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Estado de Minas

Savassi de cara nova enfrenta desafios antigos

Ao dar prioridade a pedestres, a área reinaugurada em maio de 2012 reencontrou sua vocação cultural, atraiu público diverso e se fixou como endereço cobiçado da boemia. Comércio ainda tenta se recuperar do baque das obras e da perda de mais de 100 vagas de estacionamento, além da disparada dos aluguéis


postado em 28/04/2013 06:00 / atualizado em 28/04/2013 07:46

Flávia Ayer

(foto: Sergio Amzalak/Esp.EM/D.A Press)
(foto: Sergio Amzalak/Esp.EM/D.A Press)

“Há anos prometida, enfim, a revitalização deve sair do papel, e aí… o que será da Savassi?” A frase encerrava reportagem do Estado de Minas publicada em 2010 em comemoração aos 70 anos de uma das regiões mais charmosas da cidade e com o anúncio de sua esperada reforma. Depois de reclamações e muita pressão, a obra no quadrilátero cortado pelas avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas ocorreu e a revitalização está prestes a completar um ano diante de uma nova pergunta: em que se transformou a Savassi? Ao dar prioridade a pedestres e tirar espaço dos carros, a área, reinaugurada em 10 de maio de 2012 após investimento de R$ 11,8 milhões, reencontrou sua vocação cultural, atraiu público diverso e se fixou como endereço cobiçado da boemia. Por sua vez, o comércio ainda tenta se recuperar do baque das obras e da perda de mais de 100 vagas de estacionamento, além da disparada dos aluguéis. E apesar de a reforma ter dado tratamento especial à Praça Diogo de Vasconcelos e aos quarteirões fechados das ruas Antônio de Albuquerque e Pernambuco, não conseguiu resolver antigos desafios, caso dos flanelinhas e pedintes. Também evidenciou problemas que permanecem ao cruzar as esquinas, como a falta de iluminação e as calçadas esburacadas em quarteirões fora do miolo revitalizado.

 

É quando escurece que a Savassi parece encontrar sua mais forte vocação. Sentada em um dos bancos com uma amiga, Isabel Chaves, de 18 anos, reconhece até um clima “meio francês”, típico do país onde morou por um ano. Isso porque, adiante, a música ao vivo embala a conversa nas mesas ao ar livre e dançarinos dão show na pista improvisada. No quarteirão da música, na Pernambuco, esquina com Tomé de Souza, tem atração todo dia, contratada pela Livraria Status. “Só não tem axé, funk e sertanejo”, ressalva o dono, Rubens Batista, feliz com o aumento do faturamento, mas chateado com a queda na venda dos livros, seu “prato principal” desde 1974.

São 21h de sexta-feira e as mesas estão lotadas, do jeito que a comerciante Sônia Guimarães, de 51, gosta. Aos sábados, o lugar também vira point, a começar pela bossa nova no fim da manhã. “Esse lugar ficou perfeito, passei a frequentar toda semana. Vejo gente de todas as idades aqui”, diz ela, que comemorava o aniversário com amigas. Sentados próximos à fonte, adolescentes ficam à margem desse movimento. De camisas pretas e penteados exóticos, eles olham para a nova Savassi como se ela tivesse perdido sua alma. “Esvaziou demais”, opina o arquivista Mateus Silva, de 17.

A revitalização não trouxe de volta os alternativos que marcavam ponto ali no período anterior às obras. Em compensação, levou outras tribos para a região: famílias, jovens, frequentadores de meia-idade, idosos, todos se encontram na Savassi. A turma do skate está encantada com o novo espaço de manobras. “Aqui é bom demais para dar um rolé. Parece até uma skate plaza (praça feita exclusivamente para a prática da modalidade)”, vibra o psicólogo Rafael Ribeiro, de 27, adepto do freebord, espécie de snowboard de rodinhas.

Fora desse universo radical, um casal de namorados vive clima de romance próximo ao Café Três Corações, no quarteirão da Rua Antônio de Albuquerque, na esquina com a Paraíba. Ao lado, um hippie expõe seu artesanato, à mostra no trecho mais boêmio da praça, lotado de gente. “Hoje, a Savassi não é mais somente das tribos. Difícil agora é achar mesas. Já chegamos até a dividir uma com desconhecidos”, comenta o publicitário Jonny Vinti, de 31, frequentador assíduo.

