Jornal Estado de Minas

Laudo aponta excesso de bebida no corpo de estudante da Ufop

Estudante Daniel Macário de Mello Jr., de 27 anos, morreu há 40 dias - Foto: Facebook/Reprodução Exame feito pelo Instituto Médico Legal (IML) de Belo Horizonte comprova que o estudante de artes cênicas Daniel Macário de Mello Júnior, de 27 anos, tinha 70,1 decigramas de álcool por litro de sangue quando foi encontrado morto na república estudantil Nóis é Nóis, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), na Região Central de Minas. O índice é quase 12 vezes maior do que o índice considerado embriaguez, que é de 6 decigramas. O exame toxicológico ainda não foi concluído. O corpo de Daniel foi encontrado por um colega da república em 27 de outubro. Ele havia abusado no consumo de bebidas alcoólicas em uma festa promovida no local. Semana passada, outro estudante da Ufop, Pedro Vieira, de 25, foi encontrado morto na República Saudade da Mamãe. Colegas disseram à polícia que ele também exagerou no consumo de bebidas.


O presidente do Conselho de Políticas Antidrogas de Minas, o psiquiatra e especialista em dependência química Aloísio Andrade, considera a concentração de 70,1 decigramas de álcool um índice muito alto e duvida que alguém o suportaria. No entanto, o IML esclareceu que ainda não pode afirmar que a causa da morte foi a bebida alcoólica, pois outros exames não ficaram prontos, como os que detectam a presença de substâncias químicas e medicamentos controlados.

“Existe um mecanismo psicofarmacológico conhecido como sinergismo, que quer dizer que uma substância psicoativa potencializa outra. É como pegar uma caixa de fósforo e uma garrafa de álcool. Com os dois parados não acontece nada. Mas, se você acender o fósforo e encostar no álcool, acontece tudo”, disse Andrade. “Se houve 70,1 de concentração de álcool com presença de outra substância deixa de ser 70,1 e passa a ser 70,1 vezes xis”, informa.

Cachaça

Quando mais a pessoa tem concentração de gordura no corpo, segundo o especialista, mais o remédio e o álcool diluem. “Então, magros são mais susceptíveis tanto a doses de remédio quanto de bebidas”, explicou. Há, segundo o especialista, os chamados fatores de proteção ao álcool, em que o organismo não acolhe a bebida.
“Não sei se é verdade, mas cheguei a ver a hipótese desse estudante ter sido forçado a tomar cinco copos lagoinha de cachaça na risca. Esse volume vai bem próximo de um litro de álcool. A maior parte das cachaças tem um teor alcoólico entre 40 e 43 graus Gay-Lussac, quando a cerveja varia de em torno de 3,5 a 4 graus, indo até 7 graus, o vinho de 11 a 13 graus e o destilado pula para os 35 a 40 graus”, diz. Quando uma pessoa bebe uma pinga e toma cerveja em cima, potencializa, segundo ele. “Se houver drogas como a cocaína vai haver uma reação que varia muito de acordo com a pessoa. Em alguns casos, a pessoa desenvolve um quadro como um fusível que desliga, tipo um desmaio, como forma de proteção. Nesse caso, pode haver desde a reação do apagamento ou pode agitar a pessoa. Ela funciona como uma mula sem cabeça soltando fogo pelas ventas e não lembra do que fez”, diz.

Aloísio Andrade disse que existe a tolerância ao álcool.
“Do mesmo jeito, existe o fator de proteção, que faz a pessoa passar mal. Com o passar do tempo e dos costumes, o organismo se acostuma. Pode ser que esse jovem tivesse pouco costume com a bebida. Ele obviamente pode ter tido um problema mais grave em função do organismo não estar preparado para o fígado metabolizar esse volume de álcool em tão pouco tempo. Se você forçar uma pessoa a beber, se foi mesmo cinco copos de cachaça em questões de poucos minutos, o problema maior além da quantidade da bebida é o tempo. Aí não dá para o organismo metabolizar”, diz o especialista. Aloísio Andrade ressalta que a maioria das pessoas que morrem de uma ingestão aguda de álcool tem a ver com a questão de aspirar vômito. “A pessoa vomita com a cara para cima, engole uma parte do vômito e aspira outra. Essa parte aspirada pode matar agudamente e não ter a ver com o álcool”, assegura.


Reitor eleito promete rever festas coletivas

 
O novo reitor da Universidade de Ouro Preto (Ufop) eleito ontem, professor Marcone Jamilson Freitas Souza, do Departamento de Computação, disse que normalmente as pessoas associam morar em república com desempenho escolar negativo, o que não é verdade, segundo ele. “Eu sou uma prova dessa situação.

Fui morador de repúblicas em Ouro Preto e fiz o curso em quatro anos e meio, em 1982. A gente entende que nesses anos todos houve um aumento no consumo de álcool, que antes não existia em excesso. A comunidade hoje reconhece que há problema e esse problema tem que ser atacado”, diz Marcone.

