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Estado de Minas

Bêbados demais até para pegar táxi

Lei Seca tem efeito negativo para taxistas, que reclamam de passageiros embriagados que dormem, vomitam e urinam no carro. Mas eles só podem recusar corrida se houver risco ou dano ao veículo ou ao motorista


postado em 05/01/2013 06:00 / atualizado em 05/01/2013 07:03

 Desde a entrada em vigor da Lei Seca – como é conhecida a Lei 11.705, de 2008 –, muita gente parou de dirigir depois de ingerir bebida alcoólica e recorreu aos táxis. Mas o que parecia uma boa notícia para taxistas acabou virando problema. Motoristas que trabalham à noite em Belo Horizonte nunca tiveram tantos transtornos com passageiros alcoolizados. Eles relatam que, às vezes, clientes desorientados nem lembram o endereço da própria casa. Há quem durma no banco do carro e custe a acordar. E, nos casos mais graves, vomita e até urina no veículo.

 

Luiz Carlos Duarte, de 41 anos, taxista há cerca de cinco anos(foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
Luiz Carlos Duarte, de 41 anos, taxista há cerca de cinco anos (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
“Depois da Lei Seca, para nós foi muito pior. O número de passageiros cresceu muito pouco, mas os problemas aumentaram bastante”, afirma Luiz Carlos Duarte, de 41 anos, taxista há cerca de cinco anos. O expediente dele começa às 16h e costuma terminar de madrugada. Nos fins de semana, pode seguir até as 4h ou 5h da manhã. Nas contas dele, “uns oito” passageiros embriagados já vomitaram em seu carro. Na última vez, em novembro, foi um rapaz que estava acompanhado da namorada. No fim da viagem, Luiz tentou fazer o cliente ajudar a custear a limpeza do veículo. “Perguntei a ele: ‘Ô, amigo, e agora, como é que fica?’ Ele nem me respondeu e foi embora”, queixa-se. “Depois de lavar, não aguentei trabalhar no dia seguinte, por causa do cheiro”, recorda.

Além das despesas extras, o taxista aponta outros problemas. Há cerca de dois meses, ele levou um rapaz até o Bairro Sagrada Família, na Região Leste de BH. O o passageiro ainda não havia indicado a rua onde morava. E o pior: bêbado, acabou pegando no sono. O taxista teve que sacudi-lo. “Demorei uns 20 minutos pra acordá-lo”, conta. O profissional já chegou a recusar passageiros embriagados. “Se o cara vier trocando as pernas e não consegue nem ficar em pé direito, falo: ‘Não vou levar, o regulamento me dá esse direito’. Mas, às vezes, só noto quando o cara se senta e começa a falar enrolado. Aí, não tem jeito: Como vou mandar descer?”, questiona.

O regulamento é uma portaria da BHTrans vigente desde janeiro de 2009. O artigo 62, denominado Regulamento do Serviço Público de Táxi, proibia que o motorista recusasse passageiros, “salvo nos casos em que este se encontre em estado de visível embriaguez ou sob efeito de substância psicoativa, ou em situações em que possa causar danos ao veículo e/ou ao condutor”. Mas, em dezembro de 2011, esse artigo foi alterado. A proibição continuou, mas a exceção à regra passou a figurar assim: “...salvo em situações em que este possa causar danos ao veículo e/ou ao condutor”.

A BHTrans, por meio da assessoria de imprensa, alega que a mudança foi feita a pedido de usuários de táxis, que se queixaram de terem sido dispensados sob a alegação de que estavam alcoolizados. A empresa, ainda segundo a assessoria, considera que nem todos os clientes “em visível estado de embriaguez” representam risco ao motorista ou a veículo.

De acordo com a empresa, a quantidade de reclamações de usuários recusados aumentou entre 2011 e o ano passado. Em 2011, foram 217 entre janeiro e dezembro, mês mais expressivo daquele ano, com 38 queixas. Em 2012, sem contar dezembro, cujos números ainda não foram divulgados, já foi registrado um crescimento de 21% no total de reclamações (275). Os motivos da recusa não foram especificados.

