Jornal Estado de Minas

Cão que invadiu farmácia na Savassi vive uma saga após adoção

Arnaldo Viana e Sandra Kiefer

A balconista da loja da Drogaria Araujo, quase na esquina das avenidas do Contorno e Getúlio Vargas, Região da Savassi, Centro-Sul de Belo Horizonte, estranhou quando ele entrou, meio sorrateiro, com as grandes orelhas caídas. Era noite de domingo, 25 de novembro. Queria a inusitada figura um medicamento? Comida? Mas o estranho nem cliente era. Simplesmente entrou e se ajeitou sob uma escada. Buscava proteção e ninguém na farmácia conseguiu se aproximar dele e muito menos expulsá-lo. Rosnava e mostrava os dentes. Tratava-se de um cão fila brasileiro, de pelo cinza amarelado. Chamados, os bombeiros o capturaram com dificuldade e o levaram para o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da PBH.

A invasão da drogaria e as cenas da captura registradas em foto pelos bombeiros não foram o começo da saga de Pivete.

Esse era o nome do cara de quatro patas e pelo manos dois anos e meio de vida. A origem e o destino dele após a passagem pelo CCZ só vieram à tona depois do aparecimento do aposentado Maurício Guedes, de 69 anos, que se apresentou como dono do animal, embora o tenha perdido, talvez para sempre. “Fui buscá-lo no CCZ e a gerente, Maria do Carmo (Maria do Carmo de Araújo Ramos), disse que ele era mais meu, tinha sido doado. E ainda mandou castrá-lo. Agora, não sei mais o que fazer para tê-lo de volta.” A auxiliar administrativa Clara Dias, de 39, que tem atividade ligada a cães, adotou o fila, o rebatizou como Adamastor e não quer devolvê-lo.

Pivete (hoje Adamastor) era ajudante do vigia de uma obra que Maurício Guedes toca com o filho na Rua Canápolis, no Bairro da Serra, Região Centro-Sul. O aposentado conta que em 22 de novembro se internou no Hospital Madre Teresa para trocar a prótese instalada em um dos braços.
“Em um domingo (25 de novembro), o vigia se descuidou, e Pivete fugiu. O meu funcionário saiu procurando-o e não o achou.” O cão, talvez, não quisesse ser encontrado ao refugiar-se na drogaria, último lugar onde alguém procuraria um animal perdido. Talvez estivesse cansado de tomar conta de obra em troca de uma alimentação baseada em pelanca de carne, resto de açougue. Segundo Maurício, era o que ele recebia como refeição.

O aposentado conta que saiu do hospital quinta-feira da semana passada, quando ficou sabendo que o cachorro estava no canil municipal. Lá recebeu a informação de que o fila havia sido adotado. O CCZ informa, por meio de nota, que, de acordo com o Decreto Lei 5.616/1987, o animal fica sob a guarda da unidade durante três dias úteis para que o dono possa resgatá-lo. Passado esse prazo, entra no programa de adoção.
Clara Dias se interessou e segunda-feira formalizou a adoção. Embora Maurício diga que não teve contato com que adotou o fila, Clara conta o contrário.

“Li a reportagem sobre o fila (foi publicada no Portal Uai) e me interessei por ele. Cachorro de grande porte, considerado de risco, é sacrificado pelo CCZ se ninguém se habilita a adotá-lo. Salvei um bichinho da morte e hoje ele está feliz, tem uma família. O homem que se apresentou como dono não tinha fotos ou vídeos que comprovassem convivência com o cão”, diz Clara. Ela mantém um serviço de hospedagem para cães no Bairro Castelo, Região da Pampulha. “Não acho certo usar um cachorro como vigia de obra e mudei o nome para Adamastor em homenagem ao chefe do canil do CCZ. Mudei o nome não porque acho Pivete pejorativo, mas por questão de gosto.” O fila foi entregue a ela vacinado, castrado e com um chip.

Sem saber o que mais fazer para reaver o cão, Maurício pediu ajuda a Franklin Oliveira, dono de uma ONG dedicada à proteção de animais e funcionário da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que nada pôde fazer. O caminho para ele, agora ,é o Juizado Especial.
“Mas isso pode ser demorado”, diz o aposentado com uma pequena carga de desânimo na voz. Melhor para Clara Dias. Quanto a Adamastor, ex-Pivete, não se sabe qual desfecho dessa saga o agradará mais.


SAIBA MAIS: ORIGEM EUROPEIA

O fila chegou ao Brasil pelas mãos dos colonizadores europeus. É animal de faro apurado e foi muito usado para ajudar na captura de escravos foragidos. Aqui, a raça cruzou com outros cães e ganhou o nome de fila brasileiro. Tem forte estrutura óssea e foi, ou ainda é, usado também por fazendeiros no trato com os bovinos. Tem temperamento forte, mas domesticado revela-se um cachorro tolerante com crianças, comportado e seguro.
 

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