Jornal Estado de Minas

BRT virou mania nacional e agora vai chegar a BH

Rapidez e baixo custo de implantação transformam o sistema em solução para todos os problemas do transporte público. Há 113 projetos em execução em 25 cidades do país

Flávia Ayer

Curitiba foi a primeira capital a adotar o BRT, em 1974 - Foto: Pedro Ribas/SMCS Descricao

Enviada especial do Rio de Janeiro – BRTÉ bom guardar essa siglaNa falta do metrô, as três letras – do inglês transporte rápido por ônibus – se tornaram, além da principal aposta de Belo Horizonte para resolver os problemas de mobilidade até a Copa de 2014, uma mania nacionalHoje há 113 projetos do sistema em curso em 25 cidades no país, totalizando 1,2 mil quilômetros de corredores exclusivos para os coletivos até 2016, de acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)Em linha reta, significaria percorrer a distância de BH a Salvador apenas pelo BRT, que num horizonte de quatro anos deve transportar 16 milhões de passageiros por dia no país, igual a duas vezes a população da SuíçaA demanda representa um quarto dos usuários dos ônibus convencionais.

Somente o Ministério das Cidades está aplicando, entre investimentos e financiamentos, R$ 15,1 bilhões em 930 quilômetros de corredores de ônibusOito das 12 cidades sedes da Copa adotaram o BRT como opção de transporte público para atender a demanda do campeonato mundial de futebolApesar de prever uma das menores redes de BRT, com 26 quilômetros de pistas exclusivas, o objetivo em BH é transportar cerca de 700 mil passageiros por dia nos corredoresHá também projetos em curso em cidades de médio porte do interior do país, como Cascavel e Maringá, no Paraná, e Uberlândia, no Triângulo MineiroLá, um BRT está em operação e quatro em negociação.

Com o mais moderno BRT implantado no país, o Rio de Janeiro inaugurou em junho o primeiro dos quatro corredores previstos para a capital fluminense e já vem colhendo frutosO TransOeste, que vai de Santa Cruz à Barra da Tijuca, em menos de quatro meses de operação está transportando 70 mil passageiros por dia e reduziu para 50 minutos a viagem que antes era feita em mais de duas horas

O corredor tem 40 quilômetros, mas vai chegar a 56 no fim de 2013, com 120 mil usuários ao dia.

Em Belo Horizonte, a meta é começar a operar o sistema no fim do ano que vem, gradativamente, até a Copa do Mundo, tirando 640 ônibus de circulação do hipercentro e reduzindo pela metade o tempo das viagensCom financiamento do governo federal, recursos do estado e do município, o BRT de BH conta com investimento de R$ 1,2 bilhão em 26 quilômetros de pistas exclusivas, sendo 16 nas avenidas Antônio Carlos/Pedro 1, 5 na Cristiano Machado e cinco na área centralCriado em 1974, em Curitiba, pelo ex-prefeito da cidade Jaime Lerner, não é à toa que o sistema virou moda no Brasil e no mundo, onde está presente em 35 países.

O BRT se inspira no metrô para tornar o transporte por ônibus mais eficienteOs pontos de embarque dão lugar a estações confortáveis, onde, numa tela, o passageiro pode conferir em tempo real quantos minutos faltam para o coletivo chegarO pagamento do bilhete ocorre dentro da própria estação e o embarque é feito no mesmo nível do veículo, sem qualquer degrauOs ônibus trafegam em corredores segregados das pistas de carros, agilizando o percurso, e têm um aspecto diferenciado dos convencionaisEm BH, todos os veículos vão contar com ar-condicionado e espaço para transportar bicicletaHaverá modelos padrões, com medida entre 13,2m e 15m, e articulados, com pelo menos 18,6m e capacidade para transportar cerca de 140 passageiros.

