Jornal Estado de Minas

Católicos comemoram Corpus Christi em Minas com missas, procissões e vigílias

Em Ouro Preto, fiéis colorem ruas e enfeitam janelas para celebrar a passagem do Santíssimo

Tiago de Holanda
Fiéis percorrem as ladeiras de Ouro Preto seguindo o pálio, cobertura usada para proteger a custódia - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press

Procissões, encenações, missas e vigílias reuniram milhares de pessoas ontem em centenas de cidades de Minas nas tradicionais celebrações de Corpus ChristiEm muitos municípios, especialmente nas cidades históricas, católicos viraram a noite desenhando tapetes coloridas nas ruas para a passagem do Santíssimo Sacramento, homenageado também com flores e toalhas nas janelas.

Uma das mais fortes expressões da cultura mineira, a festa, celebrada 40 dias após a Páscoa e sempre numa quinta-feira em alusão ao dia da instituição do sacramento durante a ceia de Jesus com os apóstolos, marca a comemoração da presença de Cristo na eucaristia.

Na Arquidiocese de Belo Horizonte, houve missas, procissões, vigílias e adorações ao Santíssimo Sacramento em todas as paróquias, com destaque para as celebrações dos bisposDom Wilson Luís Angotti Filho presidiu a eucaristia no Lar Senhor Bom Jesus, no Bairro Bom Jesus, Região Noroeste da capitalO bispo João Justino de Medeiros Silva celebrou missa pela manhã em Taquaraçu de Minas e à tarde na Catedral da Boa Viagem, em BHDom Luiz Gonzaga Fechio participou de visita pastoral à Paróquia do Rosário, em Contagem.

Em Ouro Preto, na Região Central, centenas de pessoas acompanharam, pela manhã, a procissão de Corpus ChristiPor volta das 8h20, depois de missa na Igreja das Dores, o cortejo seguiu em direção à Matriz de Nossa Senhora do PilarEm muitos trechos, enquanto descia e subia ladeiras, a multidão passava por cima dos tradicionais tapetes compostos de serragem colorida, quase todos exibindo motivos religiosos.

A maioria dos tapetes foi feita na madrugada, mas o sol já estava nascendo quando David Moreira passou a tecer o seu, na Rua Direita, a poucos passos da Praça Tiradentes, no CentroÀs 5h, o recepcionista de hotel e motorista, de 50 anos, começou a despejar a serragem sobre o pavimento de pedraEle se agachava com os joelhos no chão, apoiava-se com uma das mãos e com a outra espalhava o material de várias cores: vermelho, verde, marrom-claro, preto e azul-marinho.

“É uma forma abstrataVou espalhando no improviso”, disse, tentando explicar as curvas que surgiam“Faço isso há mais de 30 anos
Gosto, sinto prazerE tenho féDeus está presente aquiÉ ele que me ajuda a fazer”, diz, sorrindoAo lado do tapete de David, segurando um punhado de serragem, o professor universitário José Cortez, de 51 anos, posou para uma colega tirar fotoNascido na Guatemala, na América Central, ele estava na cidade histórica para participar de um congresso“Isso é muito bonito e original”, elogiouSua acompanhante, a espanhola Remédios Ferrero, concordou: “É uma tradição encantadora”.

Arte encanta os visitantes


Nos tapetes, havia cálices, corações, velas, estrelas, luas, sinos, igrejas, rostos de CristoSobre alguns, mãos esmeradas puseram pequenos arranjos de floresUm estampava um anjo, uma pomba e uma cruz, em frente à Fundação de Arte de Ouro Preto
“Esse foi o mais caprichado que vi”, disse a funcionária pública Renata Virgínia de Faria, de 30 anosA turista veio de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, com a filha, Eduarda, de 5, e dos irmãos, Rodolfo, 10, e Rafaele, 16“Não sou ligada a religião, mas acho os trabalhos muito bonitos”, avaliou Renata.

Na Rua Getúlio Vargas, três meninas esperavam com ansiedade a procissãoJúvia do Nascimento, de 7 anos, Fernanda de Almeida, 6, e Laila Felício, 6, usavam um vestido rosa de bailarina e asas brancas de anjoQuando o cortejo surgiu na rua, elas uniram as mãos e, de pé na calçada, se tornaram estátuas vivasSó os olhinhos se moviam, para orgulho da professora de balé Adriana Silva de Andrade, de 53Como outros moradores, ela acordou cedo para enfeitar as janelas da casa com panos multicoloridos e cerrá-las com cortinas alvíssimasApenas uma continuou aberta, para expor um vaso com flores vermelhas“Esta é a festa mais linda da cidadeEstou feliz em homenagear Jesus”, disse.

Multidão ora e canta atrás do Santíssimo

À frente da procissão, um rapaz erguia o guião vermelho, que anunciava ser aquele um cortejo de caráter religiosoQuando a multidão se aproximava de um templo, seus sinos começavam a vibrar e só se aquietavam quando o grupo se distanciavaCom lágrimas escorrendo pelo rosto, a empregada doméstica Terezinha de Jesus Mendes, de 56 anos, balbuciava algumas orações e segurava um rosário“Dá emoção na gente, muita alegria e forçaJesus toca mesmo o coração”, disse.

O funcionário público Sidney Cardoso de Araújo, de 46, estava acompanhado dos filhos, Ivan, 12, e, Iuri, 3, sentado nos ombros do pai“Você deve 'encaixar' os mais jovens agora, introduzi-los, explicar o que tudo isso significaDepois, eles fazem o mesmo com os filhos deles”, constatou Sidney.

Ao longo do trajeto, a multidão cantava com o apoio da Banda do Bom Jesus das Flores, pertencente à Paróquia de Santa Efigênia“E ainda se vier noite traiçoeira, se a cruz pesada for, Deus estará contigoO mundo pode até fazer você chorar, mas Deus te quer sorrindo”, dizia um dos cantos.

A procissão parou em três locais para a bênção do Santíssimo Sacramento, carregado por um padre sob o pálio dourado (cobertura que protege a custódia)E os fiéis se ajoelhavamAo fim da bênção, a banda executava o Hino Nacional BrasileiroUm grupo de meninas vestidas de anjo andava no meio do cortejoNo fim do cortejo, foi celebrada outra missa.

“A festa de Corpus Christi é aquela em que o católico confessa sua fé publicamente, pois saímos com o Santíssimo Sacramento, que é Jesus VivoFazemos a procissão adorando Cristo”, ressaltou o padre Daniel Milagres, vigário da Paróquia do Pilar“A celebração da eucaristia é o memorial da Paixão, Morte e RessurreiçãoMemória não é mera lembrança, mas tornar presenteAtualizamos o gesto de Jesus na Útima Ceia”, acrescentou.

Uma tradição colonial

A festa de Corpus Christi – expressão latina que significa Corpo de Cristo – foi instituída pelo papa Urbano IV em 11 de agosto de 1264, para ser celebrada após a festa da Santíssima Trindade, que ocorre no domingo depois de PentecostesO evento é destinado a marcar a presença real de Jesus entre a humanidade, por meio da eucaristia, instituída por Cristo na última ceia, quando disse: "Este é o meu corpo..isto é o meu sangue..fazei isto em memória de mim"A festa é promovida sempre às quintas-feiras e, além de missa, a Igreja recomenda a procissão, “para testemunhar publicamente a adoração e a veneração da Santíssima Eucaristia”A tradição chegou ao Brasil por meio dos portugueses, realçando-se nas cidades históricas, onde se criou o costume de ornamentar as ruas por onde passa a procissão com tapetes de colorido vivo e desenhos de inspiração religiosa.