Belo Horizonte está refém dos acidentes com cargas perigosas, pela falta de uma estrutura capaz de proporcionar liberação imediata de pistas após acidentes envolvendo caminhões e carretasFoi o que comprovou mais uma vez um tombamento no Anel Rodoviário, que provocou 13 horas de transtorno não apenas na via, mas em quase toda a cidadeO tumulto começou ainda na noite de terça-feira, por volta das 21h – quando uma carreta carregada com 25 toneladas de gás de cozinha (GLP) tombou no km 3 da rodovia, entre os bairros Buritis e Betânia, no sentido Vitória –, e só terminou após as 10h da manhã de ontem, quando o tráfego finalmente voltou ao normalA pista permaneceu fechada durante toda a noite, e o congestionamento chegou a oito quilômetros nos dois sentidos da rodovia, em uma situação considerada inadmissível por especialistas em transporte e pelos cidadãos prejudicados.
Como consequência da falta de um plano de emergência e da capacidade de resposta dos órgãos responsáveis pelo trânsito, caminhões ficaram parados durante toda a madrugada, cargas deixaram de ser entregues na hora certa, pessoas se atrasaram para o trabalho e muitas até mesmo desistiram dos compromissosO acidente reabre a discussão sobre a responsabilidade para retirada desse tipo de cargaEspecialistas criticam a postura do poder público, que atribui o dever de liberar as pistas às empresas transportadoras
“A relação entre o poder público e a população é direta, por isso os órgãos de trânsito e segurança não podem delegar a uma entidade privada a obrigação de providenciar a liberação da pista nos casos de acidentes”, ressalta o coordenador-geral do Núcleo de Transportes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ronaldo Guimarães GouvêaPara ele, o Estado deve se equipar e ter condições de manter uma estrutura com técnicos capazes de avaliar o risco que a carga oferece, além de equipamentos e guinchos para retirada dos veículos“Se não puder oferecer isso, o poder público não deveria permitir a circulação desse tipo de veículo e de carga no Anel Rodoviário”, afirma
A solução apontada pelo engenheiro para os constantes acidentes que travam toda a cidade é a construção do Rodoanel, contorno Norte da região metropolitana, ligando a BR-040, em Nova Lima, à BR-381, em RavenaEntretanto, as obras não têm prazo para serem executadas, já que até mesmo a reforma do atual Anel Rodoviário foi adiada, sem prazo de conclusão.
INADMISSÍVEL A espera de 13 horas que testou a paciência dos motoristas é considerada abusiva pelo especialista
O fechamento da pista durante toda a madrugada foi determinado pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv), que defende ser difícil agir rapidamente em acidentes com carga perigosa, além de isentar-se da responsabilidade de remoção do veículo da pistaCom a tarefa atribuída à empresa, foi necessário aguardar a chegada de um técnico da transportadora da carga de gás para analisar o risco de explosãoDe acordo com o sargento Marcos Bina, um profissional enviado pela empresa Copagaz, dona da carga, esteve no local do acidente por volta das 23h, duas horas após o acidente“Ele descartou o vazamento de gás ,para que outro cavalo mecânico fizesse a retirada da carreta”, disseSegundo ele, o veículo que removeu a carreta com a carga de gás chegou às 3h
O veículo veio de Lavras, no Sul de Minas, para atender à ocorrênciaÀs 6h, teria deixado o local, removendo a cargaA liberação da pista ocorreu por volta das 8hO trabalho teve o apoio do Corpo de Bombeiros, que ajudou na limpeza da pista
Novo problema em velhas armadilhas
O acidente que mais uma vez desafiou a paciência dos motoristas que trafegam por Belo Horizonte não expôs apenas a falta de capacidade das autoridades para lidar com desastres envolvendo cargas perigosas Evidenciou também outros problemas antigos: a inadequação do Anel Rodoviário para receber o tráfego pesado juntamente com o trânsito urbano e a ausência de soluções de engenharia que amenizem o conflito, especialmente na chamada descida do Bairro Betânia, onde o tumulto de ontem começou.
O motorista da carreta que tombou, José Jair Rigo, de 51 anos, disse aos policiais que percebeu ter ficado sem freios justamente no momento em que se deparou com uma retenção à frentePara não atingir os demais automóveis, ele teria dado um golpe de direção, o que provocou o tombamento
Depois de passar mais de duas horas no congestionamento, o professor Luís dos Reis Gonçalves Filho, de 33, que mora no Bairro Camargos (Região Noroeste) e trabalha no Jardim Canadá, em Nova Lima, ligou para o trabalho informando que não conseguiria chegarPara Fabíola Marinho Carneiro, de 39, também professora na escola onde Luís trabalha, o transtorno foi maiorO carro dela, comprado há menos de dois meses, teve um problema mecânico provocado pelo arranca e para de horas no engarrafamento“Fiz um esforço financeiro para comprar um carro novo, mas os problemas não se resolvem no AnelEstou cansada de tanto acidente aqui”, reclamou.
Horas de tumulto
» 21h – A carreta placa MQS 9201, de Porto Ferreira (SP), dirigida pelo caminhoneiro José Jair Rigo, de 51 anos, tomba no km 3 do Anel Rodoviário, entre os bairros Buritis e Betânia, no sentido VitóriaO veículo vinha de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro e tinha como destino Ibirité, na Grande BH, onde a carga de 25 toneladas de gás de cozinha (GLP) seria entreguePor causa do acidente, a rodovia ficou totalmente fechada.
» 23h – Um técnico em segurança do trabalho a serviço da empresa Copagaz, dona da carga, vai ao local do acidente para avaliar se havia vazamento ou risco de explosão
» 3h – O cavalo mecânico da empresa transportadora chega no Anel para remover a carreta que levava o cilindro com a carga de gás
» 7h – Com a carga finalmente retirada, a pista é liberada e o trânsito volta a fluir, ainda com lentidão.
» 10h – Depois de mais de três horas, necessárias para liberar os nós no tráfego, o trânsito no Anel Rodoviário volta ao normal.