A experiência de uma vida ao volante usada para salvar vidas na estradaCom o conhecimento adquirido em 27 anos cortando as rodovias do Brasil, o caminhoneiro José Bezerra de Carvalho, de 58, rememorou ontem a manobra que evitou mais uma tragédia no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, enquanto assistia aos primeiros reparos em seu caminhão-baú de quatro meses de uso, que ficará fora de combate por duas semanas devido à noite de herói do proprietárioOs custos da reforma completa do veículo, entre R$ 35 mil e R$ 40 mil, serão cobertos pelo seguro, mas Bezerra ficará parado por duas semanas, com um prejuízo que pode chegar a R$ 8 milAo comentar a situação, o motorista dá mais um exemplo de desprendimento: “Temos que aceitarNão podemos pensar somente na gente”.
Nascido em Mamanguape, a 35 quilômetros de João Pessoa, na Paraíba, Bezerra hoje mora em Entre Rios de Minas e vive de transportar bananas de Janaúba, no Norte mineiro, para o Rio de JaneiroFoi encontrado ontem pela equipe do Estado de Minas em uma oficina de Montes Claros, para onde seu caminhão foi rebocado por um guinchoA vida dele é assim: há quase três décadas cruzando o mapa, saltando de cidade em cidade“Na estrada estamos sempre convivendo com o perigoJá vi várias pessoas morrerem em acidentesMas comigo mesmo nunca aconteceu nada, porque sempre estou com Deus”, conta Bezerra, homem não só de perícia, mas de muita fé.
Foi a ela que o motorista, casado, pai de dois filhos, se agarrou para fazer a manobra que conseguiu parar uma Scania com 25 toneladas de pedras, que ameaçava passar por cima de dezenas de carros no Anel Rodoviário de BHAnteontem à noite, o caminhoneiro voltava do Rio de Janeiro quando percebeu, pelo retrovisor, a carreta desgovernada descendo o trecho que já protagonizou pelo menos 14 mortes em circunstâncias semelhantes desde 2009
A ideia que salvou vidas não veio apenas das quase três décadas de volanteNaquele instante, Bezerra se recordou de um filme que havia assistido há cerca de 15 anosDo nome ele não se lembra, mas da manobra salvadora não se esqueceu“No filme, duas carretas viajam na mesma estradaO motorista de trás usa o rádio para avisar que sua carreta perdeu os freios ao da frenteO caminhoneiro pede calma e orienta o colega a colar o caminhão na traseira do seu veiculo
Medo
Perguntado sobre sua sensação depois da proeza, Bezerra dá testemunho de humildade“Não me sinto mais do que os outrosAcho que se cada um puder fazer a sua parte e não prejudicar o próximo, já fica de bom tamanho”Ele revela também que não foi a primeira vez que salvou vidas nas estradas“Há alguns anos, aconteceu um grave acidente com um ônibus na BR-116, perto de Governador ValadaresMorreram 16 pessoasMas eu estava passando na hora e ajudei a salvar outras 22”, recorda
Na opinião de Bezerra, a culpa dos acidentes nas rodovias é sobretudo dos motoristas, incluindo caminhoneiros“Muitas vezes, os colegas empregam alta velocidade no lugar errado e na hora errada”, comentaComo outros motoristas “bananeiros”, ele cumpre jornadas arriscadas no trecho de mil quilômetros entre Janaúba e o Rio de Janeiro, que costuma percorrer em 16 horas“Já bateram em meu caminhão, mas eu nunca bati em ninguém e nunca capoteiMinha família sempre reza por mim e Deus ouve as orações”, assegura o herói das estradas.