Os moradores de Belo Horizonte tiveram que esperar 50 anos para poder escolher pela primeira vez o prefeito da capitalComo em todas as cidades brasileiras, até 1947 o chefe do Executivo em BH era nomeado pelo governador ou interventor do estado, sem que a população fosse convocada para participar da decisãoSó com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1945, as unidades da Federação passaram a ter legislações próprias que determinavam eleições nas principais cidades Em BH, o primeiro embate foi polarizado – de um lado Otacílio Negrão de Lima (PR), do outro Antônio Vasconcelos (UDN) – e contou com todos os ingredientes de uma boa briga política: troca de acusações entre as chapas, disputa pelo apoio de políticos conhecidos nacionalmente e ataques duros ao adversário veiculados diariamente nos jornais
Como a confirmação de que a população seria convocada para escolher seus representantes a prefeito e a vice-prefeito só veio em julho, com a aprovação da Constituição estadual, houve pouco tempo para a articulação das campanhas eleitorais e apenas 23 dias antes do pleito os candidatos foram às ruas pedir votosEm 1º de novembro, dois grandes comícios na Região Central de BH marcaram o lançamento oficial dos nomes de Otacílio Negrão de Lima e seu candidato a vice, Bento Gonçalves Filho, pela Coligação Popular, apoiada pelos partidos PR, PTN e PRP, e de Antônio Vasconcelos e seu vice, Jonas Barcelos Correa, da UDNA eleição ocorreu separadamente, com cada eleitor escolhendo prefeito e vice-prefeito
Com a presença do vereador udenista carioca Carlos Lacerda e muitas bandeiras de apoio de grupos socias e entidades de classe, Antônio Vasconcelos reuniu cerca de 20 mil pessoas na antiga Praça General Gomes Carneiro, que, segundo dados do Arquivo Público Municipal, ficava onde hoje se cruzam a Avenida Afonso Pena e a Rua Espírito SantoNo discurso, o candidato ressaltou a importância de que “os belo-horizontinos finalmente teriam a chance de escolher seu próprio futuro” e citou como principais propostas ações para melhorar o transporte público
A mobilidade, que ocupa espaço de destaque nas campanhas atuais dos candidatos Marcio Lacerda (PSB) e Patrus Ananias (PT), também era tema constante nos discursos da primeira eleiçãoA poucos quilômetros do comício de Vasconcelos, outra multidão se reunia para a estreia de Otacílio Negrão de Lima nos palanques
Transformações
Se nas propostas apresentadas pelos candidatos a campanha municipal de 1947 houve várias semelhanças com as disputas atuais, em relação ao processo eleitoral foram grandes as transformações desde as primeiras eleiçõesNaquele 23 de novembro, nem toda a população de BH pôde ir às urnas escolher seus representantes, porque a Constituição estadual não permitia o voto dos analfabetos
A apuração das cédulas depositadas nas 242 urnas espalhadas em todas as regiões só começou no dia seguinte à votação e demorou seis diasO resultado era atualizado diariamente nas juntas eleitorais, que funcionavam das 8h às 22h, e apresentado à população em um placar montado na Praça 7Só no dia 29 foi encerrada a apuração, que indicou vitória de Otacílio Negrão de Lima, com 34.009 votos, contra 22.660 votos para Antônio Vasconcelos Para vice-prefeito foi eleito Bento Gonçalves
A posse do primeiro prefeito eleito democraticamente ocorreu no cinquentenário de BH – 12 de dezembro de 1947
Personagem da notícia: Otacílio Negrão de Lima, primeiro prefeito eleito em BH
De prefeito a ministro
O primeiro prefeito eleito em BH já tinha sido prefeito anteriormente, entre 1935 e 1938, quando foi nomeado pelo então governador de Minas, Benedito ValadaresNascido em São João Nepomuceno, distrito de Lavras, em 1897, Otacílio Negrão de Lima era engenheiro e trabalhava para o governo estadual quando foi escolhido para assumir a prefeituraSeu primeiro mandato ficou marcado pela inauguração do Viaduto da Floresta, criação do Horto Municipal e a transformação do Conselho Consultivo em Câmara MunicipalNa segunda vez que chegou à prefeitura, agora eleito, foi responsável pela construção do Teatro Francisco Nunes e do Túnel da LagoinhaApós deixar a prefeitura, em 1951, Otacílio foi ministro do Trabalho, Indústria e Comércio durante o governo de Eurico Gaspar Dutra e deputado federalHoje, Otacílio Negrão de Lima dá nome à avenida que circunda a Lagoa da Pampulha.
Saiba mais: analfbetos de fora
Desde a criação da prefeitura, em 1897, até 1930, os prefeitos eram indicados pelo governador de Minas GeraisA partir do decreto de Getúlio Vargas em novembro de 1930, ficou instituído o governo provisório no Brasil e os estados passariam a ter interventores nomeados pelo presidente, e caberia aos interventores escolher os prefeitosA Constituição mineira de 14 de julho de 1947 deu autonomia política e administrativa às estâncias hidrominerais e à capital do estadoFicou instituído o voto direto para eleição de prefeito, vice-prefeito e vereadores dessas cidades e para Belo HorizonteO voto era direto e obrigatório para todos os moradores da capital com mais de 18 anos, mas a primeira eleição deixou de fora os analfabetos, que só na década de 1980 passaram a ter direito de votar
LINHA DO TEMPO:
17 de dezembro de 1893 – Criada a Comissão Construtora, com participação de importantes nomes da engenharia e arquitetura brasileiraO engenheiro Aarão Reis assumiu a chefia da comissão
12 de dezembro de 1897 – Festa de inauguração da capital, denominada Cidade de Minas, nome que permaneceu até 1901
29 de dezembro de 1897 – Criada a Prefeitura Municipal da Cidade de Minas No mesmo dia, Adalberto Dias Ferraz da Luz foi nomeado prefeito pelo governo estadual
12 de dezembro de 1899 – Instalado o primeiro órgão do Poder Legislativo na capital, com a criação do Conselho Deliberativo, que teve Afonso Pena como presidente e Levindo Lopes como vice
Fevereiro de 1945 – Getúlio Vargas anunciou uma reforma constitucional que aprovou a realização de novas eleições.
29 de outubro de 1945 – Getúlio Vargas é deposto pelo Alto Comando do Exército e declara concordar com a deposiçãoJosé Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) assume a presidência para transmiti-la, em janeiro de 1946, ao candidato vitorioso nas eleições, Eurico Gaspar Dutra
14 de julho de 1947 – Aprovada a Constituição do Estado de Minas Gerais, que dava autonomia política à capital e às estâncias hidrominerais