de seis mesesMesmo distribuído na rede pública de saúde, muitas pessoas ainda preferem comprá-lo para iniciar o tratamento imediatamenteNos postos de saúde, a previsão é de até cinco dias para entrega, mas há casos de demora mais longaEm Montes Claros, no Norte de Minas, região endêmica, o medicamento também não é encontrado.

A esquistossomose é causada pelo Schistosoma mansoni, parasita que tem o homem como hospedeiro definitivo e caramujos de água doce como hospedeiros intermediários, onde desenvolve seu ciclo evolutivoOs ovos são liberados na água pelas fezes do homem infectadoEles liberam larvas que se alojam nos caramujos e continuam o ciclo com novas larvas, que entram no homem pela pele ou mucosasA fase aguda da doença tem como sintomas coceiras, dermatites, tosse, diarreia, enjoos, vômitos, febre e falta de apetite.

Na fase crônica, segundo o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, Carlos Starling, provoca aumento do fígado e baço e pode atingir o sistema nervoso centralHemorragias internas causam o sintoma conhecido como barriga-d’água, quando o abdômen fica dilatadoA doença pode evoluir também para óbitoEste ano, 14 pessoas já morreram por esquistossomose em Minas, segundo a Secretaria de Estado da Saúde
No ano passado foram 75 mortes.

A professora universitária Isaura Caporali, de 55 anos, fazia exames preventivos quando descobriu a esquistossomoseFrequentadora de cachoeiras desde a adolescência, ela não sabe quando teve contato com as larvas, mas o médico indicou tratamento medicamentoso imediatoIsaura correu à farmácia e não encontrou o remédioRecorreu ao posto de saúde mais perto de casa e foi indicada a procurar o que correspondia ao seu endereçoO remédio estava disponível na rede, mas havia a exigência de um relatório do médico, além de exames e da receitaDe posse documentação, Isaura deu entrada no pedidoQuase um mês depois, na semana passada, conseguiu ter acesso aos comprimidos.

Ela ainda saiu do posto com uma preocupação: o médico indicou que ela tomasse seis comprimidos e meio de 600mg cada um, totalizando 3.900mg, correspondentes ao seu peso corporal, mas só conseguiu seis cápsulas e vai tomar uma dosagem menor do que a prevista“Vou repetir os exames daqui a seis mesesO médico ainda alertou no relatório que a dosagem menor poderia implicar em fracasso terapêuticoFoi um susto quando descobri a doença
Tem uma forma que é mais complicada e ataca o fígado, mas a minha está só no intestino, não é tão complicadaNão consegui entender por que não tem remédio na farmácia, seria muito mais simples”, disseA Secretaria Municipal de Saúde da capital reconheceu que o atraso ocorreu por um encaminhamento incorreto do pedido médico para o distrito sanitário, mas informou que o medicamento já foi entregue à paciente.

Divulgação

Um empresário de 43 anos, que pediu para não ser identificado, contou que contraiu a doença durante um trabalho no Norte de Minas e, quando soube, teve a mesma reação da professora universitária Isaura Caporali e correu para a farmáciaPela receita, ele teria de tomar 12 comprimidos de 600mgCom a resposta da drogaria de que não havia nem previsão para chegada do medicamento, ele iniciou uma verdadeira caçadaLigou para várias farmácias e esteve em diversas lojas, mas sem sucessoPela internet, buscou em redes do Paraná, Espírito Santo e São PauloQuando conseguiu uma caixa do Cisticid a R$ 465 em uma distribuidora da capital paulista, o remédio vencia em agostoEle preferiu não comprar.

Em contato com outro médico, o empresário soube que poderia conseguir o remédio num posto de saúde gratuitamenteNão houve demora, mas, segundo ele, ouviu uma reclamação de que o número de comprimidos prescritos estava alto demais“Acho que falta divulgar a informaçãoNão é todo mundo que vai ao posto de saúde, muita gente vai direto para a farmáciaNinguém soube me informar que só conseguiria pela rede pública e na procura atrasei em duas semanas o tratamento”, disse.

Antes de descobrir a esquistossomose, o empresário soube da morte da irmã da funcionária de sua casa pela doença e que um colega no trabalho do Norte de Minas ficou internado no Hospital Felício Rocho para tratamentoFoi quando ele decidiu fazer os exames com receio de que também pudesse ter tido contato com o caramujo transmissor.

Os medicamentos para a esquistossomose são o Cisticid, em comprimidos de 500mg, e Cestox, de 150mg, ambos praziquantel e patenteados pela MerckO laboratório informou que, em abril de 2012, pediu à Anvisa autorização para suspender a fabricação do Cestox, o que ocorreu 180 dias depois mesmo sem resposta do órgãoA Merck não informou o motivo da suspensãoO Cisticid é de uso hospitalar e vendido por distribuidora de São PauloO praziquantel distribuído pelo SUS é produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, em cápsulas de 600mg e 150mgO órgão garantiu que na rede pública não há escassez(Com Luiz Ribeiro)

Vacina em fase de testes

A Fiocruz faz pesquisas para desenvolver uma vacina para a esquistossomoseNo ano passado, a primeira fase dos testes clínicos foi aprovada e mostrou capacidade de imunizaçãoBaseada no antígeno Sm14, com patente do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), ela ainda mostrou eficácia contra a fasciolose, doença que afeta o gado, e poderá ser usada como base para desenvolver vacinas para outras doenças causadas por helmintos.