Jornal Estado de Minas

Operação para coibir o aborto termina com 24 presos em BH e SP

Na capital mineira foram presos dois médicos e outras quatro pessoas. No interior paulista foram realizadas outras 18 prisões.

João Henrique do Vale Daniel Silveira Mateus Parreiras
Setenta gestações interrompidas em um ano
Este é o número de abortos comprovadamente realizados desde março do ano passado em uma clínica localizada em endereço nobre de Belo HorizonteO local já havia sido denunciado pela imprensa, mas as autoridades policiais ignoraram o casoPorém, o Ministério Público (MP) do estado investigou a situação e nesta segunda-feira viabilizou a prisão de dois médicos e outras quatro pessoas que atuavam na capital mineira e outras 18 pessoas ligadas à quadrilha em Diadema, interior de São PauloO alvo das investigações agora, segundo o MP, é a omissão da Polícia Civil frente às denúnciasHá suspeita de que policiais civis integrassem o esquema criminoso.

O MPMG não divulgou a identidade das pessoas presas, mas citou que um dos médicos é conhecido como Doutor CássioUm foi localizado e preso em Passos, no Sul de Minas, e o outro detido no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, no momento em que desembarcou no terminal, retornando de São PauloAs outras quatro pessoas foram presas na capitalInicialmente o MP informou que foram presas 26 pessoas durante a operação, mas efetivamente estão presas 24 – seis em BH e 18 no interior paulista.

A 'Operação Vida', como foi chamada, foi deflagrada em março de 2012 após representação formal da denúncia junto à Coordenadoria Estadual de Combate aos Crimes CibernéticosSegundo o MP, a quadrilha utilizava sites na internet para oferecer o serviço à mulheres que desejavam interromper a gravidezO preço médio cobrado em BH variava entre R$ 3 mil e R$ 6 mil reais
Na clínica localizada na Rua Alvarenga Peixoto, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de BH, o principal método abortivo utilizado era a indução, uma pequena intervenção cirúrgica que retirava líquido do cordão-umbilical do feto, que morre e é expelido naturalmente entre 24 horas e 15 dias após o procedimentoSegundo o MP, o grupo também comercializava medicamentos abortivos proibidos no Brasil e realizava a chamada “curetagem”, para retirada do feto e da placenta.

Para identificar todos os integrantes da quadrilha e compreender qual a efetiva participação de cada um, a Justiça autorizou o Ministério Público a fazer interceptações telefônicas dos números indicados nos sites em que o grupo divulgava os serviçosOs dois núcleos da quadrilha, em BH e Diadema, atuavam de forma colaborativa, indicando interessadas um ao outro.

A denúncia foi formalizada ao MP em setembro de 2011, após ser divulgada uma reportagem, em um site noticioso local, sobre uma clínica em área nobre da cidade que cobrava R$ 3 mil para realizar abortosO MP não soube precisar quando a clínica iniciou as atividades, mas sabe-se que ao menos desde 2007 ela oferecia o serviçoDesde o início das investigações a Coordenadoria conseguiu comprovar a realização de 70 abortos em BH.

Segundo o MP, durante as investigações foi evidenciada a participação nesta organização criminosa de agente públicos e policiais civisEles seriam pagos para proporcionar segurança aos integrantes do grupoAs investigações são mantidas para identificar os policiais que acobertavam o esquema.

Crime

No Brasil, o aborto é considerado crime, previsto no Código Penal entre os Crimes Contra a VidaA pena para quem provoca o aborto com o consentimento da gestante varia de 1 a 3 anos de prisãoSe for sem o consentimento da mãe, pode chegar a 10 anos de reclusãoAlém de responderem criminalmente por aborto, os presos nesta operação do MP podem ser indiciados também por formação de quadrilha, com pena de reclusão de 1 a 3 anos de prisão
A legislação só permite a interrupção da gestação em casos de risco à saúde da gestante ou quando a gravidez é resultante de um estupro

Na última semana, o Conselho Federal de Medicina (CFM), pela primeira vez, se manifestou sobre o assuntoO órgão recomendou ao Senado a liberação do aborto até a 12ª semana de gestaçãoA recomendação dos conselheiros é válida em caso de gravidez por emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; anencefalia ou feto com graves e incuráveis anomalias, atestado por dois médicos ou por vontade da gestante, dentro das 12 primeiras semanas, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas para a maternidade

No parecer enviado ao Senado, o CMF destacou que não é a favor do aborto, mas da autonomia do médico e da mulherDe acordo com o órgão, o abortamento responde por grande parte da mortalidade materna no paísAlém disso, complicações em decorrência do aborto representam a terceira causa de ocupação dos leitos obstétricosLevantamento realizado no Sistema Único de Saúde (SUS) apontou que, em 2011, foram realizadas 243 mil internações por curetagens após aborto em todo o Brasil.