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Estado de Minas

Brasil vive a era do filho único

Pais que anteciparam a tendência atual de ter apenas um herdeiro contam sobre os desafios da escolha. Taxa de fecundidade no Brasil caiu de 5,76 filhos em 1970 para 1,90 em 2010


postado em 21/01/2013 06:00 / atualizado em 21/01/2013 07:13

Patricia Giudice

O casal Maria Otília e Ivan Costa decidiu ter apenas Diego que diz ter sido mimado, embora tenha aprendido a ter limites(foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)
O casal Maria Otília e Ivan Costa decidiu ter apenas Diego que diz ter sido mimado, embora tenha aprendido a ter limites (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)

Há 40 anos as famílias brasileiras começavam a diminuir. De cinco, seis filhos, os casais passaram a ter quatro ou três. Vinte anos depois, ainda eram poucos os que paravam no primeiro. Mas são esses antes tão escassos que anteciparam uma tendência: a união familiar composta apenas por pai, mãe e um descendente. E a escolha não foi fácil. Casais que já passaram pela infância e adolescência de um filho único contam que foram muito pressionados por amigos e parentes a continuar a prole sob alegações de que a criança seria mimada, sem limites e solitária. Mas, sem arrependimento, eles mostram que a condição não fez diferença no desenvolvimento.

Dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, desde 1970, a taxa de fecundidade no país está caindo. De 5,76 filhos por mulher há mais de 40 anos para 1,90 em 2010. Dependendo da região os números são ainda menores. A Sudeste tem a menor taxa: 1,70 filho por mulher. E a Norte a mais alta: 2,47.

Minas, de acordo com o Censo, registrou taxa de 1,77 filho por mulher em 2010, número que diminui ainda mais a medida que o nível de escolaridade feminina aumenta. No caso das que têm curso superior completo, por exemplo, é 1,16. Na outra ponta, para aquelas com ensino fundamental incompleto, a taxa aumenta para 2,78. No mesmo estudo, o IBGE mostrou que, em Minas, no ano de 2010, foi identificado que 19,61% das mulheres com idade entre 40 e 44 anos tinham um filho, enquanto 72,59% tinham dois, três ou quatro. Na faixa etária seguinte, de 45 a 50, são 15,93% das mulheres com um filho e 73,41% entre dois e quatro filhos.

Tânia Amorim, de 65 anos, é mãe de Sthefânia e só. Quando a filha era pequena ela e o marido pensaram em aumentar a família, mas não deu certo e eles desistiram. “Pensamos muito e chegamos à conclusão de que era melhor ficar do jeito que estava. Eu achava pouco, mas a vida era muito boa. Ao mesmo tempo, eu era muito pressionada. Já escutei até que se ela morresse eu ficaria sem ninguém, era um terrorismo, mas segui em frente”, contou. Tânia e o marido, que morreu há seis anos, passaram então a preocupar em como criariam uma filha única, para que ela não desenvolvesse problemas de comportamento. “Tinha muita preocupação com ela ficar mimada. O filho único era muito visado na época.”

Sthefânia, que hoje é administradora de empresas, passou a infância e adolescência rodeada de muitos primos. Poucas vezes, conta, se sentiu sozinha por não ter um irmão. Mesmo assim, por várias outras pediu aos pais que providenciassem mais um membro para a família. “Sempre quis ter um irmão porque todos os meus primos tinham irmãos. Eles iam embora para casa brincar e eu ficava sozinha, mas todo fim de semana encontrávamos e isso amenizou muito a falta.” Ela conta que os pais sempre tiveram o cuidado de impor limites, mas sempre teve tudo o que quis. “Meus pais falavam ‘não’ na hora certa, me davam limites, mas acho que tudo foi com muito cuidado para que não me chateassem”, afirmou.

ATENÇÃO Segundo o médico especialista em infância e adolescência e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) Fábio Barbirato, o momento tem levado os casais a não estenderem demais a família. “Tanto o pai quanto a mãe trabalham fora para dar mais condição financeira ao filho e o tempo de dedicação à família está menor. A opção por ter apenas um abre a possibilidade de dar mais atenção a esse filho, mas mesmo que ela não seja dividida, continua precisando ser de qualidade, tanto quanto se tivesse dois ou mais”, afirmou o especialista, que é filho único e pai de uma criança de 3 anos.