Na prática, nada mudou após a alteração do artigo 62, diz Ricardo Faedda, diretor do sindicato dos taxistas (Sincavir). “Se a pessoa perde o domínio de si por causa do álcool, pode se mostrar uma ameaça à integridade física do taxista ou a seu patrimônio”, explica. Ao avaliar se é melhor dispensar um cliente bêbado, o taxista se vale de seus próprios critérios. “Pedimos que o profissional use do bom senso. Tem que saber diferenciar uma pessoa com embriaguez profunda de alguém que, embora tenha bebido, está apenas impossibilitado de dirigir. É uma avaliação fácil”, considera Faedda, mas ele admite a possibilidade de erros. “Se o julgamento do taxista for incorreto, o usuário pode reclamar”, diz. O sindicalista ressalta que recusas desse tipo só ocorrem em situações extremas: “O taxista não tem interesse em deixar de atender, ele vive das corridas”.

Sem o rumo  de casa

 

José Matosinhos da Silva, de 58, taxista há 30(foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
José Matosinhos da Silva, de 58, taxista há 30 (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
Quando trabalha à noite,  José Matosinhos da Silva, de 58, taxista há 30, evita apanhar clientes em certas vizinhanças. “Se a corrida é (para pegar alguém) em porta de bar ou de boate, cancelo”, afirma. Em seu carro, passageiros bêbados já vomitaram “umas três vezes”. “O cara paga a corrida e não dá nem papo. Nem ajuda a pagar a lavagem”, reclama. Alguns estavam tão embriagados que chegaram a urinar no banco do veículo. “Isso também aconteceu umas três vezes. O cara acha que está no banheiro”, diz José. Há também quem não sabe dizer para onde vai ou cai em sono profundo. O motorista tenta se prevenir. “Quando o cara está muito ruim, pergunto: ‘Você sabe aonde vai? Sabe o endereço? Qual é?”.

O taxista Danilo Ventura, de 48 anos, na profissão há 11, trabalha das 18h às 6h. “Todo taxista que trabalha à noite tem problema com passageiro bêbado”, constata. Ele diz que já dispensou vários clientes depois de perceber a embriaguez. “Às vezes, a pessoa até está acompanhada, mas está praticamente desmaiada. O pessoal reclama quando recuso, mas sei que teria problema depois", explica. Antes de aceitar um passageiro aparentemente alterado, Danilo tenta se precaver. “Pergunto a ele: ‘Tem certeza de que não vai passar mal no meu carro?’ O cara diz que não, mas acaba passando. Vomitaram no meu carro mais de cinco vezes. Não posso cobrar a lavagem e ainda perco o resto da noite de trabalho”, relata. Outro problema comum é o fato de o passageiro não saber dizer seu destino. “Ele fala o bairro, mas não lembra o endereço. Às vezes, o jeito é procurar um ponto de apoio da polícia e deixar a pessoa lá”.

 

Taxista há uma década, Reinaldo Brote, de 40(foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
Taxista há uma década, Reinaldo Brote, de 40 (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
Taxista há uma década,  Reinaldo Brote, de 40, estima que a clientela noturna aumentou cerca de 20% com a Lei Seca. Mas os transtornos cresceram ainda mais. “Quando chega alguém muito bêbado, aviso: ‘Se você passar mal, fala que eu paro o carro’. Mesmo assim, uma vez vomitaram no meu carro. Lavei e joguei talco, mas o cheiro ficou por uma semana”, lembra.

Outro dia, um passageiro dormiu, e para despertá-lo, Reinaldo teve que agitá-lo por cerca de meia hora. Tinham chegado ao bairro onde o rapaz morava, mas faltava saber o endereço exato. “Ele estava confuso. Fez muitos desvios, custou a localizar a casa dele. Nem conseguiu dizer o nome da rua”, afirma. Apontando algumas manchas no banco traseiro do veículo, ele explica: “Isso aí é bebida que o pessoal derruba. Tem que esfregar muito para sair”.

 

O que diz a lei

 

 O Regulamento do Serviço Público de Táxi de Belo Horizonte determina que o profissional que se recusar a levar passageiro pode pagar multa de R$ 101,72, caso não se comprove que o usuário oferece risco de “causar danos ao veículo e/ou ao condutor”. Quem se sentir prejudicado pode formalizar reclamação na BHTrans, por meio do 156, número da central de relacionamento telefônico da prefeitura. Na queixa, o usuário deve informar dia, local, placa do veículo e, se possível, o nome do condutor. A partir da terceira reincidência, o taxista pode ter a permissão suspensa. A BHTrans aplicou 62 multas em 2011 e 60 entre janeiro e novembro de 2012 motivadas por recusas de viagens.


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