Jornal Estado de Minas

Má alimentação compromete crescimento das crianças

Enfraquecimento de ossos e colesterol alto são problemas enfrentados por crianças devido ao consumo diário de refrigerantes e alimentação inadequada. Dica é mudar cardápio

Sandra Kiefer
O menino G., de 12 anos, evita legumes e toma refrigerante todos os dias: exame mostrou que ele tem idade óssea de 10 anos e meio - Foto: euler júnior/em/d.a press
Aos 12 anos, o garoto Gcresceu comendo apenas um grupo restrito de alimentosNa hora do almoço, no prato do adolescente, morador de prédio no Bairro Belvedere, só cabe arroz, carne e batata fritaNada de feijão, legumes e verduras de espécie algumaAo longo do dia, aceita bem três tipos de fruta e suco de caixinha de um único sabor (morango), mas a preferência é sempre por refrigerante, que os pais tentam limitar aos fins de semanaDurante as últimas férias de julho, em viagem com a família a Nova York, o consumo de Coca-Cola saiu do controle e Gtomou refrigerante todos os diasNo único em que escapou da rotina liberada das férias escolares, sentiu dor de cabeça provocada pela abstinência da bebidaO resultado da alimentação desregrada apareceu no exame médico: apesar de praticar esportes, G está com idade óssea de apenas 10 anos e meio

“Se o exame dele permanecer nessa curva de crescimento , ele vai se tornar um homem baixinho e franzino
Se Gviesse de uma família de baixa estatura, mas com ossos bons, não haveria problema, mas não é esse o caso”, compara a ultrassonografista pediátrica Maria Tereza FigueirasEla detectou o problema por meio de um novo exame de ultrassom (osteossonografia), capaz de prevenir alterações ósseas a partir dos quatro anos de idade, em menos de 10 minutos“Cerca de 90% da massa óssea é formada até os 20 anos e os 10% restantes até os 35Quem teve uma boa ‘poupança’ óssea tem baixo risco de desenvolver osteoporose o futuro”, explica a médica

“No meu ambulatório, posso afirmar que já existem lesões ortopédicas em crianças provocadas pela obesidade”, denuncia a pediatra Virgínia Resende Silva Weffort, presidente do departamento de nutrologia infantil da Sociedade Brasileira de PediatriaEm seu trabalho no ambulatório do Hospital Universitário da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) é comum receber crianças obesas reclamando de dores nos joelhos “Com o excesso de peso, as pernas vão arqueando e os joelhos ficam voltados para dentroAlém da dor, a criança fica com as perninhas tortas e passa a ter mais dificuldade para andar”, diz a médica“Ela tem mais preguiça de fazer atividade física e fica só sentada dentro de casa, vendo tevê
Se essa criança é obesa e tem dificuldades alimentares, pode apresentar osteoporose na idade recente de 20 anos, que só seria encontrada em um adulto de 60”, completa.

Comida nova

Renata Giancotti capricha na sala depois que Igor teve colesterol alto:"Fiz uma revolução no cardápio" - Foto: beto magalhãesem/d.a press Desde que interrompeu a natação e o futebol, passando a estudar em tempo integral para os exames do Colégio Militar, Igor Giancotti, de 10 anos, engordou 10 quilos em cinco meses“ A alimentação da família era macarronada, lasanha e pizzaNão tenho ajudante e fazia o que era mais prático para mim e o que mais agradava a todo mundoAgora, estou fazendo uma revolução nos cardápiosNa primeira semana, houve uma insatisfação da parte deles, mas não senti resistência”, conta a mãe, a dona de casa Renata Gonzaga Giancotti, 41, que tem também Vítor, 12, e Eliel, 9Ela admite ter saído chorando do consultório da pediatra ao receber o resultado dos exames de sangue de Igor, que, além do ganho de peso, demonstraram alteração no colesterol (221, quando o desejável para uma criança é de 170) e baixa na vitamina D (19,07)Em um mês de mudança, Igor já emagreceu 800 gramas, cresceu 1,5 centímetro e está mais feliz“Ele chupava um picolé todo os dias e nessas férias, foram só dois”, comemora o pai, o gerente de vendas Amarílio Giancotti, de 47

“Os pais estão matando a sede da criança com suco de caixinha, que contém muito sódio, além do açúcar em excessoQuem tem sede tem de beber água”, reforça a nutricionista Ermelinda Lara, com 22 anos de experiência no Hospital das Clínicas da UFMGUsado para realçar o sabor, o sódio provoca ainda mais sedeCom isso, a criança pede cada vez mais o suco pronto e rejeita o naturalO excesso de suco de caixa e de carboidratos refinados (biscoitos recheados, sanduíches e massas instantâneas) faz inchar o abdômenO aumento da gordura abdominal, por sua vez, predispõe ao aparecimento de doenças degenerativas como diabetes tipo 2, hipertensão arterial e colesterol alto“É melhor oferecer porções menores de frutas do que dar suco adoçadoUma tampinha de laranja, um gomo de mexerica ou três uvas é melhor do que uma mamadeira de suco”, completa.

