Jornal Estado de Minas

Corrupção encobria abortos praticados por quadrilha na capital

MP identifica grupo que cobrava por interrupção da gravidez em BH e na Grande São Paulo. Médicos são presos em Minas e policiais civis que acobertavam esquema são investigados

Mateus Parreiras
A ação de policiais civis que acobertavam uma quadrilha que realizava abortos clandestinos com atuação em Belo Horizonte e em Diadema (Grande São Paulo) vai ser investigada pela Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais
A situação veio à tona depois da prisão e dos depoimentos de dois médicos e outros quatro integrantes do grupo na capital mineira, na manhã de ontemAo todo foram 24 detidos nos dois estadosOs criminosos eram monitorados por escutas telefônicas e trocas de mensagens por e-mails, sites e blogs, desde maio do ano passadoDe acordo com as apurações da Promotoria de Justiça de Combate a Crimes Cibernéticos, o esquema teria interrompido a gravidez de pelo menos 70 pacientes por meios cirúrgicos, mediante valores que giravam de R$ 3 mil a R$ 8 milA clínica ilegal funcionava em uma casa da Rua Alvarenga Peixoto, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de BH, e suas atividades, apesar de criminosas, vinham sendo denunciadas desde 2007, sem qualquer providência do poder público.

“A impressão que temos é a de que a atividade (aborto ilegal) era feita sem muita preocupaçãoPor isso, a participação de agentes do Estado e a falta de uma ação contra os criminosos serão alvo de mais investigações”, disse o promotor do caso, Mário KonichiEm BH, o procedimento era feito por meio de indução, um processo cirúrgico em que se extrai líquido do cordão umbilical, matando o feto, que pode ser expelido entre 24 horas e 15 dias.

Segundo descreveu o promotor, a casa onde os procedimentos eram feitos não chamava a atenção nem se destacava, apesar de receber mulheres grávidas e da circulação de médicosA denúncia que levou a procuradoria a investigar a quadrilha foi feita em 2011, mas desde 2007 vem sendo denunciada a ação de aborteiros no localUm dos médicos seria conhecido como “doutor Cássio”Sem qualquer embaraço, o homem já recebia os casais ou mulheres grávidas perguntando se já tinham os exames de ultrassom
“Entre os agenciadores que captavam clientes havia até um flanelinha e uma lavadeira, que chegavam a participar dos procedimentos, mesmo não tendo qualquer experiência médica”, descreve Kinochi.

A pena por realização de aborto ilegal com consentimento da gestante é de um a três anos, julgada por júri popular, por se tratar de crime contra a vidaPor formação de quadrilha, os envolvidos podem ser condenados a penas semelhantesAs gestantes também podem ser processadas“Em Diadema, em uma das escutas, chegamos a saber que um bebê nasceu durante o procedimentoNesse caso, o crime será tratado como homicídio”, afirma o promotor.

Pelas investigações, ficou provado que mulheres de vários níveis sociais recorriam aos serviçosE isso influenciava no preço, como no caso de uma mulher que era amante de um homem rico e casado, que ao recorrer aos aborteiros teve de pagar R$ 8 milEm Diadema, quando as pacientes passavam mal ou sentiam dores, eram levadas de casa para a clínica clandestina por um taxista que fazia parte do esquema e cobrava até R$ 1 mil pela corrida sigilosa.

A operação de prisão ficou a cargo do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam), que precisou aguardar o momento exato, já que em Diadema a ação era diária, mas era esporádica na capital mineira“A ação tinha de começar em BH, senão haveria comprometimentoMonitoramos os telefonemas do médicoQuando ele disse que viria de São Paulo a BH, fizemos o pedido de mandados de prisão, busca e apreensão e o detivemos no aeroporto de Confins, por volta do meio-dia (de ontem)”, conta o promotor
O outro médico que agia em Minas foi preso em Passos, no Sul do estado.