Para ele, filhos, únicos ou não, só são mimados se o pai e a mãe permitirem. “Só há exagero de preocupação, superproteção, mimos demais, crianças que não sabem dividir porque os pais as criam assim e isso independe da quantidade de irmãos ou o tamanho da família. Depende exclusivamente dos pais, de como eles tratam essa criança.” Segundo ele, o ser humano tende a proteger suas coisas, a defender seu espaço, mas a situação piora se os pais não têm uma postura firme.

A projetista Maria Otília Soares Costa, de 50, decidiu criar só o Diego, hoje com 20, numa época em que não era tão comum. A maioria das amigas têm dois ou três. Ela diz que não se arrependeu, mas recebeu cobranças. “Até hoje brincam comigo para arrumar mais um.” O marido, o engenheiro civil Ivan Carlos da Costa, de 56, quis aumentar a família, mas diante da decisão da mulher resolveu não pressionar. “Pensei em ter mais, mas é ela quem carrega, eu não podia exigir. Foi tranquilo aceitar”, afirmou indicando que é preciso que o assunto seja resolvido em comum acordo.

Diego diz que nunca sentiu falta de mais alguém para dividir o quarto, mas confessa que foi mimado. “Eles sempre fizeram tudo para mim, sempre tive tudo que quis, mas eles tiveram o cuidado de me dar limites como aconteceria em uma família grande”, afirmou. Quantos filhos quer ter? “Uns dois. Quero aumentar minha família e dar uma companhia para o meu filho. Com dois a casa fica mais agitada.”

CUIDADOS
Veja algumas dicas da presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), Quézia Bombonatto, para os pais que querem ter apenas um filho

» Ao decidir ter filho, saiba que educar exige tempo dos pais
» Ofereça à criança a oportunidade de estar com outras crianças. Coloque em escolas, não deixe muito tempo em casa, para que ele aprenda a fazer trocas
» Fique atento às queixas sobre o seu filho. Não pense “meu filho jamais faria isso” porque ele faz
» Tenha equilíbrio entre o que está oferecendo e o que está sendo pedido por ele. Antes de atender a um pedido, veja se é realmente necessário ou se o fato de privá-lo algumas vezes não é muito mais educativo do que oferecer tudo
» Cuidado para não oferecer antes que ele deseje. Você estará privando seu filho de ir em busca, de lutar por algo e ele se torna um insaciável
» Desejo de criança não é ordem. É algo para ser pensado e visto se é ou não oportuno. Não é porque desejou que tenho que dar
» Evite os brinquedos em excesso principalmente em datas como aniversário, Natal e Dia das Crianças. Deixe que ele escolha, guarde alguns para que ele brinque depois. Você estará dizendo que não se pode ter tudo o tempo inteiro
» Com cuidado na segurança, não crie seu filho em uma redoma. Crie situações para que ele saia e se vire sozinho, que seja mais independente
» O fato de ser mãe ou pai não anula o lado pessoal. Não deixe que isso aconteça, dedique também à vida pessoal

Quézia Bombonatto
Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia e terapeuta familiar

“O filho único perde a oportunidade de fazer negociações, mas é importante que os pais tenham a compreensão de que precisam dar oportunidade de crescimento e muitas vezes oferecer tudo impede que a criança conquiste. Caso contrário, eles não crescem, ficam na dependência de alguém fazer por eles. Nesse sentido, ter um só é mais complicado. Se tenho dois ou três, vou ter que dividir a atenção para cada um, mas ao mesmo tempo dissemino um pouco mais de responsabilidade, eles aprendem a ser mais independentes. Se os pais têm ciência de que precisam dar condições para que a criança caminhe sozinha, que ela não vai poder ter tudo o que quer, que não vai poder fazer tudo por ela, aí é indiferente, mas exige muito mais porque eles ficam sempre se policiando para exercer o desenvolvimento dessa competência. O importante é que cada filho seja visto como o único, que ele é um a mais dentro da sociedade e precisamos prepará-lo para competir, dividir e aceitar a diversidade.”

