Jornal Estado de Minas

Savassi de cara nova enfrenta desafios antigos

Ao dar prioridade a pedestres, a área reinaugurada em maio de 2012 reencontrou sua vocação cultural, atraiu público diverso e se fixou como endereço cobiçado da boemia. Comércio ainda tenta se recuperar do baque das obras e da perda de mais de 100 vagas de estacionamento, além da disparada dos aluguéis

Jorge Macedo - especial para o EM
Flávia Ayer

- Foto: Sergio Amzalak/Esp.EM/D.A Press
“Há anos prometida, enfim, a revitalização deve sair do papel, e aí… o que será da Savassi?” A frase encerrava reportagem do Estado de Minas publicada em 2010 em comemoração aos 70 anos de uma das regiões mais charmosas da cidade e com o anúncio de sua esperada reformaDepois de reclamações e muita pressão, a obra no quadrilátero cortado pelas avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas ocorreu e a revitalização está prestes a completar um ano diante de uma nova pergunta: em que se transformou a Savassi? Ao dar prioridade a pedestres e tirar espaço dos carros, a área, reinaugurada em 10 de maio de 2012 após investimento de R$ 11,8 milhões, reencontrou sua vocação cultural, atraiu público diverso e se fixou como endereço cobiçado da boemiaPor sua vez, o comércio ainda tenta se recuperar do baque das obras e da perda de mais de 100 vagas de estacionamento, além da disparada dos aluguéisE apesar de a reforma ter dado tratamento especial à Praça Diogo de Vasconcelos e aos quarteirões fechados das ruas Antônio de Albuquerque e Pernambuco, não conseguiu resolver antigos desafios, caso dos flanelinhas e pedintesTambém evidenciou problemas que permanecem ao cruzar as esquinas, como a falta de iluminação e as calçadas esburacadas em quarteirões fora do miolo revitalizado.

 

É quando escurece que a Savassi parece encontrar sua mais forte vocaçãoSentada em um dos bancos com uma amiga, Isabel Chaves, de 18 anos, reconhece até um clima “meio francês”, típico do país onde morou por um anoIsso porque, adiante, a música ao vivo embala a conversa nas mesas ao ar livre e dançarinos dão show na pista improvisadaNo quarteirão da música, na Pernambuco, esquina com Tomé de Souza, tem atração todo dia, contratada pela Livraria Status“Só não tem axé, funk e sertanejo”, ressalva o dono, Rubens Batista, feliz com o aumento do faturamento, mas chateado com a queda na venda dos livros, seu “prato principal” desde 1974.

São 21h de sexta-feira e as mesas estão lotadas, do jeito que a comerciante Sônia Guimarães, de 51, gostaAos sábados, o lugar também vira point, a começar pela bossa nova no fim da manhã“Esse lugar ficou perfeito, passei a frequentar toda semana

Vejo gente de todas as idades aqui”, diz ela, que comemorava o aniversário com amigasSentados próximos à fonte, adolescentes ficam à margem desse movimentoDe camisas pretas e penteados exóticos, eles olham para a nova Savassi como se ela tivesse perdido sua alma“Esvaziou demais”, opina o arquivista Mateus Silva, de 17.

A revitalização não trouxe de volta os alternativos que marcavam ponto ali no período anterior às obrasEm compensação, levou outras tribos para a região: famílias, jovens, frequentadores de meia-idade, idosos, todos se encontram na SavassiA turma do skate está encantada com o novo espaço de manobras“Aqui é bom demais para dar um roléParece até uma skate plaza (praça feita exclusivamente para a prática da modalidade)”, vibra o psicólogo Rafael Ribeiro, de 27, adepto do freebord, espécie de snowboard de rodinhas.

Fora desse universo radical, um casal de namorados vive clima de romance próximo ao Café Três Corações, no quarteirão da Rua Antônio de Albuquerque, na esquina com a ParaíbaAo lado, um hippie expõe seu artesanato, à mostra no trecho mais boêmio da praça, lotado de gente“Hoje, a Savassi não é mais somente das tribos
Difícil agora é achar mesasJá chegamos até a dividir uma com desconhecidos”, comenta o publicitário Jonny Vinti, de 31, frequentador assíduo.

As mesas, sempre assediadas por crianças com produtos à venda, não são poucasPelo contrário, são tantas que até ocupam a passagem de pedestres e ficam grudadas nos bancos públicosEssa é, inclusive, uma das marcas negativas que a boemia deixa na SavassiSem falar nos canteiros de terra batida sem grama e cheios de tampas de garrafa, além dos engradados empilhados nas calçadasMuito lixo se acumula também nas esquinas.

