(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ENTRE O MEDO E O RISCO

Armamento de cidadãos divide opiniões até entre especialistas em tiro

Para alguns, curso não capacita para autodefesa. Para outros, treino e acesso a armas são direitos legítimos


postado em 21/10/2012 07:09 / atualizado em 21/10/2012 07:13

Instrutor Alexis Pettersen afirma que arma deve ser último recurso(foto: Maria Tereza Correia/EM DA Press)
Instrutor Alexis Pettersen afirma que arma deve ser último recurso (foto: Maria Tereza Correia/EM DA Press)
A sensação de medo e vulnerabilidade na Grande BH leva muitos cidadãos a tentar cuidar da própria segurança. Mas especialistas e autoridades da defesa social fazem um alerta aos que, diante da oferta de clubes de tiro, sentem-se capazes de proteger a família com arma em punho. Para muitos, o curso por si só não capacita para uma situação de tensão extrema. Além disso, afirmam, a existência da arma estimula a violência e aumenta o risco da própria vítima.

Um dos defensores do Estatuto do Desarmamento, o sociólogo Antônio Rangel, coordenador da ONG Viva Rio, diz que a sensação de proteção proporcionada pela arma é uma ilusão. Ele destaca que o criminoso conta com o fator surpresa, o que dificulta a reação da vítima. Rangel cita pesquisa da Polícia Federal sobre controle de armamento, de 2003, que indica que 27 mil armas apreendidas no país foram roubadas de pessoas de bem, e lembra a invasão à casa dos jornalistas Fátima Bernardes e William Bonner, no Rio, com uma arma roubada um mês antes de um militar reformado. Para o especialista, o agravante de ter uma arma de fogo é ser fornecedor dos bandidos.

“A arma é um excelente instrumento de ataque, mas é um precário instrumento de autodefesa. Se você tem prática de tiro ao alvo, o bandido tem prática de matar pessoas. Quando bate olho no olho, se você é um cristão, muitas vezes não tem coragem de apertar o gatilho. O bandido não tem escrúpulos e leva vantagem, com uma ínfima chance de a vítima se dar bem”, acredita o sociólogo. “É legítimo querer se defender, mas a arma é um péssimo passo, porque a realidade não é como filme.”

Ex-presidente da Federação Mineira de Tiro Prático e ex-vice-presidente da Confederação Brasileira de Tiro Prático, o economista Demetrius da Silva Oliveira acredita que as aulas em clubes não capacitam o indivíduo para que ele se arrisque. “A arma de fogo nunca vai ser o advento que vai resolver qualquer questão, principalmente as de segurança. Você consegue aprender o manuseio seguro, mas se pensa que está preparado para enfrentar um bandido, está enganado. No treino, você dispara contra um alvo de papel. Matar alguém, mesmo que seja uma pessoa má, é mais complicado”, adverte. Para ele, há equipamentos que podem tentar dificultar ou coibir a ação dos criminosos, como cercas elétricas, alarmes e câmeras .

Já o professor de tiro e empresário Antônio Costa Júnior, do Grupo Protect, avalia que a polícia não tem aparato suficiente para o combate ao crime. “Ela não é onipresente. Quem faz a sua melhor segurança é você mesmo, desde que esteja bem preparado. Não se trata de uma apologia ao armamento da sociedade, mas de um manifesto pelo direito à defesa”, pontua.

Segundo ele, nos últimos cinco anos o belo-horizontino tem procurado se informar sobre armas. Chega a mais de 200% o aumento da procura pelos cursos de tiro defensivo no Bairro Gutierrez. “O cidadão quer mudanças. As pessoas estão procurando mais, tentando pelos caminhos da legalidade, mas esbarram num grande afunilamento”, diz. Ele reconhece a importância de controle, mas cobra menos burocracia no atendimento a pessoas comuns que buscam o caminho da lei para se proteger.

Leonardo Allison Garcia Ferreira, de 29, admite que ter uma arma não significa garantia de vida para ninguém. Contudo, defende sua decisão de se armar: “Não resolve 100%, mas a partir do momento em que você pode reagir a uma invasão, é valido”. Atirador esportivo desde 2007, o advogado diz estar convencido de que a insegurança é a grande responsável pelo aumento de atiradores civis em BH. “A preocupação de proteger a família está fazendo com que trabalhadores se armem.”

Raimundo (nome fictício), de 45 anos, empresário bem-sucedido, tem uma arma em casa e outra no escritório, medida de proteção tomada depois de ter sido rendido e ameaçado de morte com a família na Região Centro-Sul da capital, no ano passado. O administrador não poupa críticas às dificuldades para obter porte e registro. “Para as autoridades é muito mais fácil negar. Elas deveriam fiscalizar e acompanhar com mais eficiência as reais necessidades dos cidadãos. Essa omissão só contribui para o aumento da violência.”

Com passagem por vários cursos, o empresário diz ter se tornado atirador para “proteção pessoal e da família”. “A bandidagem está em alta, com a certeza de que o pai de família, trabalhador, não vai fazer nada. Quando o ladrão não tinha certeza do desarmamento, pensava duas vezes antes de invadir uma residência”, .