Futuro sem crianças

As pesquisas feitas pelo IBGE mostram que o país está encolhendo. E especialistas afirmam: vai diminuir ainda mais. A lógica observada é de quanto maior a escolaridade da mulher, menor é o número de filhos. Elas também têm renda alta e esperam mais tempo para engravidar ou decidem por não reproduzir. A sigla “dinc” criada nos Estados Unidos já chegou ao Brasil e, para a demógrafa Luciene Longo, é o futuro: double income and no children, são os casais de dupla renda que optaram por não ter filhos. “A expectativa é que aumente o número de casais dinc, a não ser que daqui a um tempo as pessoas comecem a reverter a situação”, afirmou.

A diminuição de filhos por mulher, segundo Luciene Longo, começou a se acentuar na década de 1970 e chegou hoje a um número abaixo do nível de reposição, que é 2,1. “Isso significa que se a mulher continuar tendo filhos como hoje uma geração não vai repor a outra. Ainda acredita-se que vai diminuir mais, mas não muito mais que isso (1,90 filho por mulher), a próxima projeção deve chegar a 1,5”, explicou. A ideia de ter um único filho ainda gerou outro termo: o unigênito. Ele é utilizado pelo ex-marido de Maria Teresa Vieira Castro, de 52 anos, mãe da Maria Amorim, de 15. “Foi uma opção do casal e meu ex-marido falava muito isso: ela é nossa filha unigênita.” Segundo dados do IBGE, em 2010, 13,11% das mulheres com idade entre 50 e 54 anos tinham apenas um filho, enquanto 30,21% tinham 2 e 27,07% tinham 3.

Alvaro Bernardes Cota Ribeiro, de 21 anos, passou a infância pedindo um irmão para os pais. Ele já tinha uma irmã do primeiro casamento do pai, mas queria mais. “Tenho muito contato com meus primos, mas até uns 10 anos tinha muita vontade de ter um irmão da mesma idade. Na época me sentia um pouco sozinho, mas depois me conformei.” Hoje, vê pontos positivos em ser único. “As despesas dos pais são só para você, não tem que dividir presente ou o quarto, fiz vários cursos, nunca tive problema financeiro. Vejo que quem tem irmãos sente falta de privacidade, brigam muito e eu gosto de não ter que enfrentar isso”, afirmou. Ao mesmo tempo, acha que os pais souberam lidar bem com a situação. “Eles negavam as coisas para mim na hora certa, falavam não e eu adquiri consciência de que custava dinheiro.”

Para a mãe dele, Marisa Bernardes, de 51, o filho teve muitas mordomias. “Ele mora em uma casa grande, estudou em escolas particulares, viajou muito, ganhou um carro zero aos 18 anos, mas acho que não foi mimado. E eu nunca fui neurótica, deixava que ele viajasse com os amigos, fui liberal, isso ajudou.” Já para José Cota Ribeiro, de 58, corretor de seguros, pai de Alvaro, criar filhos hoje não é fácil e os casais precisam pensar bem antes na quantidade. “Ter filhos é uma experiência que dá alegria, mas demais deixa de ser prazerosa. Acho que o ideal é um casal ou um só”, disse.

A presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) e terapeuta familiar, Quézia Bombonatto, analisa que criar um único filho pode ser tão difícil quanto ter dois ou três. Isso, segundo ela, porque os pais precisam fazer um exercício o tempo inteiro para compensar a falta de outro. “Essa criança tem mais dificuldade de dividir, de aceitar alguns limites e não é um mito que eles são mais paparicados porque a atenção é toda voltada para eles”, afirmou. Segundo a especialista, ainda há outro agravante: “toda a expectativa de sucesso fica em cima desse filho e ele fica com a responsabilidade de corresponder a família inteira”. E ela indica que a dinâmica familiar tem a ver com uma paternidade e maternidade pensada, responsável. Os pais têm que saber que criar e educar é um processo que demanda tempo e dedicação, sem exigir muito do filho nem oferecer tudo.”


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