Nos outros dois quarteirões revitalizados, o movimento da noite ainda não vingou Em compensação, de dia, são endereço certo do descanso do almoço de quem trabalha na regiãoÀ noite, nesses espaços vazios, fica mais evidente que, ao romper os limites das áreas reformadas, problemas antigos da região persistemEm meio às ruas escuras, flanelinhas disputam motoristas na Rua AlagoasNa Tomé de Souza, crateras são obstáculos a pedestres e o breu toma conta da Avenida Cristóvão Colombo“Saiu do miolo, vira uma porcaria”, reclama o artista plástico Carlos Carretero, de 65, há 15 com ateliê na Savassi.

Ponto de encontro
Artistas e intelectuais nunca abandonaram a região e continuam marcando presençaO grupo Extrema Savassi – que tem entre os integrantes o artista plástico Paulo Laender, o psiquiatra Arnaldo Madruga e o violonista Juarez Moreira – tem mesa cativa no Café Três CoraçõesMesmo debaixo de chuva, eles estão lá“Fazemos aqui o que os europeus fazem todos os dias”, diz Arnaldo, entre cafés e amigos“Reunimos aqui todas as tendências”, brinca JuarezPaulo Laender só sente falta de uma obra de arte“Aprendi cinema no PathéA Savassi é um ponto de encontro entre ideias e pessoasPor isso, precisa de um marco referencial”, sugere.

E, como na Savassi também se vive, moradores dão sua opinião sobre o balanço desse primeiro ano depois da revitalização“A cidade ficou mais viva depois dessa reforma, com mais um lugar para o lazer da família”, opina o aposentado Maurílio Simões, de 72, que mora na praça há 24 anos“Mas a obra não foi concluídaFaltam placas de sinalização do trânsito e volta e meia tem carro no quarteirão fechado, na área de saída da garagem do prédio”, completaEle mostra conhecimento de causa do projeto“A área de manobra ficou pequena e os carros vivem batendo no cachepô (vaso decorativo de plantas).” Anotou aí, prefeitura?

Comércio aguarda retorno

Enquanto donos de bares e restaurantes na Savassi estão rindo de orelha a orelha, comerciantes que sobreviveram às obras consideram que um ano foi pouco para recuperar os prejuízos e ainda amargam alta de em média 50% no preço dos aluguéis depois da revitalizaçãoA dificuldade de a região se reerguer está estampada em lojas e prédios inteiros fechados, à espera de inquilinosApenas no quadrilátero formado pelas ruas Fernandes Tourinho, Paraíba, Alagoas e Tomé de Souza, a estimativa da Associação dos Lojistas da Savassi (Alsa) é de que cerca de 60 lojas tenham fechado ao longo das intervenções.


“A obra beneficiou os bares e ainda não deu retorno aos lojistasPerdemos vagas de estacionamento, o que espantou nossos clientesO resto das ruas continua um breu, com passeios esburacados”, afirma a presidente da Alsa e diretora da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas), Maria Auxiliadora Teixeira de SouzaHá 23 anos vendendo bijuterias finas na Savassi, ela calcula que suas vendas caíram 30% em relação ao período anterior às obras


Para o presidente da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI/Secovi), Evandro Negrão de Lima, a alta dos aluguéis está ligada também ao reajuste de contratos antigos“Houve uma melhora da região, mas, além disso, havia contratos que não eram reajustados havia muito tempoEncontramos na Região da Savassi aluguéis de R$ 50 a R$ 120 o metro quadrado”, afirma ele, que não identifica mudança no perfil de ocupação dos imóveis depois da reforma“A Savassi continua reconhecida como um ponto de comércio mais elitizado em relação ao Centro”, avalia.

Estacionamento
De acordo com a BHTrans, empresa que administra o trânsito na capital, 111 vagas rotativas foram retiradas com o fechamento dos quatro quarteirõesNuma sexta-feira à noite, os amigos William Douglas, de 25 anos, e Eufrânio Herdes, de 19, levaram 20 minutos para estacionar o carro“É muito difícil e não há qualquer opção de estacionamento, nem para pagarmos”, reclama William Uma das soluções que diminuiria o problema ainda está em aberto: a Secretaria Municipal de Desenvolvimento faz no fim do mês reunião do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas (PPP) para definir novo período de consulta pública sobre o edital dos estacionamentos subterrâneosA primeira licitação não teve nenhum interessado Inicialmente, a ideia da prefeitura era criar 3.469 vagas subterrâneas, sendo 1.156 na Savassi, nas ruas Tomé de Souza, Paraíba e Fernandes Tourinho.

