Jornal Estado de Minas

Mulher doa rim para o marido

Cirurgia foi realizada há dois meses e deu ao casal a esperança de uma nova vida. Além desse órgão, apenas pulmão e fígado podem ser transplantados de um doador vivo

Humberto Siqueira

Charles Simão Filho, diretor do complexo MG Transplantes, explica que o paciente é inscrito numa fila única nacional do Ministério da Saúde à espera de um doador - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Números e percentuais flutuam na mente do paciente à espera de um transplanteEle pensa em número de dias, probabilidades, percentuaisIsso tudo porque as chances de encontrar um órgão compatível tem inúmeras variáveisA começar pelo tipo de órgão pelo qual se esperaAs chances de conseguir um rim superam as de um coração, por exemploAté porque, o rim pode ser doado por um doador vivo, o que é impossível para um coração


Além disso, o paciente se pega pensado nos números de sua pontuação na fila de esperaSegundo Charles Simão Filho, diretor do complexo MG Transplantes, as doenças costumam evoluir, permitindo ao médico já entrar em contato com a equipe transplantadora antes do estágio mais crítico"O paciente é inscrito numa fila única nacional do Ministério da SaúdeA partir daí concorre, com uma escala de pontuação, a todos os órgãos que surgir", explica


Mesmo diante de uma situação delicada, demandando um transplante de rim, o operador de equipamentos Onézio Diniz Costa, de 52 anos, teve a felicidade de não precisar engrossar essa fila

Conseguiu a salvação dentro de casaA mulher de Onézio, a coordenadora pedagógica Márcia Rosana Gomes Diniz Costa, de 51, foi a doadoraEle tem um histórico familiar, e foi vítima de rim policísticoExatamente por isso, nenhum parente poderia doar, pois são todos passíveis de sofrer do mesmo malFoi quando Márcia se dispôs a avaliar a compatibilidade com o maridoDepois de se submeter a 13 meses de exames, ela se revelou doadora potencial e não hesitou em abrir mão de um rim para o marido, com quem tem dois filhos


A cirurgia foi realizada há dois meses, dando a eles esperança de uma vida nova"Quando acordamos e olhamos um para o outro, foi uma emoção enormeFiquei muito feliz de imaginar que poderemos ter vida novaFaria tudo novamente", garante Márcia, que é casada com Onézio há 25 anos

"Minha vida continua normalVivo tranquilamente com um rimO impacto maior é para Onézio, que precisará de medicamentos para o resto da vida e cuidados maiores com a higiene, já que o remédio faz com que ele fique mais vulnerável, já que freia a atuação do sistema imunológico", acrescenta.


Pacientes que não têm a mesma sorte de Onézio entram na fila e são avaliados em diferentes critériosA prioridade para transplante de fígado, por exemplo, se dá pela gravidade do doente, mensurada pelo Sistema Meld (modelo para doença hepática terminal)Esse cálculo é feito a partir de uma avaliação clinicolaboratorial do paciente e pela presença de tumores hepáticosNos transplantes de rim, rim–pâncreas e de pâncres isoladamente, o principal critério é a compatibilidade de HLA (imunológica)O HLA é medido no sangue do doador e do receptorFunciona como impressões digitais: quanto maior a proximidade entre essa impressão, menor o grau da rejeição"Nas hepatites fulminantes, o fígado tem que ser transplantado imediatamenteCaso contrário, o paciente evolui para óbito, em geral, em 48 horas", completa Lúcio Pacheco, vice- presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).


Já no caso da distribuição de pulmão e coração, prioriza-se o tempo de espera e a proporção do tamanho entre doador e receptor"Um doador de grande porte físico não pode doar para alguém de pequeno porte, pois não seria possível acomodar o órgão na caixa torácicaA diferença de peso não pode exceder 20%", explica Charles
No caso do rim, parte do fígado ou do pulmão, pode ocorrer transplante com doador vivoA legislação brasileira aceita cônjuges e parentes até o quarto grauNão parentes somente com autorização judicialOs doadores vivos de rim e de fígado voltam a ter vida normal após a doação

RESTRIÇÕES Não podem doar, vivos ou em óbito, pessoas com sorologia positiva para os vírus T-linfotrópicos humanos; imunodeficiência adquirida; tuberculose ativa; sepse refratária; infecções fúngicas graves, infecções virais graves (exceto hepatites B e C) e neoplasia (exceto tumor primitivo do sistema nervoso central, carcinoma basocelular e carcinoma in situ do colo uterino)


Segundo Lúcio, a avaliação desses fatores junto aos doadores cabe às equipes de transplante"Entretanto, no caso de receptores também com Aids, hepatite C ou hepatite B, esses doadores podem ser utilizados nos casos de urgênciaA equipe de transplante pode pesar o risco/benefício de buscar doadores que normalmente não seriam utilizados", pondera
A idade biológica do doador é mais importante do que a idade cronológicaA inspeção direta do órgão durante o procedimento de retirada é fundamental para a decisão de sua utilização no transplanteÉ sempre preferível que haja compatibilidade do tipo sanguíneo do paciente com o doador.


Conforme Charles, a rejeição, quando acontece, é um processo crônico que deve ser detectado precocemente pelo acompanhamento médico"Nesse caso, deve-se ajustar a dose de medicação imunossupressora para aquela situação específica."


O uso da medicação será para o resto da vida após o transplante"Quando doadores e receptores apresentam compatibilidade maior, podemos diminuir a necessidade de imunossupressoresAtualmente, existem drogas muito potentes, mas se elas forem usadas em doses altas, o paciente transplantado não apresentará rejeição, mas morrerá de infecção", pontua Lúcio"O transplantado deve ser um paciente extremamente disciplinado, deve visitar seu médico frequentemente e seguir todas as regras por ele determinadas", acrescenta CharlesA sobrevida de pacientes depois do transplante depende do órgão transplantado.