Jornal Estado de Minas

Impunidade e sofrimento

Bêbado que matou pedestre é exemplo de que nem rigor da Lei Seca freia abusos

Média é de quatro condutores presos por dia. famílias de vítimas cobram punição

Paula Sarapu Junia Oliveira
Tristeza - Ana Célia se desespera com a morte da irmã, atropelada na Avenida Antônio Carlos, na manhã de ontem - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

 

Em mais um capítulo do desrespeito às leis de trânsito, a morte da auxiliar de serviços gerais Fernanda Francisca Alves Pereira dos Santos, de 22 anos, atropelada na calçada por um motorista com sinais de embriaguez que já somava 27 pontos na carteira, mostra que nem mesmo o endurecimento da Lei Seca – que já gerou recorde de inquéritos por embriaguez ao volante este ano – inibe os maus condutoresEntre 21 de dezembro do ano passado, quando a lei ficou mais rigorosa e aumentou a capacidade do estado de produzir provas contra o motorista bêbados, e 8 de abril , 425 pessoas foram presas em flagrante, uma média de quase quatro por dia, segundo o DetranSó no feriado de anteontem, 15 condutores foram levados à delegacia por misturar álcool e direçãoNo entanto, as famílias reclamam da sensação de impunidade enquanto os processos tramitam lentamente na Justiça.

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O acidente de ontem aconteceu na Avenida Antônio Carlos, no Bairro São Luiz, por volta das 6hDepois de outro dia de trabalho, Fernanda e o marido, Igor Pablo Santos Silva, de 22, desceram de um ônibus e caminhavam pelo passeio quando perceberam um Fiat Palio em zigue-zague pela viaDiante do perigo, a jovem empurrou o marido para a vala de uma obra, mas foi atropelada pelo carro e jogada num poste, morrendo na hora.

O motorista Allan Ribeiro Vieira, de 34 anos, tinha sinais evidentes de embriaguez e nem sequer conseguiu ficar em pé ou soprar o bafômetro, segundo a políciaEntre 2012 e 2013, ele acumulou seis infrações por excesso de velocidade e falta de uso do cinto de segurança e, por isso, responde a um processo administrativo no Detran para suspensão da carteira de motoristaA legislação permite, porém, que ele continue dirigindo enquanto correm os prazos de defesa e recurso

“Ele é um cara perigoso no trânsito, não tem condições de dirigirJá tinha quatro infrações por excesso de velocidade e duas por não usar o cinto, mostrando como costumava desrespeitar as leis de trânsitoA mãe dele mesmo admitiu que ele tinha hábito de beber e dirigir e a morte da moça só aconteceu por causa da conduta do motorista

Ele matou com o carroA perícia constatou que ele seguia em alta velocidade e nem sequer teve condições de soprar o bafômetro, tamanha era a embriaguezNão conseguia também ficar em pé de tão molambo que estava”, afirmou o chefe de Operações Policiais do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG), delegado Ramon Sandoli

Descontrole - motorista do Palio já tinha 27 pontos na carteira e dirigia em alta velocidade - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press Allan foi autuado por homicídio com dolo eventual, sem direito a fiançaDentro do carro havia um copo de vidro apoiado no banco do carona e uma garrafa de uísqueEle está internado no Hospital Risoleta Neves, sob cuidados médicos e escolta policialQuando tiver alta, prestará depoimento e será conduzido até o Ceresp São Cristóvão

Igor Pablo prestou depoimento à tardeSegundo o irmão dele, Alonso Alairton Loyola, o rapaz está em estado de choque“Ele sempre foi um bom filho e  bom irmão, eles não mereciam isso
Moravam juntos havia cinco anos, namoravam desde a época do colégio e estavam juntando dinheiro para comprar uma casa agora”, contou.

"O juiz não pode libertar esse criminoso"

 

O namoro da auxiliar de serviços gerais Fernanda Francisca Alves Pereira dos Santos com o montador de móveis Igor Pablo Santos Silva, ambos de 22 anos, começou quando eles tinham 16, no Bairro Jaraguá, na Pampulha, onde moravam com os paisAos 18, eles decidiram morar juntos e nos últimos quatro anos viveram de amor e sonhos, como o casament, e a lua de mel em Natal (RN) em dezembroOutro seria comprar um apartamento e para isso já juntavam dinheiroMas, na manhã de ontem, quando estavam a caminho de mais um dia de trabalho, todos esses desejos foram destruídos na Avenida Antônio Carlos por um motorista embriagado.  O irmão dele, o comerciante Alexandro Santos, de 36, falou dos sonhos de Fernanda e Igor.~


Quais eram os planos deles?

“Eles faziam tratamento para ela engravidarO maior desejo deles era ter um filhoO problema era com meu irmão, mas os dois enfrentavam a situação juntosIgor queria fazer um consórcio para um carro, mas o aconselhei a juntar dinheiro para a entrada do apartamento.

Aonde eles estavam indo na hora do acidente?

Os dois haviam descido de um ônibus e estavam indo para o Jaraguá, onde trabalhamEles atravessaram a Antônio Carlos para pegar outro ônibus quando esse maldito pegou os dois na calçadaIgor sempre deixava Fernanda no trabalho dela e pegava mais um ônibusMeu irmão está em crise, não para de chorar e fala que ele é quem deveria ter idoOs dois estavam juntos e ele tentou puxá-la, mas ela o empurrou para uma valaO carro passou direto por cima do buraco e a prensouEla ainda salvou a vida do meu irmão.

Como você avalia o comportamento desse motorista embriagado?

A única coisa que a família pede é justiçaO cara acabou com a vida da minha cunhada e com a do meu irmãoA mãe, as irmãs e o irmão dela estão todos muito mal, à base de remédiosMeu irmão está dopado porque pede para ver Fernanda o tempo todoEsse cara tem que pagar muito, tem que ficar presoO juiz não pode liberar um criminoso como esseHouve flagrante, há testemunhas do crimeEle teve a intenção de matar quando bebeu e pegou um carro para dirigir, como se fosse uma arma mortal.


Inquéritos

O Detran informou que a média de inquéritos instaurados por embriaguez ao volante este ano chega a 5,4 por dia, bem acima dos anos anterioresSó este ano, já são 170 procedimentos que investigam acidentes sem vítimas causados por bêbados ao volante e 81 com vítimas (feridos ou mortos)Desde 20 de junho de 2008, quando a Lei Seca passou a valer, já são 4.311 inquéritos sem vítimas e 1.028 com vítimasRamon Sandoli afirma que o estado faz sua parte quanto à fiscalização e às campanhas de conscientização, mas considera que ainda falta educação aos motoristasApesar das blitzes mais frequentes, ele diz que o comportamento dos motoristas não mudou

“A sociedade cobra as ações, mas a própria sociedade não cumpre e cria mecanismos contra o Estado, como as mensagens em redes sociais alertando sobre as operaçõesO Estado está tentando corrigir o mau cidadão, mas muitos continuam insistindo em desrespeitar as leisNão adianta lei nem fiscalização se o condutor não mudar seu pensamento”.

Segundo o delegado, em quatro anos foram nove indiciamentos por homicídio com dolo eventual em Belo Horizonte – e nenhuma condenação até agoraRamon Sandoli informou ainda que a polícia vai pedir à Justiça a suspensão do direito de dirigir, antes mesmo que o processo administrativo no Detran seja finalizado(Colaborou Clarisse Souza)