Em certa medida, toda cidade é como uma tela em branco, desenhada conforme as circunstâncias de cada época
O Estado de Minas tirou 11 desses projetos do fundo do baú e redesenhou essa tela em branco chamada Belo Horizonte a partir dos planos descartados ao longo da história“Esses projetos carregam a concepção do espírito de uma época e muitos deles só contam com uma óticaA maioria são desenhos viários e visam apenas abrir caminho para o carroUma cidade tem que ser pensada de forma integrada, e não focando em um setor apenas”, alerta o arquiteto urbanista Flávio Carsalade, professor da Escola de Arquitetura de Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Muito antes de Oscar Niemeyer idealizar a Catedral Cristo Rei, que começou a ser erguida no mês passado, na Avenida Cristiano Machado, a construção de um grande templo fazia parte dos planos da Arquidiocese de Belo HorizonteO primeiro arcebispo da capital, dom Cabral (1884–1967) sonhava erguer uma catedral no encontro das avenidas do Contorno e Afonso PenaPorém, no lugar do sonho do religioso, surgiu o que hoje é a Praça Milton Campos.
Projetado pelo arquiteto austríaco Holz Meister, o maior templo de BH teria capacidade para 12 mil fiéis e seria maior que a Catedral de São Pedro, no VaticanoO desenho traz uma grande cúpula, com anjos de pé e uma torre
Eixo central da nova capital, a avenida mais famosa de BH, aliás, foi alvo de muitas ideias que não vingaramEm 1960, durante o governo do prefeito Amintas de Barros, cogitou-se o prolongamento da avenida até o Bairro Lagoinha, na Região Noroeste, a partir de um projeto do engenheiro Geraldo Batista SampaioAo valor de 500 milhões, um viaduto de 600 metros sairia da Feira de Amostras – no terreno onde hoje é a rodoviária – até uma praça que seria construída em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Rua Além Paraíba“Mais tarde, fizeram essa conexão com a Lagoinha, mas de outra forma, com a ligação pelos viadutos do Complexo da LagoinhaO bairro, que era coeso, acabou se dividindo em dois”, ressalta Carsalade
Trânsito
Historicamente, projetos viários sempre estiveram na ordem do diaQuando governador de Minas pela segunda vez, entre 1991 e 1995, Hélio Garcia tentou construir um minhocão de quatro quilômetros sobre a Avenida Antônio Carlos
Orçado em 40 milhões de dólares, o projeto chegou a ser licitado, mas acabou vetado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente, em 1993“Ainda bem que não foi feito, pois degradaria uma área urbana muito grande, principalmente os imóveis que ficam próximos a esse segundo andar”, observa o professorNa mesma época, início dos anos 1990, o governador apostou na volta dos bondes a BH, com a implantação do sistema na Cristiano MachadoAo custo de 270 milhões de cruzeiros, a obra seria financiada em grande parte com recursos de bancos internacionais.
A previsão era construir 34 quilômetros de linhas no local que, inicialmente, receberia o trólebusOs sistema até chegou a ser instalado, em 1986, mas jamais funcionou na Cristiano Machado“Com a implantação do bonde, a demanda de passageiros na Região Norte será atendida durante os próximos 30 anos”, disse, na época, o diretor de tráfego da Transmetro – empresa que daria origem à BHTrans –, José Alexandre Pinto CoelhoVinte anos depois, a avenida continua sem solução para o problema do tráfego, para o qual a nova aposta é a implantação do transporte rápido por ônibus (BRT).
Olhar para os projetos do passado é uma lição, na avaliação do professor de patrimônio cultural da UFMG, o arquiteto Leonardo Castriota“Os projetos têm a ver com a circunstância e o tempoMuitas vezes, aparecem ideias que são retomadas muito tempo depois e se tornam anacrônicasAs soluções de inspiração ‘rodoviarista’, comuns na década de 1970, já não fazem mais sentido.”