Quem passa pela Praça da Estação, no Centro de Belo Horizonte, não tem ideia da importância e da representatividade do espaço que tem origem ligada à construção da capital de Minas, no fim do século 19Nos seus primeiros anos, ela era a porta de entrada para o material e equipamentos destinados às obras da nova cidade e para quem chegavaFoi lá também que começou a funcionar o primeiro relógio público de BH, instalado em 1898, na torre do prédio da estação férreaSem falar que sempre foi palco de grandes eventos como comício de políticos, shows e manifestações culturais
“A Praça da Estação era o ponto nevrálgico da cidadeQuando BH começou a ser construída, a primeira coisa implementada foi o ramal férreo, pois por meio dele chegavam os suprimentos e mercadorias para abastecer quem ia trabalharA praça já teve essa representatividade antes mesmo de ser edificadaAlém do mais, por lá passou todo mundo que vinha para a nova cidade (operários, políticos e mesmo quem vinha para se estabelecer)”, destaca a historiadora Michele Arroyo, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Minas Gerais.
O antigo prédio da Estação de Minas foi uma das primeiras edificações da capital e o movimento ali era bastante intensoOs jardins em estilo inglês, cheio de árvores e canteiros de flores, se mantiveram até a década de 1920Nessa época, BH recebia a visita ilustre do rei Alberto da Bélgica, que foi ovacionado por uma multidão espalhada pela Praça da EstaçãoO soberano chegou na companhia do presidente da República, Epitácio Pessoa, em vagões fabricados especialmente para a ocasião
Nos anos 1960, a praça sofre uma intervenção drástica e perde parte de sua jardinagem para dar lugar a uma nova pista na Avenida dos AndradasSem falar nas mudanças que ocorreram nos meios de transporte no país, já que o trem perde a sua relevância“Quando há esse deslocamento do trem para o ônibus, a praça passa por grandes modificaçõesPerde um pouco da sua centralidade e só a recupera nos anos 1990, com a volta do sistema de transporte coletivo para láEla passa a ser a entrada e a saída novamente, como no passado, mas desta vez, das pessoas da periferia para o Centro de BH”, analisa a historiadora.
Requalificação
Na última década, com a revitalização dos edifícios do entorno como a Serraria Souza Pinto, a Casa do Conde, o Centro Cultural da UFMG e a Funarte, e sem falar no próprio prédio da Estação Central, que foi totalmente recuperado pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez, para que abrigasse o Museu de Artes e Ofício (MAO), a Praça da Estação voltou a pulsarA presidente do instituto, a empresária Ângela Gutierrez, conta que quando pensou em criar o museu procurava lugar de acesso fácil e que cumprisse o seu papel de ser um espaço dedicado ao trabalho“Não poderia ter escolhido lugar melhorA praça e região sempre tiveram muita vida, porque há uma circulação enorme de pessoas trabalhando, indo de um lugar para o outro, por isso acho que ela nem passou por uma revitalização propriamente dita, mas uma requalificação”, frisa
O ex-presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) e professor da Escola de Arquitetura da UFMG Flavio Carsalade também destaca o papel relevante do localPara o arquiteto, ele se configura como um grande largo urbano, propício para grandes encontros e manifestações populares, além de se apresentar como importante espaço de articulação urbana“E ela articula também a área da Casa do Conde com a Serraria Souza Pinto, ambas de grande importância culturalMesmo depois do advento e a priorização do transporte automobilístico e com o metrô, a praça continuou sendo importante nó de conexão de mobilidade urbanaHoje, acresce-se a essa vocação de mobilidade uma grande vocação cultural, com presença de vários equipamentos culturais e patrimônios históricos na região”, acrescenta.
Linha do tempo
1894: Lançamento da pedra fundamental do prédio da Estação de Minas, projetado sob a orientação do arquiteto José de Magalhães e previsto para ser erguido às margens do Ribeirão Arrudas, no ponto mais baixo da malha urbana da nova capital.
1922: Inauguração do novo prédio da Estação Central, com a presença do presidente do estado, Raul SoaresEdificado no mesmo local do anterior, teve projeto do engenheiro Caetano Lopes, com desenho do arquiteto Luiz Olivieri e construção do engenheiro Antônio Gravatá.
