Jornal Estado de Minas

Descaso após acidente com cinco mortos deixa a BR-040 parada

Após desastre que matou cinco na BR-040, desencontro de informações e atraso em perícia causam congestionamento gigantesco e deixam corpos nas ferragens por quase cinco horas

Guilherme Paranaiba
Veículo para remoção dos corpos chegou quatro horas depois e ainda foi preciso aguardar perito por 40 minutos - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS


Faltavam apenas 28 quilômetros para completar a viagem de quase 600 entre Belo Horizonte e Búzios, cidade praiana na Região dos Lagos do Rio de JaneiroCom quase 95% do trajeto completo, o carnaval de cinco pessoas terminou de forma trágica no início da manhã dessa quarta-feira, depois que o Cross Fox em que estavam invadiu a contramão e bateu com violência, de frente, em um caminhão na BR-040, matando todos os ocupantes e criando um cenário de guerra na estradaSomada à violência do desastre, a demora para remoção dos corpos provocou um congestionamento gigantesco e evidenciou despreparo e desrespeito não só com as vítimas e seus parentes, mas também com milhares de pessoas que tentavam voltar para casa

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Cross Fox invadiu a contramão e entrou debaixo do caminhão, transformando-se em massa de ferro retorcido - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS Foram mais de cinco horas até que militares do Corpo de Bombeiros retirassem os corpos das ferragens, já que o serviço só teve início depois da chegada da perícia da Polícia Civil, às 11h42, quase quatro horas e 30 minutos depois da batidaA pista só foi liberada às 13h55 e a retenção chegou a 20 quilômetros no sentido BHO acidente ocorreu às 7h15 da manhã, no Km 572, em Itabirito, na Região Central do estadoA principal suspeita é de que o motorista, Bruce Amaro Correa, de 34 anos, tenha cochilado, já que não foram vistas marcas de frenagemCom o desastre, chegou a pelo menos 34 o número de mortos nas estradas de Minas no carnavalO balanço oficial será divulgado hoje, pelas polícias rodoviárias Militar e Federal

Em nota, a Polícia Civil argumentou que o trecho onde aconteceu o acidente é de competência da Delegacia Regional de Ouro Preto, responsável pelo município de ItabiritoNo entanto, alegou que devido ao engarrafamento por causa do desastre, a equipe de plantão em Belo Horizonte teve de ir ao local

Segundo a corporação, os agentes enfrentaram retenções também na viagem entre a capital e o ponto da ocorrência, o que justificaria a demoraCuriosamente, o rabecão, veículo responsável pela remoção dos corpos, que também partiu de BH, chegou às 11h04, quase 40 minutos antes do perito, integrante de equipe reduzida trabalhando em regime de plantão, segundo apurou o Estado de Minas.

Quase 20 minutos depois, às 11h20, chegou ao local o delegado Ramon Sandoli, chefe de Operações Especiais do Detran-MGO policial disse que estava de folga e que foi até o local para tentar resolver o problema da ausência do peritoCom ele chegou também outra versão para a demora: o trabalho deveria ser feito por alguém de Conselheiro Lafaiete“O tráfego ficou complicado de Lafaiete até o local do acidentePor isso, a perícia de BH foi acionada”, afirmou, acrescentando que não comentaria assuntos relacionados ao efetivo da políciaÀs 11h42, enfim, chegou o perito

A equipe do EM ouviu de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que a situação se repete na maioria dos acidentes no trecho, complicando a retomada do trânsito normal e prolongando o sofrimento de amigos e parentes das vítimasAo meio dia, os Bombeiros começaram a cortar pedaços do veículo, e a última vítima foi retirada por volta das 13h

Quase uma hora depois a estrada foi liberada, com a remoção dos dois veículos que se acidentaram
Durante o longo tempo da operação não houve interrupção total do trânsito, mas o tráfego nos dois sentidos fluiu com lentidão, por uma faixa cadaSituação agravada pelos curiosos que reduziam a velocidade e até paravam para tirar fotos, complicando o tráfego e aumentando o risco de mais acidentesO helicóptero do Corpo de Bombeiros esteve no local, diante da esperança de resgatar alguém com vida, mas não foi possívelOs corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal de BH.

 

 
Sucessão de desencontros e de versões
Roney Garcia

É difícil classificar a ação da Polícia Civil no desastre que vitimou cinco pessoas, mas uma tragédia de erros seria uma definição aproximada para o que se viu ontem na BR-040Não é aceitável que falta de pessoal, de planejamento, de coordenação entre equipes, ou a combinação de todos esses fatores, deixe durante cinco horas corpos de seres humanos expostos ao descaso, suas famílias à mercê de uma espera que só agrava a dor e os demais usuários da rodovia parados diante de tamanha exibição de ineficácia oficialAs várias versões para a demora da perícia – que não chegaram a consenso nem sobre qual deveria ser a equipe responsável pela ocorrência –, o fato de o rabecão que partiu de BH ter chegado 40 minutos antes do perito que saiu da mesma cidade, o helicóptero que foi empregado sem socorrer vítimas nem transportar quem pudesse resolver o problema deram aos cidadãos uma demonstração de que as corporações não se falam e menos ainda se completamJá seria grave em um local com estradas em ótimas condições e índices de acidentes baixíssimos nos feriadosEm nossas rodovias, e durante o carnaval, não é admissível.

 

 

‘Achei que tudo ia pegar fogo’

O acidente ocorreu em uma reta, apenas oito quilômetros antes do trecho duplicado da rodovia que liga a capital fluminense a BHO caminhão envolvido estava carregado de cimento e seguia com destino a Lagoa Dourada, no Campo das VertentesO motorista, Luciano Fraga, de 54 anos, ficou traumatizado com o que viuCom lágrimas nos olhos, ele parecia não acreditar na situação“São 26 anos de estrada e é duro ver uma coisa dessasSó me lembro de ver o carro de repente invadindo a contramão e vindo para o meu ladoA impressão que tive é que ele estava a uns 100 km/h e ainda tentou retornar, mas não teve jeito”, conta LucianoEle diz ainda que, depois da batida, ficou desesperado“Só pensava em sair do caminhão, porque achei que tudo ia pegar fogo.”

A cena na BR-040 foi de destruição completaO Cross Fox entrou na parte da frente do caminhão, ficando irreconhecívelDas cinco vítimas, duas eram mãe e filha, de apenas 2 anosEmbora houvesse cadeirinha no carro, a criança foi retirada do colo de um dos ocupantesNo banco dianteiro do passageiro viajava Maria Helena de Andrade Oliveira, de 55No banco de trás morreram Lawana Paula Tavares, 20, e Tamara de Almeida Guimarães Correia, de 29, mãe da pequena Ana Luiza, de 2

Segundo um motorista de ônibus que é cunhado de uma das pessoas que estava na viagem a Búzios, o grupo era composto de 14 pessoas, divididas em três carrosEm um Palio viajavam quatro e em uma caminhonete Ranger as outras cincoO motorista da caminhonete com placa de Búzios disse apenas que o comboio saiu do litoral na terça-feira às 21h e parou na estrada durante a viagem para descansarTodos estavam extremamente abalados, sem condições de dar muitas informações.