A carteira escolar era a arquibancada, com o número do candidato marcado no cimento; a mesa, uma prancheta de compensado; e a sala de aula, o templo máximo do futebol no estadoDe 1970 a 1977, durante a ditadura militar, o vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi realizado no estádio Mineirão, na Região da Pampulha, em Belo HorizonteEm vez dos gritos de gol e descontração das torcidas, imperavam o nervosismo e a ansiedade diante das provas de múltipla escolha, feitas durante vários dias por até 25 mil estudantes – hoje o processo seletivo reúne 80 mil.
Dentro e fora do estádio, o vestibular único, instituído por lei federal no fim dos anos 1960, na reforma universitária, se tornava um espetáculo de mídiaO esquema era rigoroso e não faltavam policiais militares, soldados do Exército e até cães ferozes na entrada do estádio, “num combate a um inimigo que não era inimigo”, diz o professor Mauro Mendes Braga, de 62 anos, formado em química e hoje atuando na gestão universitária como assessor do reitor Clélio CampolinaEle explica que o novo sistema representou a modernização do processo seletivo para o ingresso na universidade, mas, paralelamente, havia a visão dos militares de que se tratava de segurança nacional“Eles não confiavam na capacidade das universidade de fazer o vestibular e defendiam a sua realização por organizações como a Fundação CesgranrioE mais: que ocorresse de forma centralizada em espaço físico sob total controle.”
Para garantir ordem e segurança, as autoridades indicaram lugares no quais caberiam todos os estudantesAqui, o Mineirão – cedido pela Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais (Ademg), então responsável pelo local, hoje sob o comando do consórcio Minas Arena –, no Rio de Janeiro (RJ), o Maracanã, e por aí vai..Antes de 1970, prevalecia o modelo bem diferente, já que as provas eram aplicadas nas escolas específicas (de direito, medicina, engenharia etc.), com exames práticos e oraisNuma comparação entre dois tempos, o professor Marcos conta que antes o vestibular era eliminatório“Havia um determinado número de vagas, e passar na prova não significava entrar na universidade
No estádio, nem tudo era concentração – mental, claro, e não própria dos jogadoresMesmo com o silêncio tomando conta no horário de provas, os estudantes tinham minutos de reserva para batucar nas pranchetas ou gritar o nome de alguma celebridadeEm 1975, o nome do jogador Tostão, já afastado dos gramados e candidato a uma vaga no curso de medicina, ecoou no estádio, tão logo ele foi avistadoNum dos vestibulares anteriores, o ex-craque do Cruzeiro e da Seleção Brasileira já havia estado presente, dessa vez numa prova de biologiaUma questão abordava a cirurgia, um traumático descolamento de retina, feita pelo atleta em Houston, no Texas (EUA).
Binóculos
Sol no rosto
Depois de todo o sufoco dos exames, era hora de esperar o resultado e, dependendo dele, correr para o abraçoMelhor mesmo era ouvir o nome no rádioNaqueles tempos sem internet, algumas emissoras divulgavam a lista integral dos aprovados no maior vestibular de Minas, um por umEntão, em casa ou entre amigos, esse momento virava uma festa e as tesouras entravam logo em ação para tosar os cabelos longos, como era moda naqueles distantes anos de 1970.
Linha do tempo
1970 –Por determinação do governo federal, a UFMG institui o vestibular único, que uniformiza o processo seletivo de acesso aos cursos superioresEm janeiro, provas são aplicadas no Mineirão
1977 –Vestibular deixa de ser realizado no Mineirão e provas passam a ser aplicadas em prédios da UFMG e de outras instituições de ensino da capital
1988 – Criada a Comissão Permanente do Vestibular (Copeve), vinculada à reitoria da UFMG e responsável pela determinação e execução de todas as atividades relativas ao processo seletivo
2009 –A universidade federal institui o sistema de bônus para estudantes de escolas públicas
2010 –O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passa a ser a primeira etapa do vestibular da UFMG
2012 – Provas do vestibular (segunda etapa), nos câmpus de Belo Horizonte e de Montes Claros, no Norte de Minas, são realizadas apenas em prédios da UFMG
2013 – Entra em vigor no vestibular o sistema de cotas, que elimina o bônus