O novo reitor disse que pretende atacar o consumo exagerado de álcool, mas não com sanções, mas com um trabalho de conscientização em parceria com profissionais ligados à área de saúde da universidade, medicina, psicologia, assistência social e pró-reitoria de assuntos comunitários e estudantis. “Os próprios alunos se organizaram em associações, como a de repúblicas federais de Ouro Preto e as particulares. Eles estão cientes desses problemas que têm que ser enfrentados. Não temos solução pronta para isso. É trabalho de conscientização, mesmo”, observa o professor.

O novo reitor toma posse depois do carnaval, e as festas nas repúblicas têm que ser discutidas. “A gente reconhece que hoje há um número excessivo de festas. Elas têm que ser reduzidas. O carnaval é o 12 de Outubro são festas tradicionais, mas se esse modelo que hoje está em uso não está bom a gente vai reavaliar, mas tudo será discutido.
Não vejo problemas de se comemorar o carnaval nas repúblicas, mas pode não ser nesse nível ou modelo adotado atualmente”, diz Marcone, ressaltando que as festas terão que ser mais moderadas e responsáveis.

Segundo foi apurado pelo EM, em muitas repúblicas federais de Ouro Preto os calouros são obrigados a ingerir muita bebida alcoólica e até mesmo entorpecentes em suas festas de aceitação nas moradias estudantis. De acordo com o novo reitor, às vezes, um acontecimento pontual mancha toda a imagem das repúblicas. “Isso vai ser investigado. Essa não é a orientação geral, inclusive da própria Associação das Repúblicas Federais de Ouro Preto. Esse critério de seleção não tem esse caráter em outras repúblicas.

Repercussão

Por duas vezes em menos de um mês, repúblicas mantidas pela Ufop estamparam luto pela morte dos estudantes - Foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press - 30/11/12 O novo reitor esclarece que os alunos são os mais interessados em acabar com o problema diante da repercussão negativa com as duas mortes de colegas. “Eles vêm para Ouro Preto e são escolhidos nessas casas. Não pagam aluguel. Muitos têm dependência financeira e precisam de uma moradia”, informa. Como ex-morador de república, ele disse que sabe da importância de viver em sociedade, a se comunicar bem com as pessoas e a ser gestor. “Na vida profissional, você tem um aspecto técnico, que é importante, mas ele convive com esse aspecto de gestão. Os alunos de Ouro Preto, principalmente os de república, eles têm esse diferencial. Eles se dão bem exatamente pelo fato de terem morado em república e tido essa experiência”, diz Marcone.

O professor conta que há mais tempo a Ufop fez um acordo com as repúblicas federais de não usar objetos que humilhassem os calouros, como a placas presas ao pescoço com dizeres ofensivos. Marcone esclarece que hoje existem dois estilos de escolha dos estudantes para as moradias estudantis da Ufop. “Primeiro, temos as repúblicas de autogestão, em que a escolha é da própria república, e a outra que é por socioeconômica. Todas as moradias feitas recentemente pela universidade são no regime de escolha socioeconômica”, salienta Marcone. Ao todo, foram cinco chapas disputando as eleições da Ufop.


Associação promoverá campanhas

O presidente da Associação dos Moradores de Repúblicas Federais de Ouro Preto (Refop), Luiz Fhelippe, disse que vai intensificar as campanhas de conscientização dos estudantes que moram em repúblicas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) para tentar diminuir o consumo abusivo de bebidas alcoólicas em suas festas. “Já nos reunimos com a reitoria e com a associação das repúblicas particulares. Já temos uma palestra marcada para o dia 15 com o pessoal do curso de medicina e os estudantes associados. Vamos discutir os efeitos do álcool”, informa.

Segundo o presidente da Refop, o consumo excessivo de álcool não é um problema específicos dos alunos das repúblicas, mas de todos os jovens, influenciados pelas campanhas publicitárias que incentivam o consumo de bebidas alcoólicas. “O álcool não está sendo visto mais como uma droga. Está sendo visto como algo comum. O que a gente vê na mídia relacionado ao álcool somente coisas boas, que a pessoa que ingere bebida alcoólica consegue um lugar melhor. A gente quer mostrar o lado ruim da utilização de álcool e de outras substâncias, o que podem causar de mal à saúde”, diz.

Luiz Fhelippe não concorda com a declaração de alguns professores da Ufop de que as repúblicas federais não têm um ambiente saudável e familiar para quem realmente quer estudar. “Ótimos profissionais que estão mercado de trabalho moraram nas repúblicas. As médias escolares dos atuais estudantes também são altas”, garante Luiz Fhelippe.

O presidente da Refop também nega a informação de que calouros são forçados a ingerir grandes quantidades de bebidas e até mesmo outras drogas em suas feitas de aceitação nas repúblicas. “Ninguém é acusado a fazer nada que não queira”, diz. Sobre os trotes aplicados, ele disse que desde 2009 há um acordo com o Ministério Público para acabar com os trotes. “Desde então, a gente vem fazendo esse trabalho de conscientização para pôr fim aos trotes. Mas, a gente não tem o poder de policiamento, de ir às repúblicas para olhar e saber se está acontecendo. Desconheço a prática de trote desde aquela época, tanto é que nas repúblicas federais os calouros não usam mais placas penduradas no pescoço”, afirmou.

 

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