Jornal Estado de Minas

A liga das supermães

Multiplicam-se as mães que consolidam associações ou movimentos na internet

Patrícia Giudice
Cidinha Campos (no centro, ao alto) e outras heroínas da ADI com seus filhos: em vez de abatimento e queixas, determinação para mudar realidade - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press


Se falta insulina para um bebê, Cidinha liga para os postos de saúde, hospitais, pede ajuda financeira aos amigos, suplica para quem tem no estoque e conseguePronto, salvou uma vidaO lápis e o caderno de Sophia, portadora de deficiência, caem toda hora e Érika, a mãe, faz da reclamação das professoras um projeto para mudar o design das carteiras escolaresAs crianças estão trancadas nos apartamentos, brincando sozinhas ou em computadores? Então Flávia e Miriam se unem para levar os pequenos para as pracinhasComo esses, multiplicam-se exemplos de mães que, inquietas, consolidam associações ou movimentos via internet para mudar, acolher, ajudarMuitas deixam as carreiras profissionais e se transformam em pessoas jurídicasComo recompensa, essas supermães ganham inúmeros novos filhos.

Cidinha Campos era dona de uma confecçãoSonhava prosperar e gostava do que faziaMas teve de sair do meio de tesouras e retalhos e se viu dentro do ambulatório infantil do Hospital das ClínicasPerdeu o pai e a irmã e, no ano seguinte, descobriu que a filha, aos 5 anos, tinha diabetes tipo 1Em vez de lamentar e se abater, ela se transformou em uma mulher incansável
Com os recursos que tinha, buscou informações e formas de amenizar o sofrimento de Duda, que dali em diante teria que tomar uma agulhada para medir a glicose a cada alimento que ingeriaMas ajudar a filha era pouco para a mãe, afinal, muitas crianças como Duda não dispunham de privilégios como o de poder comprar um chocolate dietético, que custa o triplo do preço de um comum

Ela levantou a bandeira que agora tem os dizeres I’m diet, empunhada também pelo filho mais velho, João Pedro, de 11 anos, que mesmo não sendo portador de diabetes está em todas as atividades do grupoÀ frente de 10 mães, fundou a Associação de Diabetes Infantil (ADI)Unidas, elas querem transformar os serviços de saúde pública em locais que recebam com qualidade crianças que chegarem com a glicose alta e precisando de atendimento de urgênciaQuer que as escolas saibam acolher um diabético, que o governo cobre menos impostos nos produtos dietéticos e que todas as crianças possam comer chocolates e biscoitos sem riscos de uma internação imediata

Se antes as crianças tinham que furar o dedo com uma agulha, Cidinha conseguiu que elas recebessem gratuitamente um aparelho semelhante a uma caneta, chamado lancetadorCom ele, os pequenos não veem a agulha e com isso sofrem menos na hora de medir a glicoseA sede da ADI ocupa uma casa emprestada no Bairro Concórdia e oferece atendimento psicológico e nutricional a mais de 200 crianças“Eu me intitulei ‘mãe-pâncreas’
O que ele não faz no organismo das crianças (produzir a insulina), nós fazemos aqui na associaçãoMinha luta é para que as pessoas conheçam as crianças diabéticas, saibam do problemaJá internei muitas, que estavam morrendo à espera de tratamento, no grito”, disseAgora, Cidinha batalha pela ADI móvel, para fazer o trabalho de conscientização em praças e espaços públicos.

A mesma ideia de ajudar começou a rondar a cabeça da arquiteta Érika Foureaux, quando sua filha Sophia entrou na escolaA garota é portadora de deficiência física, devido a uma paralisia cerebralVendo a resistência das instituições de ensino e ouvindo a reclamação de professores para manter o cuidado com a criança, ela decidiu usar seus conhecimentos profissionais e projetar uma carteira escolar que promovesse a inclusãoNo móvel desenvolvido cabe a cadeira de rodas, há espaço para que lápis e papel permaneçam perto da criança, lugar de fácil acesso para guardar o material e cores atraentesNão foi feita só para os portadores de deficiência, mas para todas as criançasFoi assim que surgiu a Noisinho da Silva, uma organização não governamental dedicada a promover a inclusão por meio do design“Descobri que os objetos colaboram para segregar as pessoas e tinha o desejo de socializar aquela criança com deficiência.” As carteiras estão prestes a ser usadas nas unidades municipais de Educação Infantil (Umeis) de Belo Horizonte.

ciranda Para que a criança continue a inserção social em casa ou com os amigos, a Noisinho projetou um equipamento chamado CirandaEle possibilita que o portador de deficiência mantenha a coluna ereta e consiga brincar sem estar em posição inferior a outras criançasMais de 400 mães já participaram da oficina para produzir a Ciranda para os próprios filhosMais do que isso: ao colocar a mão na massa, se conscientizam de que eles não são incapazes

O nascimento a Apae


A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), uma das organizações mais conhecidas no Brasil, chegou ao país na bagagem de uma mãeA norte-americana Beatrice Bemis desembarcou por aqui em 1954Mais do que integrante do corpo diplomático dos Estados Unidos, ela era mãe de uma portadora de síndrome de down e trazia experiência suficiente para incentivar a criação de uma ApaeNo ano seguinte, o Rio de Janeiro ganhava a primeira escola para crianças excepcionais brasileira e começava a discussão sobre inclusão das pessoas portadoras de deficiência