Jornal Estado de Minas

À BEIRA DO PERIGO

Chuva põe em perigo 2,5 mil casas em Belo Horizonte

Apesar da ameaça de enchentes e deslizamento, muitas famílias insistem em permanecer em locais críticos.

Mateus Parreiras

- Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press


O barulho assustador da correnteza do Ribeirão Arrudas no fim da canalização de concreto e os alertas de inundação e desabamento da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) não foram suficientes para convencer a dona de casa Sandra Izabel Florentina, de 35 anos, a deixar seu barraco, na Vila da ÁreaNa comunidade da Região Leste de BH, no fim da Avenida dos Andradas, 13 famílias que viviam à beira do Arrudas já tinham ido embora para casas de parentes ou para o abrigo municipal, mas ela relutava“É difícil sair da nossa casaAinda mais porque tenho dois meninos pequenos, de 6 e 4 anosA gente se acostuma com o perigo”, disse

Foi depois de estrondo seguido de tremor de terra que a vida da família de Sandra mudou, há duas semanasAs rochas que sustentavam a casa se partiram em blocos gigantes que rolaram ribeirão abaixo, deixando a moradia dependuradaEla e os meninos escaparam por pouco largando às pressas a casa cheia de trincas

O drama de Sandra não é um caso isoladoSão 56 famílias na lista da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel) que precisam ser removidasO Estado de Minas acompanhou a situação de quem não quer sair e constatou que as áreas de risco continuam a ser invadidas, apesar do perigo.

A estimativa da Urbel é de que cerca de 2,5 mil moradias na capital estejam em áreas de risco geológico, a maioria na Regional Centro-Sul
O último levantamento da companhia, de 2011, somava 2.761 moradias em regiões perigosasA Vila da Área é uma delasSegundo o laudo dos engenheiros da Urbel, na comunidade de 95 domicílios, 333 moradores ocupam um terreno de 15 mil metros quadrados “totalmente impróprio para habitação e que apresenta riscos de deslizamento de encosta e margem do ribeirão”De acordo com o Diagnóstico da Situação de Áreas de Risco Geológico das Vilas e Favelas de BH, atualizado no fim de 2011, na comunidade existiam 24 edificações em situação de risco alto e muito alto.

Mesmo depois do desabamento da casa da prima, Sandra, que está vivendo no abrigo municipal, Luciana Martins, ao lado do filho, decidiu ficar morando às margens do Ribeirão Arrudas, na Região Leste de BH - Foto: Ramon Lisboa/EM/D.A PressAinda assim, uma prima de Sandra, Luciana Martins Gomes, de 40, continua a morar com os três filhos, de 13, 14 e 15 anosVivem perto da margem do Arrudas que desabou e quase levou embora o barraco de Sandra, hoje demolido pela Urbel“Quando chove muito, a água chega perto da nossa casaAchava que as pedras iam segurar as casas, mas a força da água é muito grandeA gente passa as noites vigiando, com medo de ser levada pelo ArrudasNem fecho os olhos direito”, disse.

INVASÃO SEM MEDO O perigo e os casos de desabamento não intimidam todo mundoEntre as favelas Vila Cafezal e Vila São Lucas, uma área que pertencia a uma antiga construtora vem sendo sistematicamente invadida há pelo menos 10 anos
Hoje, segundo as lideranças comunitárias do local, são 150 habitantes em pelo menos 50 casas, algumas delas dependuradas sobre barrancos de terra exposta com vários sinais de desabamentoUm dos mais engajados moradores do local é o pedreiro Maurício Nogueira de Souza, de 28 anosEle já promoveu inúmeras melhorias no terreno acidentado, na tentativa de evitar que sua casa seja levada num deslizamento de terras

“A Comdec informou que minha casa estava em risco iminente de desabamento, mas isso não é verdadeEstou trabalhando no morro para melhorar a segurança da casaNão traria minha família para um local que não acho seguroAlém do mais, essa casa tem dinheiro, que economizei desde os 15 anos de idade”, contaA última obra estrutural feita pelo pedreiro foi a construção de uma canaleta de cimento, pedras e sacos de entulho com 40 metros de extensãoA intervenção serve para escoar a água da chuva que poderia se acumular no topo do barranco sobre o qual ele construiu sua casa.

Descendo pela trilha estreita, por entre os barracos, chega-se às casas mais expostas no fundo do valeEntre os moradores está o carpinteiro Lucivaldo do Nascimento, de 23, que ajuda os vizinhos numa criação de com mais de cem porcos“A gente alimenta os animais com restos de comida de sacolões do Bairro Santa Efigênia (Região Leste)Por dia precisamos fazer seis viagens com a carroça puxada por cavalo ou burro”, disse Lucivaldo.

Os moradores da área admitem que invadiram o terreno“Precisamos de lugar para morarNão adianta a prefeitura vir aqui tirar a gente, porque vem outro para o mesmo lugar depois e faz outra casaSe me tirarem faço tudo de novo no mesmo lugar”, afirma MaurícioA prefeitura não pode remover pessoas que vivem em áreas de risco, a não ser que suas habitações estejam condenadas pela ComdecSegundo a Urbel, no período da estiagem foram feitas 72 obras em áreas de risco, que beneficiaram 250 famílias ameaçadas.

PREVISÃO As chuvas típicas de janeiro, com longa duração e intensidade constante, se tornam mais presentes a partir desta semana, de acordo com a previsão do 5º Distrito de MeteorologiaAlerta para as áreas de risco, uma vez que, segundo geólogos, esse tipo de precipitação é que encharca o solo e o torna mais suscetível a desabamentos