Uma recomendação da nutricionista é proporcionar condições para os filhos voltarem a brincar“As mães reclamam que o menino só fica no computador, mas criança não joga bola sozinhaÉ preciso combinar com os vizinhos do prédio um horário para as crianças descerem para brincar ou levar para a pracinha ou ao clube ”, avalia

Diabetes  ganha força

Aos 10 anos, Anna Luíza já toma remédios para prevenir a diabetes mellitus tipo 2, que antes era doença rara na infância e só aparecia entre adultos de meia-idade e idososSua mãe, a funcionária pública Claúdia Gomes Fonseca Panda, de 45 anos, concordou em dar entrevista com o objetivo de alertar outros pais para os maus hábitos de muitas famíliasAté descobrir o diagnóstico, a menina era sedentária, apesar de morar no Condomínio Ibisco, em Contagem, não crescia e estava oito quilos acima do pesoTinha o costume de dormir tarde e levantar por volta das 11h, tomar um banho, almoçar e ir direto para a aulaNão sobrava tempo para se exercitar

“Estou mais felizFico com vontade de tomar Toddynho, mas eu bebo Gold (dietético), que é uma delícia”, confessa Anna LuízaEla passou a andar na esteira e a usar a bicicleta no condomínioTambém entrou para a aula de natação (além do balé que já fazia), na mesma academia onde os pais se matricularam no pacote para a família inteiraEm seis meses, Anna emagreceu três quilos e cresceu quatro centímetros

Calcula-se que, atualmente mais de 200 crianças e adolescentes desenvolvem o diabetes mellitus tipo 2 a cada dia no mundo, em decorrência da epidemia de obesidade e sedentarismoNos Estados Unidos, 8% a 45% dos novos casos de diabetes em crianças são do tipo 2Na Ásia, em países como Taiwan, os casos de diabetes tipo 2 em crianças já são duas a seis vezes maiores do que os do tipo 1

“As crianças veem as propagandas e ficam malucas para experimentar as guloseimasEstou orgulhosa da minha filha porque ela entrou de cabeça na reeducação alimentar”, elogia a mãeAnna Luíza é acompanhada de perto por ginecologista, endocrinologista e pela educadora em nutrição Natália Fenner PenaSó este ano Natália atendeu, entre 300 pacientes, 16 crianças e pré-adolescentes que apresentavam taxa de glicose no limite (99, 100 e 101 mg/dL) para acompanhamento nutricional e controle do pesoA taxa de glicose normal em crianças é de 70 a 99mg/dlNo diabetes tipo 2, o corpo não responde normalmente à insulina

Miopia mais cedo

Na geração anterior, a idade-chave para o aparecimento da miopia costumava ficar entre 10 e 15 anosAtualmente, os pediatras indicam o primeiro exame de visão para crianças a partir dos 7 anosA maior exigência de enxergar “de perto”, justamente na fase de desenvolvimento anatômico, está levando a uma epidemia de miopia, segundo a médica paulista Célia Nakanami, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia PediátricaOs últimos dados mostram que a maior cobrança por estudo e a mudança dos hábitos de lazer – com mais atividades em locais escuros como tevê e jogos – leva ao aparecimento do grau e a sua progressão cada vez mais cedo

“Se existe a predisposição e um dos pais é míope, a chance aumenta muito, de 20% a 30%Se os dois são míopes, a probabilidade chega a 40%”, comparaEla explica que o processo de acomodação dos olhos para enxergar de perto com boa nitidez e foco induz a um crescimento do diâmetro posterior do olhoDe forma leiga, o esforço repetitivo de prestar atenção no game “força o olho” “Os músculos trabalham mais para focar, o que aumenta o diâmetro do globo ocularE um olho ‘grande’ é um olho míopeEssa é uma das hipóteses para justificar o aumento do aparecimento da miopia nessa faixa etária”, completa