Jornal Estado de Minas

Morte de atriz é desfecho para série de crimes na região Centro-Sul de BH

Junia Oliveira Andréa Silva Paula Sarapu

 

Três assaltos a residências com reféns e morte em apenas duas semanas em dois bairros vizinhos, na Região Centro-Sul

A morte de Cecília Bizzotto é o desfecho trágico de uma sequência de assaltos no São Bento e no Santa LúciaEm outro ponto da cidade, houve mais um caso, ontem à tarde: um morador do Belvedere, também na Centro-Sul, foi rendido por três bandidos armados enquanto lavava a garagem de casa.

Quarta-feira passada, dois homens armados fizeram quatro pessoas reféns numa casa na Rua Fernando França Campos, no São BentoOs suspeitos abordaram primeiro o jardineiro, que trabalhava na parte externa do imóvel, e depois o dono da casa, a mulher dele e outro funcionárioEles ficaram sob o poder dos bandidos por mais de meia horaA dupla fugiu levando aparelhos eletrônicos e joias.

Exatamente uma semana antes, no dia 26 do mês passado, 15 pessoas, entre moradores, empregados e funcionários que prestavam serviço no imóvel, ficaram sob a mira dos assaltantes numa casa da Rua José Batista Ribeiro, também no São BentoTrês homens armados com pistolas renderam a dona da casa e o filho dela, quando saíam do local, às 10h30A ação dos criminosos durou aproximadamente uma hora e eles fugiram num Kia Sportage depois de roubarem R$ 8,5 mil, 500 euros, joias, eletrônicos e até roupas.

O comandante de Policiamento da Capital, coronel Rogério Andrade, garantiu que a PM dará resposta para o caso do Bairro Santa LúciaEle disse ainda que o policiamento está sendo intensificado em algumas regiões onde as casas são alvo de assaltoO coronel informou que duas medidas serão implantadas em breveA primeira é o aumento da repressão por meio da extensão da Operação Impacto, que funciona atualmente em áreas comerciais e próximo a bancos, para as zonas residenciais.

Abordagens

Durante essas ações, são feitas abordagens de motociclistas, veículos e pessoas suspeitas que estejam a pé

Também são feitas abordagens rápidas em semáforos e fechados quarteirões em busca de pessoas atitude suspeita“Vamos deslocar esse mesmo conceito para áreas residenciais, focando em pontos da cidade onde o crime contra o patrimônio ocorre maisAgiremos na Região Centro-Sul e em bairros de outras regiõesA polícia vai agir com repressão, buscando a prevenção, mas sempre respeitando o direito das pessoas”, afirma o comandante.

A outra medida tem caráter preventivo e consiste em destacar um “PM do bairro”Cada bairro terá um policial responsável por fazer a articulação de uma rede composta por moradores e militares, que vão compartilhar informações, numa ampliação da Rede de Vizinhos Protegidos“Não queremos transferir a responsabilidade para os cidadãos, mas queremos fazer uma grande rede de segurançaTanto as ações de prevenção quanto as de repressão precisam de uma relação para gerar resultados melhores”, afirma o coronel Rogério Andrade

Casa em que cecília bizzoto morava com os pais, que estavam viajando: ela foi feita refém por uma hora com irmão e cunhada - Foto: (Jair Amaral/EM/D.A Press)


Três perguntas para..Marcelo Bizzotto Pinto, irmão de Cecília

1- Como foi que tudo aconteceu?

Cecília estava dormindo sozinha na casa há alguns dias e nos pediu que a acompanhássemos porque estava inseguraFomos buscá-la no final da noite no comitê (de campanha de Patrus Ananias) no Bairro Serra
Fomos direto para casaQuando chegamos no portão da garagem vieram dois homens armados, muito agressivosEncostaram a arma na cabeça da gente, mandaram a gente descer e disseram que queriam dinheiro.

2 - E depois?

Quiseram saber se mais gente chegaria na casaDisseram que se chegasse mais gente, eles iam matar todo mundoNos levaram para dentro da casaEnquanto vasculhavam tudo chegou um terceiro bandidoEles ficaram nervosos quando dissemos que não guardávamos dinheiro na casa.

3 - Como sua irmã foi morta?

Um assaltante ficou com a gente na salaOutros dois foram com a Cecília para cômodo do lado de fora, onde ela dormePassou um tempo e ouvi um único disparo e um gritoSempre que me lembro desse grito, bate uma tristeza muito grandeFoi um grito de desespero(Andréa Silva)


Um tiro na paz

Um novo assalto a residência na Região Centro-Sul de Belo Horizonte terminou em tragédia na madrugada de ontemA artista plástica e atriz Cecília Bizzotto Pinto, de 32 anos, foi assassinada dentro da própria casa, no Bairro Santa Lúcia, durante a ação dos bandidosO crime ocorreu por volta da 1h, na Rua Saturno, e chocou moradoresFoi o terceiro caso de roubo a residência na região num intervalo de apenas duas semanasOs outros dois ocorreram no vizinho São Bento, onde moradores e empregados foram feitos refénsDiante da série de crimes, a polícia prometeu “resposta” para a população.

Cecília, o irmão dela Marcelo Bizzotto Pinto e a namorada dele, Alexandra Silva Montes, chegavam em casa por volta da 0h num EcoSport quando foram rendidos por dois homens armadosUm terceiro bandido apareceu depoisAs vítimas ficaram em poder dos assaltantes por aproximadamente uma horaNesse período, os assaltantes reviraram a casa à procura de dinheiro, joias e de um cofreOs objetos recolhidos estavam sendo guardados dentro do EcoSport e de uma Pajero que também estava na garagem.