Na bolsa, batom e revólver

Nos quadros de treinamento do Grupo Protect, quatro em cada 10 atiradores são do sexo feminino. Na prática esportiva, no Bairro Gutierrez, o índice chega a 50%. Para o instrutor de tiro Antônio Costa Júnior, a preocupação com a segurança em Belo Horizonte tem aumentado principalmente entre as mulheres. A advogada Heloísa Matos, de 45, atiradora, especialista em direito criminal, explica: “As mulheres estão mais independentes, mais sozinhas e, com isso, mais vulneráveis. Querem se proteger e estão amparadas pela lei”.

A empresária Else (nome fictício), de 46, já orientou a filha, de 25, a também fazer o curso de tiro. Ameaçada, ela viu a família em perigo com a casa invadida na região metropolitana. Ela conta que chamou a polícia e, a partir daí, perdeu a fé na segurança pública. “Eles nem apareceram. Cheguei a acreditar que podia ser diferente, que o desarmamento poderia ser uma boa saída contra a violência. Mudei de ideia”, diz.

A comerciante Irene, de 43, decidiu se armar por curiosidade e prevenção. Ela afirma estar assustada com o aumento da violência em BH. Ex-mulher de atirador, diz não ter sido influenciada. “A escolha foi minha. Queria um hobby que tivesse alguma utilidade. Há três anos pratico regularmente”, conta, embora não acredite que o cidadão armado seja capaz de conter o avanço da criminalidade.

Para Isabela, de 25, estudante de direito, atirar é uma questão de defesa e de prática esportiva. “A segurança em Belo Horizonte está extremamente precária. Acho inconstitucionais tantas dificuldades para o porte e para o registro de armas, já que o poder público não dá conta de garantir a segurança”, afirma. A universitária não tem arma em casa. Ainda assim, defende que, “desde que devidamente capacitado”, qualquer cidadão sem antecedentes criminais tenha acesso às armas de fogo.

ESTATUTO NA MIRA

Projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados propõe revogar o Estatuto do Desarmamento, mudando as regras para a aquisição e a circulação de armas no país. O assunto é o mais comentado em enquete promovida pelo site da Casa – em segundo lugar aparece a união homoafetiva, com 19.268 votos. Das 36.760 opiniões sobre o desarmamento, 35.219 (95,81%) são favoráveis à revogação da lei.

PALAVRA DE ESPECIALISTA: ROBSON SÁVIO, INTEGRANTE DO FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Treinamento é insuficiente
“A arma é sempre um fator de violência e nunca de proteção. O armamento exige um nível de treinamento muito grande, diferente do treinamento para a prática esportiva, que tem condições controladas e alvo específico. Nada parecido com um assalto na sua casa, com sua família feita refém, situação inesperada e imprevisível. As pesquisas mostram que quem tem porte de arma corre um risco muito maior de ser vitimado. Há também a chance de essa arma ser levada para compor a grande quantidade de armamento clandestino. Sem contar os casos de acidentes dentro de casa, porque as armas ficam mal armazenadas e carregadas. E se estiverem desmuniciadas, de que vão adiantar? Num país que registra 50 mil homicídios por ano, 90% deles provocados por armas de fogo, uma briga de vizinhos, de marido e mulher, discussões sobre futebol ou no trânsito podem acabar aumentando essas estatísticas de morte quando a arma está presente.

ALERTA
ARMA COMO AMEAÇA
O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sustentam que pessoas que andam armadas têm, estatisticamente, probabilidade 56% maior de serem feridas ou mortas. Pesquisas norte-americanas apontam que quando há armamento em casa, aumenta em 7% o risco de mortes por violência doméstica, acidentes com crianças e suicídio.

AS EXIGÊNCIAS
CIDADÃO COMUM
Para a aquisição de armas de fogo, o cidadão comum deverá cumprir os requisitos da Lei 10.826/03: ter mais de 25 anos, comprovar residência e ocupação lícita. Precisa ainda preencher um pedido de autorização que deverá conter as características da arma a ser comprada e a declaração da necessidade desta. Deve anexar certidões negativas da Justiça (federal, estadual, militar e eleitoral) e declaração informando que não responde a inquérito policial. Precisa fazer teste psicotécnico e de tiro. Após essas etapas, será emitida a autorização de compra. De posse da nota fiscal, é necessário apresentá-la, junto com a taxa de registro paga, à Polícia Federal e aguardar o Certificado de Registro de Arma de Fogo, que será apresentado na loja para a retirada da arma. Todos os procedimentos podem ser providenciados por despachante.

ATIRADORES, CAÇADORES E COLECIONADORES
Devem solicitar ao Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC) do Exército Brasileiro em sua região autorização de compra. Comprar a arma, encaminhar a nota ao SFPC e aguardar a emissão da Guia de Tráfego.

JUÍZES, PROMOTORES, POLICIAIS CIVIS E OUTROS COM CARGO QUE AUTORIZE O PORTE FUNCIONAL
Deverão fazer requerimento à Polícia Federal com cópia autenticada da carteira funcional, cópia de comprovante de residência, duas fotos 3X4, formulário do Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal preenchido e declaração de necessidade.

PMS, BOMBEIROS E MEMBROS DAS FORÇAS ARMADAS (MARINHA, EXÉRCITO E AERONAUTICA):
Devem solicitar autorização ao seu comandante, comprar a arma e encaminhar a nota fiscal a sua unidade, para o Registro de Arma de Fogo, feito pela própria instituição.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)