As mesas, sempre assediadas por crianças com produtos à venda, não são poucas. Pelo contrário, são tantas que até ocupam a passagem de pedestres e ficam grudadas nos bancos públicos. Essa é, inclusive, uma das marcas negativas que a boemia deixa na Savassi. Sem falar nos canteiros de terra batida sem grama e cheios de tampas de garrafa, além dos engradados empilhados nas calçadas. Muito lixo se acumula também nas esquinas.

Nos outros dois quarteirões revitalizados, o movimento da noite ainda não vingou. Em compensação, de dia, são endereço certo do descanso do almoço de quem trabalha na região. À noite, nesses espaços vazios, fica mais evidente que, ao romper os limites das áreas reformadas, problemas antigos da região persistem. Em meio às ruas escuras, flanelinhas disputam motoristas na Rua Alagoas. Na Tomé de Souza, crateras são obstáculos a pedestres e o breu toma conta da Avenida Cristóvão Colombo. “Saiu do miolo, vira uma porcaria”, reclama o artista plástico Carlos Carretero, de 65, há 15 com ateliê na Savassi.

Ponto de encontro
Artistas e intelectuais nunca abandonaram a região e continuam marcando presença. O grupo Extrema Savassi – que tem entre os integrantes o artista plástico Paulo Laender, o psiquiatra Arnaldo Madruga e o violonista Juarez Moreira – tem mesa cativa no Café Três Corações. Mesmo debaixo de chuva, eles estão lá. “Fazemos aqui o que os europeus fazem todos os dias”, diz Arnaldo, entre cafés e amigos. “Reunimos aqui todas as tendências”, brinca Juarez. Paulo Laender só sente falta de uma obra de arte. “Aprendi cinema no Pathé. A Savassi é um ponto de encontro entre ideias e pessoas. Por isso, precisa de um marco referencial”, sugere.

E, como na Savassi também se vive, moradores dão sua opinião sobre o balanço desse primeiro ano depois da revitalização. “A cidade ficou mais viva depois dessa reforma, com mais um lugar para o lazer da família”, opina o aposentado Maurílio Simões, de 72, que mora na praça há 24 anos. “Mas a obra não foi concluída. Faltam placas de sinalização do trânsito e volta e meia tem carro no quarteirão fechado, na área de saída da garagem do prédio”, completa. Ele mostra conhecimento de causa do projeto. “A área de manobra ficou pequena e os carros vivem batendo no cachepô (vaso decorativo de plantas).” Anotou aí, prefeitura?

Comércio aguarda retorno

Enquanto donos de bares e restaurantes na Savassi estão rindo de orelha a orelha, comerciantes que sobreviveram às obras consideram que um ano foi pouco para recuperar os prejuízos e ainda amargam alta de em média 50% no preço dos aluguéis depois da revitalização. A dificuldade de a região se reerguer está estampada em lojas e prédios inteiros fechados, à espera de inquilinos. Apenas no quadrilátero formado pelas ruas Fernandes Tourinho, Paraíba, Alagoas e Tomé de Souza, a estimativa da Associação dos Lojistas da Savassi (Alsa) é de que cerca de 60 lojas tenham fechado ao longo das intervenções.


“A obra beneficiou os bares e ainda não deu retorno aos lojistas. Perdemos vagas de estacionamento, o que espantou nossos clientes. O resto das ruas continua um breu, com passeios esburacados”, afirma a presidente da Alsa e diretora da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), Maria Auxiliadora Teixeira de Souza. Há 23 anos vendendo bijuterias finas na Savassi, ela calcula que suas vendas caíram 30% em relação ao período anterior às obras.


Para o presidente da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI/Secovi), Evandro Negrão de Lima, a alta dos aluguéis está ligada também ao reajuste de contratos antigos. “Houve uma melhora da região, mas, além disso, havia contratos que não eram reajustados havia muito tempo. Encontramos na Região da Savassi aluguéis de R$ 50 a R$ 120 o metro quadrado”, afirma ele, que não identifica mudança no perfil de ocupação dos imóveis depois da reforma. “A Savassi continua reconhecida como um ponto de comércio mais elitizado em relação ao Centro”, avalia.

Estacionamento
De acordo com a BHTrans, empresa que administra o trânsito na capital, 111 vagas rotativas foram retiradas com o fechamento dos quatro quarteirões. Numa sexta-feira à noite, os amigos William Douglas, de 25 anos, e Eufrânio Herdes, de 19, levaram 20 minutos para estacionar o carro. “É muito difícil e não há qualquer opção de estacionamento, nem para pagarmos”, reclama William. Uma das soluções que diminuiria o problema ainda está em aberto: a Secretaria Municipal de Desenvolvimento faz no fim do mês reunião do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (PPP) para definir novo período de consulta pública sobre o edital dos estacionamentos subterrâneos. A primeira licitação não teve nenhum interessado. Inicialmente, a ideia da prefeitura era criar 3.469 vagas subterrâneas, sendo 1.156 na Savassi, nas ruas Tomé de Souza, Paraíba e Fernandes Tourinho.