1930: Inauguração do Monumento à Terra Mineira, com a presença do presidente Antônio Carlos Ribeiro de AndradaObra do escultor italiano Júlio Starace, homenageando bandeirantes e inconfidentes.
1940/1950: Acelerada expansão urbana, horizontal e vertical de Belo HorizonteGrande desenvolvimento do transporte rodoviário, provocando a mudança no uso da Estação Central, restringindo-a ao transporte de cargas e a alguns trens suburbanos, intermunicipais e interestaduais
1969: Retirada dos jardins da Praça Rui Barbosa, das outras duas estátuas em mármore, representativas das estações primavera e verão, transferidas para o Palácio da Liberdade, devido a má conservação.
1980: Retorno de manifestações políticas, comícios e passeatas à Praça da Estação, que volta a ser um espaço de interlocução entre a sociedade civil e o governo, apesar de maltratada.
1986: Entra em operação comercial, pelo Demetrô, o trem metropolitano (metrô de superfície), no trajeto ligando a Estação da Lagoinha à do Eldorado
1989: Inauguração do Centro Cultural da UFMG no prédio da antiga Escola Livre de Engenharia, dentro da campanha de revitalização do conjunto urbano da Praça Rui Barbosa.
2002: Instalação do Museu de Artes e Ofícios, ocupando os prédios restaurados das antigas estações das estradas de ferro Central do Brasil e Oeste de Minas
2010: Criação do movimento Praia da Estação contra o decreto municipal que impunha restrições para o uso cultural e político do logradouro.
Três anos da Praia da Estação
Em 2010, um grupo de pessoas decidiu fazer uma manifestação pacífica e divertida contra o decreto municipal que impunha uma série de restrições para o uso cultural da Praça da EstaçãoVestidos com sungas, biquínis, boias e piscina de plástico, eles ocuparam o espaço público e criaram ali um movimento que hoje completa três anos de “resistência e alegria”: a Praia da EstaçãoPara comemorar a data, os organizadores, além de vários blocos de rua da cidade, estão convocando a população para levar instrumentos musicais e traje de banho, hoje, a partir das 11h.
SAIBA MAIS...
Monumento à Terra Mineira
Um dos destaques da Praça da Estação é o Monumento à Terra Mineira, localizada na esplanada em frente ao edifício-sedeA estátua é de 1930, de autoria do escultor e arquiteto italiano Júlio StaraceRepresentando o domínio do território pelos bandeirantes e a conquista da liberdade pelos mártires mineiros, a obra é composta por uma figura alegórica do estado de Minas e por quatro relevos encravados no bloco centralNa parte da frente, há a representação de Bruzza SpinosaNa face lateral direita, figura o martírio de TiradentesNa face lateral esquerda, é representado o martírio de Felipe dos Santos e, na face posterior, o Caçador de Esmeraldas, Fernão Dias PaesNo alto, um homem com a bandeira de Minas Gerais representa o estadoEle está de frente para a estação, como a dar as boas-vindas a quem desembarcaAbaixo há uma inscrição em latim: Montani semper liberi (Montanheiros estão sempre livres).
"Praça da Estação"
Carlos Drummond de Andrade
(Publicado no Estado de Minas em 1982)
Duas vezes a conheci: antes e depois das rosas.
Era a mesma praça, com a mesma dignidade,
O mesmo recado para os forasteiros: esta cidade é uma
promessa de conhecimento, talvez de amor
A segunda Estação, inaugurada por Epitácio,
O monumento de Starace, encomendado por Antônio Carlos
São feios? São belos?
São linhas de um rosto, marcas da vida
A praça da entrada de Belo Horizonte,
Mesmo esquecida, mesmo abandonada pelos poderes públicos,
Conta pra gente uma história pioneira
De homens antigos criando realidades novas
É uma praça – forma de permanência no tempo
E merece respeito
Agora querem levar para lá o metrô de superfície
Querem mascarar a memória urbana, alma da cidade
Num de seus pontos sensíveis e visíveis
Esvoaça crocitante sobre a praça da Estação
O Metrobel decibel a granel sem quartel
Planejadores oficiais insistem em fazer de Belo Horizonte
Linda, linda, linda de embalar saudade
Mais uma triste anticidade.