Via Albuquerque
Satisfeito com o foco dado ao pedestre na revitalização, o diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas da região (CDL/Savassi), Alessandro Runcini, ainda tenta alavancar o projeto da Via Albuquerque, que pretender tornar a Rua Antônio de Albuquerque num endereço de glamour, assim como a paulistana Oscar FreirePor cerca de dois meses, as lojas da via funcionaram com o horário estendido, até as 21h, mas sem sucesso“Verificamos que quatro quarteirões fechando mais tarde não seria um atrativo suficiente para o públicoA ideia não morreu, mas estamos mais ‘pé no chão’ e queremos abranger um número maior de lojistas”, ressalta, sem anunciar datas para um novo teste (FA)


Banhos e lixo

- Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Brinquedo para as crianças, descanso para os adultos, cenário para as fotografias dos turistas, toque humanizado na arquitetura cinza da cidade, tratamento para os pulmões e até piscina para os mais ousadosForam muitas as atribuições que as quatro fontes instaladas na Praça Diogo de Vasconcelos conquistaram ao longo de um anoLigadas diariamente das 11h às 14h e das 17h às 22h, elas viraram atração do lugar e, com as fontes da Praça da Estação, são, em BH, as únicas interativas, ou seja, que permitem contato físico.


Os frequentadores levaram esse conceito ao pé da letraEm setembro, uma banhista chamou a atenção ao usar biquíni, óculos de sol e chinelos para se refrescar do calor de mais de 30 graus nas fontes da SavassiA arquiteta Edwiges Leal, que assina o projeto de revitalização, conta que debaixo de cada fonte há uma casa de máquinas em que a água recebe tratamento químico e biológico“É igual a uma piscina pública cloradaAs pessoas podem tocar sem medoA ideia é que seja um local de brincadeira e interação”, conta Edwiges.


A tecnologia também evita o desperdício, pois a mesma água é reutilizada“A água circula e é novamente lançada pelos jatosCom efeito champanhe, pode atingir até dois metros de altura”, conta EdwigesPor causa de veto da BHTrans, os jatos estão programados para atingir no máximo um metro de altura“As fontes são como cortinas que filtram o estresse das avenidas e dão clima mais intimista aos quarteirões fechadosPor serem mais altas que as vias, também resguardam as pessoas da violência do trânsito”, explica Edwiges.


Perto das fontes, artistas plásticos da Esquina da arte, feira que ocorre no quarteirão da Rua Pernambuco desde 1996, voltaram a expôr suas criaçõesOs quadros têm a cortina de água como moldura“Ficou um ambiente muito agradávelParece que a água nos faz voltar à infância”, conta o artista plástico Fernando Palma, de 64 anos, satisfeito com a nova Savassi.

De fato, não é raro ver olhares infantis encantados com o espetáculo das águas nem uma mãozinha acariciando a “piscina pública”Sempre que pode, Rodrigo Reis, de 39, leva as filhas Isabella, de 2 anos, e Letícia, de 4 meses, para passear na SavassiEnquanto a mãe das meninas vai às compras, o pai fica com as duas bem perto das fontes“Tira o estresse e ainda umidifica os pulmões”, ensina.


- Foto: Marcos Vieira/EM/D.A PressO problema é que muitas vezes as fontes param de funcionarDesde a semana passada, a localizada em frente ao McDonald’s está estragadaA Secretaria Municipal de Obras informou que o motor parou por causa do lixo jogado pelos frequentadores e que o reparo está sendo providenciado

 

Palavra de especialista

É preciso melhor trato com espaço

Edwiges Leal
arquiteta que assina o projeto de revitalização da Savassi

Um diagnóstico antes da revitalização identificou a Savassi como centro de compras e de entretenimentoA partir disso, pensamos num espaço voltado para o pedestreNesse sentido, ela encontrou sua vocaçãoÉ bom lembrar que o projeto sofreu corte de verbas e duas das oito ruas previstas foram revitalizadasSe fosse feito por completo, teríamos um recorte mais exemplar e maior simpatia da populaçãoOutra questão é o fato de nossa convivência urbana ainda estar em formaçãoNão somos educados no trato do espaço públicoNa Savassi, há muito lixo, tampa de garrafaOnde tem bar, as plantas não crescem nos canteirosTambém estão faltando flores.