Via Albuquerque
Satisfeito com o foco dado ao pedestre na revitalização, o diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas da região (CDL/Savassi), Alessandro Runcini, ainda tenta alavancar o projeto da Via Albuquerque, que pretender tornar a Rua Antônio de Albuquerque num endereço de glamour, assim como a paulistana Oscar Freire. Por cerca de dois meses, as lojas da via funcionaram com o horário estendido, até as 21h, mas sem sucesso. “Verificamos que quatro quarteirões fechando mais tarde não seria um atrativo suficiente para o público. A ideia não morreu, mas estamos mais ‘pé no chão’ e queremos abranger um número maior de lojistas”, ressalta, sem anunciar datas para um novo teste. (FA)


Banhos e lixo

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Brinquedo para as crianças, descanso para os adultos, cenário para as fotografias dos turistas, toque humanizado na arquitetura cinza da cidade, tratamento para os pulmões e até piscina para os mais ousados. Foram muitas as atribuições que as quatro fontes instaladas na Praça Diogo de Vasconcelos conquistaram ao longo de um ano. Ligadas diariamente das 11h às 14h e das 17h às 22h, elas viraram atração do lugar e, com as fontes da Praça da Estação, são, em BH, as únicas interativas, ou seja, que permitem contato físico.


Os frequentadores levaram esse conceito ao pé da letra. Em setembro, uma banhista chamou a atenção ao usar biquíni, óculos de sol e chinelos para se refrescar do calor de mais de 30 graus nas fontes da Savassi. A arquiteta Edwiges Leal, que assina o projeto de revitalização, conta que debaixo de cada fonte há uma casa de máquinas em que a água recebe tratamento químico e biológico. “É igual a uma piscina pública clorada. As pessoas podem tocar sem medo. A ideia é que seja um local de brincadeira e interação”, conta Edwiges.


A tecnologia também evita o desperdício, pois a mesma água é reutilizada. “A água circula e é novamente lançada pelos jatos. Com efeito champanhe, pode atingir até dois metros de altura”, conta Edwiges. Por causa de veto da BHTrans, os jatos estão programados para atingir no máximo um metro de altura. “As fontes são como cortinas que filtram o estresse das avenidas e dão clima mais intimista aos quarteirões fechados. Por serem mais altas que as vias, também resguardam as pessoas da violência do trânsito”, explica Edwiges.


Perto das fontes, artistas plásticos da Esquina da arte, feira que ocorre no quarteirão da Rua Pernambuco desde 1996, voltaram a expôr suas criações. Os quadros têm a cortina de água como moldura. “Ficou um ambiente muito agradável. Parece que a água nos faz voltar à infância”, conta o artista plástico Fernando Palma, de 64 anos, satisfeito com a nova Savassi.

De fato, não é raro ver olhares infantis encantados com o espetáculo das águas nem uma mãozinha acariciando a “piscina pública”. Sempre que pode, Rodrigo Reis, de 39, leva as filhas Isabella, de 2 anos, e Letícia, de 4 meses, para passear na Savassi. Enquanto a mãe das meninas vai às compras, o pai fica com as duas bem perto das fontes. “Tira o estresse e ainda umidifica os pulmões”, ensina.


(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
O problema é que muitas vezes as fontes param de funcionar. Desde a semana passada, a localizada em frente ao McDonald’s está estragada. A Secretaria Municipal de Obras informou que o motor parou por causa do lixo jogado pelos frequentadores e que o reparo está sendo providenciado.

 

Palavra de especialista

É preciso melhor trato com espaço

Edwiges Leal
arquiteta que assina o projeto de revitalização da Savassi

Um diagnóstico antes da revitalização identificou a Savassi como centro de compras e de entretenimento. A partir disso, pensamos num espaço voltado para o pedestre. Nesse sentido, ela encontrou sua vocação. É bom lembrar que o projeto sofreu corte de verbas e duas das oito ruas previstas foram revitalizadas. Se fosse feito por completo, teríamos um recorte mais exemplar e maior simpatia da população. Outra questão é o fato de nossa convivência urbana ainda estar em formação. Não somos educados no trato do espaço público. Na Savassi, há muito lixo, tampa de garrafa. Onde tem bar, as plantas não crescem nos canteiros. Também estão faltando flores. 


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