Alexandra contou à polícia que, em determinado momento, um dos bandidos subiu com Cecília para um dos quartos do segundo andarEla relatou ainda que, de repente, ouviu o homem perguntar à cunhada se ela estava ligando para a políciaNa sequência, ouviu o tiroOs assaltantes mandaram Marcelo abrir o portão e fugiram levando apenas os três telefones celulares das vítimasEle e a namorada saíram de carro à procura de ajuda.

O sargento Gilmar Vieira Murilo, da 124ª Ciado 22º Batalhão, que atendeu a ocorrência, contou que a polícia recebeu uma chamada de alguém pedindo socorro, mas a ligação caiuOs militares acreditam que era Cecília tentando avisar a polícia, de acordo com gravação da central da PMAinda segundo Murilo, depois da chamada uma equipe foi ao local, chamou pelo interfone e, como ninguém atendeu, os militares olharam pelo muro, de onde viram luzes acesas e janelas abertasNesse momento, um taxista abordou os militares, dizendo que um casal num EcoSport o havia parado pedindo o celular dele emprestado para ligar para o 190.

A PM decidiu arrombar o portão e, nesse momento, Marcelo e Alexandra chegaram dizendo que havia uma mulher baleada dentro de casaA porta do quarto também precisou ser arrombadaCecília já estava morta no sofáO sargento acredita que os autores do crime já acompanhavam há algum tempo a movimentação dos moradores da casa.

Drogados

Familiares informaram que, de acordo com Marcelo, os bandidos estavam nervosos, olhos muito vermelhos e aparentemente drogadosHouve violência psicológica e muita ameaça e Cecília havia sido agredida fisicamente por um dos homens.

A atriz tinha um filho de 12 anos, que mora na França com o paiDesde que voltou da Inglaterra, há aproximadamente um ano, onde fez um curso, ela vivia na casa do Bairro Santa Lúcia com os pais, que viajaram para Paris há cerca de uma semanaA expectativa é de que eles e o garoto cheguem hoje a BHNa noite de anteontem, Cecília pediu ao irmão para acompanhá-la até em casa, pois estava com medo de ficar sozinhaEla atuava na campanha do candidato à Prefeitura de Belo Horizonte Patrus Ananias (PT) e voltava de um encontro de trabalhoO velório será hoje de manhã no Cemitério do Bonfim.

Tristeza entre amigos e parentes

O meio cultural está em lutoPelas redes sociais, revoltaCecília era a típica artista que pautava a vida pelo trabalho e pela alegria de viver, segundo amigos e familiaresSócia-fundadora da Companhia Lúdica de Atores, Ciça, como era carinhosamente chamada, criou com mais quatro atores o grupo que estudava ShakespeareAtualmente, estava engajada na campanha de Patrus Ananias para a Prefeitura de Belo Horizonte, trabalhando com mídias sociaisCecília se preparava para dois espetáculos, um deles como atriz e outro como assistente de direçãoEla era artista plástica e professora de teatro no programa Valores de Minas, na capitalDedicava-se ao hobby mais recente e fotografaria ontem a última apresentação da peça Rei Lear, no Parque Ecológico da PampulhaO evento foi canceladoEm setembro, ela registrou as cenas da peça de sua companhia na Praça da Liberdade.

“Era uma figura alegre, mulher lutadora e muito vivaCiça estava aberta a qualquer pessoa, era intensa em tudo o que fazia e tinha um lindo coração”, resume a sócia Beatriz França“Nos conhecemos em 2001, quando a Companhia Lúdica de Atores nem tinha esse nomeComo morávamos perto, pegava carona com ela para os ensaios e ficamos próximasEla era uma das minhas melhores amigas, uma pessoa contagiante e inesquecível”, acrescenta“O que fizeram foi uma crueldade Uma estupidez que me dá nojo”, desabafa Beatriz.

Ator de Rei Lear e integrante da companhia, Leonardo Horta conversou com Cecília horas antes do crimeSegundo ele, ela estava animada“Todo mundo está em estado de choqueFoi um crime brutal, violento, covardeFica a indignação de uma tragédia causada por um indivíduo que não deveria estar transitando entre nósA Justiça precisa dar uma resposta à sociedade sobre isso”, afirma Leonardo“Ciça era uma menina fantástica, era engajada politicamente, uma atriz talentosíssima, com um trabalho de qualidade ética inquestionávelNós perdemos uma companheira excepcional, que fez muito pelo teatro, e o teatro mineiro perde uma pessoa que é difícil pensar que exista alguém que possa substitui-la”.

No exterior

A atriz viveu na França alguns anos e recentemente estudou um ano em Londres, na Inglaterra, onde passou a enfatizar seu trabalho na área de performance documental, com fotos e vídeoEm 2009, com a peça A Ilha da magia, recebeu indicação de melhor atriz no Prêmio Usiminas-SinparcDois anos antes, foi convidada pelo Centro de Estudos Shakespeareanos para criar uma performance da cena da loucura de Ofélia, personagem pela qual se apaixonouMãe de Arthur, de 12 anos, Ciça dava aulas semanais de teatro a cerca de cem adolescentes do programa do governo estadual Valores de Minas.

“Todos os alunos têm um carinho muito grande por ela porque ela tinha força, brilho e maestria para conduzir os jovensCiça tinha uma simplicidade grande e vaidade nenhuma”, comenta Mestre Nego Ativo, coordenador da área de música do programa, que trabalhava com ela.

Primo da atriz, José Bizzotto lamenta os reflexos da violência“O que fica é o sentimento de falta, uma coisa abrupta que ninguém espera acontecer com um ente tão próximo e queridoE tristeza de saber que isso é reflexo da violênciaImagine o que esse cara não passou na vida para apertar o gatilho daquele jeito?”, questiona ele“Ela era uma pessoa muito bonita e trabalhadora”.