Jornal Estado de Minas

Alicerces da fé são revelados na capela de Nhá Chica

Às vésperas da beatificação, que deve reunir 40 mil católicos em Baependi, voluntários descobrem piso de pedras da capela em São João del-Rei, onde Nhá Chica foi batizada em 1810

Gustavo Werneck
- Foto: ADRIANA ZIM/DIVULGAÇÃO
Na semana em que Francisca de Paula de Jesus (1810-1895), a Nhá Chica, será beatificada, em Baependi, no Sul de Minas, onde viveu por oito décadas, o anúncio de uma descoberta surpreende e joga mais luz sobre a história da filha de uma ex-escrava que dedicou seus dias à fé em Deus, humildade e solidariedade humanaDe forma inesperada, um grupo encontrou o piso da Capela de Santo Antônio, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, em São João del-Rei, Campos das Vertentes, na qual a menina foi batizada, em 26 de abril de 1810


“Foi uma bênção, pois achamos o piso de pedras no dia 23, três dias, portanto, antes da data em que Nhá Chica foi levada à pia batismal”, diz o escultor Osni Paiva, autor da imagem oficial da beata, com policromia do restaurador Carlos Magno Araújo, que irá para o altar da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, conhecida também como Santuário de Nhá Chica, no Centro de BaependiA festa de beatificação, no sábado, às 15h, deverá reunir cerca de 40 mil católicos

A nova imagem de Nhá Chica, esculpida em cedro, com 1m de altura, seguiu ontem do ateliê em São João del-Rei para BaependiSegundo Osni Paiva, a elaboração da peça seguiu orientações do bispo diocesano de Campanha, dom frei Diamantino Prata de Carvalho, à qual Baependi está vinculadaA partir da cerimônia em que a mineira se tornará Bem-aventurada Nhá Chica ou Beata Nhá Chica – etapa anterior à canonização, que significa se tornar santa –, a tradicional imagem da idosa sentada numa cadeira e mãos apoiadas num guarda-chuva vai mudar de figuraNo altar, estará de pé, de braços abertos, significando acolhimento, semblante mais leve, veste cor-de-rosa e com um rosário na mão direitaSegundo especialistas, apenas os chamados doutores da Igreja podem ter imagens sentados numa cadeiraAnteriormente, Osni fez uma imagem menor, sem policromia, que foi publicada na capa da novena de Nhá Chica

Voluntários encontraram o piso original da capela numa propriedade particular - Foto: ADRIANA ZIM/DIVULGAÇÃO As ruínas da capela primitiva, erguida por volta de 1920 em taipa de pilão e desaparecida com o tempo, ficam na propriedade de José Antônio Rios, no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, a 12 quilômetros do Centro de São João del-Rei

“Sabíamos da existência do lugar e que ali havia sido batizada Nhá Chica tambémTendo em vista a proximidade da beatificação, decidimos pôr no local uma réplica da pia batismal, de granito”, conta OsniA original está na igreja edificada em 1876, a três quilômetros da antiga, para onde foram transferidas as peças sacras“Estávamos em equipe e um dos homens começou a furar o buraco para instalar a pia, quando a ferramenta bateu nas pedras no fundoEntão, começamos a escavar e vimos que sob a terra estava o alicerce do batistério, inclusive com a marca de onde ficava a pia”, revela o escultor.

Reconhecimento

“O dono da propriedade é muito religioso e nunca se opôs às nossas idas ao localHá muito espaço para ser escavado e, com certeza, vamos encontrar o piso do restante da capela”, adianta OsniA descoberta arqueológica, que o Estado de Minas apresenta com exclusividade e será publicado na revista Memória Cult, já mereceu avaliação do integrante do Instituto Histórico e Geográfico e Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, ambos de São João del-Rei, José Antônio de Ávila SacramentoO alicerce fica numa profundidade de 90 centímetros

“Trata-se de um precioso achado arqueológico que representa muito para a história da região da antiga comarca do Rio das Mortes, bem como para a memória de Minas e do Brasil”, diz José AntônioSegundo ele, há registros de que, em 1722, na primitiva capela, foi instalado o Compromisso da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno
No templo, casaram-se, em 29 de junho de 1724, Júlia Maria da Caridade e Diogo Garcia da Cruz (ela, ilhoa do Faial, arquipélago dos Açores), que se constituíram em importante tronco de uma descendência enorme, que se espalhou pelo território mineiro, São Paulo, Goiás e outros”, afirma.


Seis décadas de campanha

Secretário da beatificação, o padre Douglas Baroni supervisiona o local da montagem do altar onde haverá a cerimônia no sábado - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS A solenidade de beatificação de Nhá Chica será no espaço GAPedras, perto do Portal de Baependi, município de 18 mil habitantes a 380 quilômetros de Belo HorizonteO secretário da beatificação, padre José Douglas Baroni, titular da paróquia de Santa Maria e reitor da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, chamada popularmente de Santuário de Nhá Chica, supervisiona pessoalmente a montagem do altar e da infraestrutura do local, que receberá cerca de 40 mil pessoas, a maioria de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro

A cerimônia terá missa e ritos presididos pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação da Causa dos Santos e representante do papa Francisco, do bispo de Campanha, dom Frei Diamantino Prata de Carvalho, cerca de 400 padres, governador Antonio Anastasia (PSDB) e postulador (advogadeo) da causa de beatificação, o italiano Paolo Vilotta

A campanha pela beatificação de Nhá Chica começou em 1952 e foi concretizada graças ao reconhecimento do milagre concedido, por intecessão dela, à professora Ana Lúcia Meirelles Leite, de 68 anos, moradora da vizinha Caxambu e curada de problema cardíaco congênitoEm 28 de junho de 1995, ao completar 50 anos, ela ficou cega de repenteRezou para Nhá Chica, de quem sempre foi devota, e logo recuperou a visãoA cegueira foi diagnosticada como isquemia transitória e, preocupada, a professora procurou especialistas, que pediram muitos examesNovas rezas fizeram com que ela ficasse curada, sem que a medicina explicasse o fato“Foi milagre obtido por intercessão de Nhá Chica”, conta a professora


TOMBAMENTO
O conselheiro José Antônio de Ávila Sacramento lamenta que, apesar dos esforços, o sítio arqueológico ainda não tenha sido oficialmente protegido nem teve aberto o processo de tombamento pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São João del-Rei“A esperança é de que, com essa descoberta, o procedimento tenha sucessoQuando presumimos que o ouro das nossas muitas Minas já (quase) se esgotou, há outras riquezas reservadas, ainda que temporariamente ocultas sob os caminhos da Estrada Real”, afirma o conselheiroEle teme, no entanto, pela segurança do sítio, localizado em um ponto ermo na mata: “As pedras do piso poderão ser quebradas ou levadas como relíquias da beata, pois a devoção a ela é grande, ou simplesmente furtadas”.