O veículo número 3117, fabricado em 1997, está dentro da lei porque a Resolução 14/98 do Contran não exige cinto para aqueles produzidos até 1º de fevereiro de 1999Nesses casos, passageiros e motoristas podem viajar sem o item de segurançaNo domingo, os viajantes foram da cidade destino até a primeira parada, em Realeza (Manhuaçu), amedrontados porque chovia e a estrada estava movimentadaQualquer acidente representaria alto risco para os passageiros desprotegidos
Os clientes compraram bilhetes na Gontijo, empresa parceira da São GeraldoEsperavam viajar no veículo da viação que constava na passagem, mas foram surpreendidos bem perto do horário de embarque, 22h, com a chegada do ônibus da outra companhiaAo perceber que viajariam sem cinto, dois passageiros questionaram o motorista que informou que a empresa resolveria o problema.
Segundo Dorieldo, o motorista não fez o procedimento de praxe - ir até a frente do veículo, se apresentar e conversar com os passageiros pedindo que todos coloquem os cintosPara o passageiro, o condutor ficou constrangido com o fato de não haver cinto de segurança, mesmo com a situação legal do ônibus
O professor José Teixeira também ficou incomodado de seguir viagem“Comprei a passagem e fui enganado, ninguém me avisou sobre isso”Teixeira também é natural de Mutum e mora na capitalJunto com outros passageiros, ele pressionou o motorista a tomar alguma atitude, mas embarcou sem cinto
O ônibus seguiu pela MG-108 e depois pegou a BR-262Alguns passageiros desceram no caminho, em distritos como Lajinha e RedutoPor volta de 1h, quando entraram no trecho federal, Dorieldo ligou para Polícia Rodoviária Federal (PRF) e foi questionado sobre o ano de fabricação do veículoOs policiais informaram ao passageiro sobre a resolução do Contran, que permite o transporte sem cinto
Remanejados
Na primeira parada, os passageiros desceram e perceberam uma movimentação de funcionários das duas viaçõesMotoristas conversaram entre si e um dos condutores comunicou aos passageiros do 3117 que eles seguiriam em outros ônibusAs pessoas foram distribuídas em veículos que também estavam na parada e tinham destino semelhante
Dorieldo e Teixeira viajaram em um ônibus da Gontijo que saiu de Guarapari (ES) para BHCom a passagem original, desceriam na rodoviária no Centro da capitalCom a mudança, tiveram que desembarcar no terminal auxiliar da Estação José Cândido, Região Leste de BHEles aceitaram a mudança para garantir uma viagem mais segura
Segundo a empresa, em Realeza foi feito o transbordo para garantir mais conforto e comodidade em veículos mais novosA viação afirmou que renova a frota anualmente e tem poucos veículos sem cinto de segurança
A companhia reforçou a preocupação com a segurança dos clientes e informou que a frota principal é composta por veículos com o item de segurançaApenas carros reservas são de fabricação antiga, segundo a empresa.
Fiscalização
De acordo com a chefe de Comunicação da PRF de Minas, Fabrizia Nicolai, se o veículo da São Geraldo fosse parado na fiscalização, passaria sem problemas porque a polícia cumpre a resolução do ContranSe fosse um ônibus com fabricação posterior à data explicitada na lei, seria obrigada a fazer o transbordo de passageiroSegundo Nicolai, se um segundo veículo que viesse para resgatar esse grupo também se encaixasse na resolução, os passageiros seguiriam viagem sem cinto de segurança e dentro da lei
O Estado de Minas mostrou na semana passada que o desrespeito à obrigatoriedade do uso do cinto de segurança foi a infração campeã em registros da PRF em 2012 nas BRs que cortam Minas GeraisForam 8.084 motoristas flagrados, média de 22 por dia, contra 4.569 no ano anteriorO crescimento de 77% levou a infração da quarta para a primeira posição no ranking da multas aplicadas pela PRF
Conforme o artigo 65 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é obrigatório em todas as vias do território nacional, com exceção para os casos que se encaixam na resolução do ContranSegundo a Associação Mineira de Medicina de Tráfego (Ammetra), em um acidente de trânsito, o simples ato de usar o equipamento reduz em 40% o risco de lesões e diminui em 70% o risco de morrer
Resolução polêmica
O coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, afirma que os passageiros ficaram sem opções de reclamação no momento do embarque porque a empresa está respaldada pela Resolução 14/98“Se acontecesse um acidente e ficasse comprovada uma lesão ou morte em função da falta do cinto, poderia se recorrer ao Código de Defesa do Consumidor (CDC)”, explica.
Segundo Barbosa, enquanto a regra não mudar, a empresa não pode ser punida“No meu ponto de vista, o Código é superior a essa resolução, mas a viação pode se basear na normaTem que a haver mudança do Contran para garantir o comprimento do artigo 22”Esse trecho do CDC determina que empresas, concessionárias, permissionárias ou qualquer outra forma de empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Com base no artigo, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública o ano passado exigindo a mudança da resoluçãoO procurador da República, Fernando de Almeida Martins, argumentou que a norma do Contran contradiz o Código Brasileiro de Trânsito e privilegia interesses econômicos das empresas de transporte coletivo, prejudicando a segurança dos passageiros
Conforme o coordenador do Procon, nada impede que os passageiros procurarem o órgão para denunciar a falta de cinto e também façam um registro na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)Com essas denúncias, o Procon tem ferramentas para procurar o MPF e pedir que outras ações sejam impetradas contra a resolução
O em.com.br entrou em contato com o Contran, mas não recebeu retorno até o fechamento da matéria.