BARATO E RÁPIDO

 

O principal motivo para o BRT ter caído na graça do poder público está relacionado, principalmente, ao custo e tempo de implantação“Essa é uma ideia brasileira, que emplacou no mundo e, só agora, com a retomada dos investimentos em transporte público pelo governo federal, está se disseminando pelo paísO BRT chega a custar 10 vezes menos que o metrô

Além disso, enquanto a construção do corredor de trem subterrâneo demora 15 anos, o corredor de ônibus leva cerca de dois anos”, defende o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha, convicto de que os corredores não representam a solução dos problemas do trânsito“Para ser eficiente, um sistema de transporte tem que envolver todos os modais”, ressalta.

Embora mais barato e de execução mais rápida, o BRT não está livre de problemas“O primeiro desafio é a decisão política, pois as cidades terão que tirar o espaço do automóvelOutro entrave são as desapropriações”, lista CunhaNo Rio, onde o sistema começa a ganhar o dia a dia na cidade, brotam críticas dos motoristas quanto ao fato de duas pistas da Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, terem sido transformadas em corredores do Ligeirão, nome local do sistema“Eles poderiam ter construído o BRT no canteiro central”, reclama um taxista.

Mas quem enfrentava longas horas de suplício dentro do coletivo só vê vantagens“Antes, gastava três horas de casa até o trabalho e agora são só 50 minutosO ônibus é geladinho, estou achando ótimo”, comenta a atendente Márcia Santana, de 40 anos“Uma pesquisa apontou 90% de satisfação entre os usuários”, afirma o secretário municipal de Transportes do Rio, Alexandre SansãoO Rio tem previsão de implantar um total de 149 quilômetros de pistas para os Ligeirões até 2016“A intenção é atender 1,5 milhão de passageiros e tirar a metade dos ônibus do Centro do Rio”, afirma Sansão.
*A repórter viajou a convite da Fetransport

Adaptação ao estilo mineiro

Em pouco mais de um ano, moradores de Belo Horizonte vão poder circular num novo sistema de transporte inspirado em modelos ao redor do Brasil e do mundoPara formatar o transporte rápido por ônibus (BRT, na sigla em inglês), técnicos da BHTrans viajaram para Curitiba, berço do sistema, contrataram consultoria gaúcha e andaram no BRT cariocaTambém conheceram de perto a experiência do Chile, da Colômbia e do MéxicoA mistura de todos esses sotaques começa a circular no fim de 2013, com a inauguração dos corredores da Antônio Carlos e da Cristiano MachadoMas o BRT belo-horizontino traz inovações à mineira que já estão dando o que falarAlém de mesclar ônibus metropolitanos e municipais, algumas linhas do BRT vão trafegar fora dos corredores exclusivos, como no Anel Rodoviário.

Para isso, o sistema contará com modelos de ônibus diferenciados, com portas normais à direita e adaptadas ao BRT à esquerda“Estamos usando a criatividade a favor do usuário”, afirma o diretor de Planejamento da BHTrans, Célio FreitasA manutenção de ônibus metropolitanos nos corredores exclusivos é outra diferença“O terminal de integração de Venda Nova, por exemplo, não tinha espaço para acolher os ônibus metropolitanosPor isso, optamos por manter as linhas, mas no modelo do BRT e com estações diferenciadas”, ressalta Freitas.

O presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, aponta que, como se trata de uma inovação, ela precisará ser testada“É um trabalho audacioso e muito diferente”, ressalta Cunha, que aponta outro diferencial do sistema de BH“A capital mineira vai misturar ônibus articulados com os de tamanho padrãoÉ uma concepção nova de BRT e tenho a impressão de que, nesse aspecto, perde-se um pouco da eficiência”, afirmaMas, para chegar ao produto final que os belo-horizontinos conhecerão no ano que vem, a empresa que administra o trânsito da cidade foi buscar experiências fora dos limites da capital.

