Jornal Estado de Minas

Jornalista do EM trabalha ao lado de garis em BH

 Dois dias seguindo e tentando trabalhar com os garis da SLU mostraram que pode ser fácil jogar lixo na rua ou numa boca de lobo, mas retirar tudo o que se acumulou com o tempo exige esforço físico e técnica. Apesar de vestirem o mesmo uniforme laranja, bonés e luvas, os limpadores de bocas de lobo são diferentes dos garis da limpeza urbana, que fazem a varrição ou coletam lixo, e deixam isso bem claro. São trabalhadores robustos e agem de forma coordenada. Depois que saltamos do caminhão, precisamos ser rápidos para que os veículos não estacionem sobre as grelhas e nos impeçam de limpá-las. Enquanto duas duplas retiram da carroceria as ferramentas e carrinhos de mão, um gari corre com os cones debaixo do braço e vai posicionando essas barreiras de tráfego sobre as barras de ferro ou concreto encaixadas no pavimento.

Depois de observar um dos garis, Jackson Nunes Moreira, o Baiano, de 39 anos, trabalhando na Rua Mucuri com Rua Ourissanga, na Floresta, Região Leste de BH, chegou a minha vez. Comecei a tarefa capinando o entorno da boca de lobo. Sem muito esforço, arrastei mato e pedras e removi raízes encrostadas com pancadas da enxada. Apesar da demora, tudo foi capinado.

Remover a grelha provou ser mais desafiador do que parecia. As frestas entre a moldura e a peça são muitas vezes preenchidas por terra e raízes que vão sendo compactadas por automóveis. Para tirar a grelha usei um vergalhão de aço entortado no formato de “s”. Um, dois, três, cinco puxões e nada de a peça se mover.

Minha dificuldade causou risos amistosos entre os colegas, que já previam minhas dificuldades. Baiano então pegou uma alavanca de metal e inseriu a ferramenta entre as grades. Num gesto brusco, liberou a grade e pude puxá-la para o lado com o gancho. “O Baiano é o mais forte.
Quando a gente não consegue abrir, ele vem com a alavanca e puxa”, disse o colega Rafael Alício de Assis, de 22.

A segunda parte do trabalho consiste em retirar os excessos das paredes da boca de lobo. O mais difícil mesmo é limpar o fundo. Nas drenagens da Floresta, a chuva carreia material dos bota-foras nos passeios, como terra, raízes, folhas e gravetos. Tudo aquilo se emaranha numa massa compacta que parece xaxim, mas que forma placas rígidas que só se desprendem com golpes fortes da enxada. Na Região Central, a dificuldade é reunir no meio da água escura e malcheirosa as garrafas, latinhas, embalagens plásticas e outros detritos de buracos mais profundos. Enquanto a média dos garis era de dois minutos por boca de lobo, não consegui remover o lixo de nenhuma em menos do que 10 minutos.

A técnica deles é bem apurada. Precisava me recurvar para chegar até o lixo e trazê-lo com a enxada, enquanto os garis o fazem eretos, movimentando o cabo da ferramenta com o auxílio do pé.
O resultado, em poucas horas, foram dores fortes nas costas e a necessidade de descansar, enquanto o suor escorria pelo nariz e em volta das orelhas. Certamente, se menos pessoas sujassem as ruas, esse trabalho poderia ser feito menos vezes e as drenagens funcionariam a contento.

TESOUROS NA LAMA As enxadadas rápidas dos garis ao remover o lixo das bocas de lobo podem parecer movimentos simples para encher os carrinhos de mão, mas nesse tempo exíguo eles fazem mais do que limpar. Ao baterem a enxada no carrinho, deslizam com movimentos rápidos a lâmina, espalhando a camada de terra, água negra, plásticos e detritos. O gesto permite que olhos atentos descubram, no meio da maçaroca disforme, o breve reluzir de uma joia, moeda, relógio, telefone celular ou aparelho eletrônico. São os tesouros que muitos deles encontram e que, por mais que possam parecer pouco, fazem a alegria do grupo.

Nos pontos de ônibus a expectativa de encontrar valores é sempre grande, já que muita gente com dinheiro trocado acaba derrubando suas moedas sobre a boca de lobo. O mesmo ocorre nos pontos de táxis. Na quarta-feira, só na boca de lobo da Avenida Afonso Pena com Rua Espírito Santo, foram encontrados R$ 3 em moedas. “Já salvamos o refri (refrigerante) do almoço”, comemorou o líder dos garis, Josias de Almeida Nogueira, de 33.

O mais sortudo dos garis é Baiano. Nos dois dias em que a reportagem acompanhou o trabalho dos garis, o homem de olhar atento conseguiu achar dois brincos dourados diferentes.
“Uma vez achei uma aliança de ouro de 18 quilates e a vendi por R$ 330”, lembra. O gari até se emocionou quando revelou o que fez com o dinheiro. “Comprei tijolos, cimento, areia, ferragens e paguei três dias dos pedreiros que estão fazendo o muro de arrimo da minha casa”, conta o homem que mora numa área de risco geológico, no Bairro Tony, em Ribeirão das Neves, Grande BH. “A gente, que mora num lugar que a chuva pode derrubar, fica ainda mais triste quando vê as pessoas entupindo bocas de lobo e provocando enchentes”, afirma..