Segundo o diretor da BHTrans, as experiências de outras cidades ensinaram a não repetir os erros“ Em Santiago, eles começaram a implantar todas as operações no mesmo dia e isso gerou um colapsoJá vimos que teremos que implantar as linhas aos poucos”, conta FreitasMesmo o recém-implantado BRT do Rio tem dado lições a BH“Eles promoveram visitas guiadas com pessoas de referência dos bairros e grupos de deficientes e idosos, para mostrar como o sistema iria funcionarVamos repetir essa experiência”, contaEm Bogotá, técnicos da prefeitura vislumbraram como o sistema de informação ao usuário poderá se tornar mais eficiente.

Coordenadora de projetos de transportes da Embarq Brasil, organização internacional voltada para a promoção do transporte sustentável, Brenda Medeiros ressalta que o BRT da capital mineira será exemplo em segurança viária“Acompanhamos o projeto e há muita preocupação em relação à travessia segura de pedestresO investimento para qualificar o sistema de ultrapassagens dos ônibus também faz muita diferença e aumenta muito a capacidade operacional”, afirma Brenda.

Obras de implementação do BRT na Avenida Cristiano Machado - Foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press

DEMANDA

A expectativa da BHTrans é transportar pelo menos 700 mil passageiros por diaO corredor Antônio Carlos/Pedro I, que corta as regiões Norte e Pampulha, terá 16 quilômetros de extensão, 25 estações e vai transportar 400 mil usuários por diaO sistema reduzirá de 482 para 126 o número de ônibus que vão da Antônio Carlos em direção ao Centro.

Já o corredor da Cristiano Machado, com cinco quilômetros de extensão e 10 estações, deve receber 300 mil passageiros por dia O BRT evitará que 284 dos 455 ônibus que passam pela Cristiano Machado continuem a circular na área central, onde haverá seis estações“Trabalhamos com o número de 700 mil passageiros, a demanda atual, mas esperamos que motoristas deixem o carro em casa e passem a usar o BRT”, explica Freitas, que garante, no caso das linhas expressas, sem paradas, a redução em 50% do tempo de viagem.

TRÊS PERGUNTAS PARA: Luiz Silla, gestor de operação do transporte coletivo de Curitiba

Como funciona o BRT em Curitiba?
Aqui, chamamos o sistema de expresso ou de canaletasEle foi criado em 1974 e faz parte de uma rede integrada de transportesSão 81 quilômetros, distribuídos em seis corredores exclusivos, que transportam 700 mil passageiros por diaAlém das canaletas exclusivas, o BRT trafega por vias laterais locais e em ruas destinadas apenas para ônibus, na região central de CuritibaSão 30 terminais e 364 estações tubo.

O sistema de transporte em Curitiba está prestes a completar 40 anosQuais desafios surgiram a partir da maturidade do modelo?
Um dos nossos desafios é manter a velocidadeQuando começamos a operar as canaletas, os ônibus trafegavam a cerca de 22km/hHoje essa média é de 18km/h e, em horários de pico, 17km/hUm dos problemas é não termos pistas de ultrapassagem e os ônibus acabam ficando em comboio.

Há projetos de revitalizar e ampliar as canaletas?
Em 2010, inauguramos o sexto corredor, que está com seu prolongamento em obrasAlém disso, em outra canaleta fizemos um “up grade” para permitir ultrapassagens e aumentar a velocidade operacionalIsso dobra a capacidade do corredorHoje já temos circulando na cidade ônibus biarticulados, com 28 metros de extensão e capacidade para 250 passageirosTambém estamos recuperando a velocidade operacional com um sistema de prioridade semafórica.

SAIBA MAIS: BRT NO MUNDO
O transporte rápido por ônibus está presente em 35 países, em todos os continentes do planetaO sistema, criado na década de 1970, em Curitiba, já inspirou projetos na Colômbia, Chile, Estados Unidos, África do Sul, Austrália, China, França, entre outrosBogotá, na Colômbia, recebeu o primeiro BRT de alta capacidade e mostrou que o transporte de massas poderia ser feito fora dos trilhosDe acordo com a organização mundial BRT Data, os corredores exclusivos para ônibus transportam hoje no mundo 23,6 milhões de passageiros por dia, em 146 cidades